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 | Gabriel Prieto/National Geographic
| Foto: Gabriel Prieto/National Geographic

Vou propor hoje uma questão para sua segunda-feira. Dedico-a aos inteligentinhos do Brasil. Sabe-se que a filosofia, desde a Grécia, indaga-se acerca do chamado “relativismo”. Os sofistas eram os filósofos gregos que o defendiam: “o homem é a medida de todas as coisas” é uma máxima atribuída a Protágoras (481 a.C.””411 a.C.).

Grosso modo, relativista é quem entende que não existe verdade absoluta, nem moral absoluta, nem crença absoluta. Tudo depende do ponto de vista, da cultura, do momento histórico, enfim, “cada um é cada um”, como dizem os mais jovens. Claro que você já percebeu que ser relativista é bem contemporâneo.

Uma das formas mais importantes de relativismo é aquele “científico”, abraçado pela antropologia moderna. Segundo esta, é o conjunto de crenças, práticas e hábitos que determina o universo do que é verdade e do que é mentira, do que é bem e do que é mal, do que é certo e do que é errado. Logo, não havendo um conjunto único de crenças, práticas e hábitos na história humana, podemos afirmar que não há uma compreensão única do que é verdade ou mentira, bem ou mal, certo ou errado. Lamento, mas a moçada dos direitos humanos é etnocêntrica, eurocêntrica e, portanto, “opressora”. Seria uma espécie de cristãos sem Jesus. Mas, não precisamos ir tão longe e estragar de forma tão radical a semana dos inteligentinhos. Nem temos esse poder.

Mas, podemos, pelo menos, colocar uma questão para a moçada que defende o relativismo antropológico assim como quem toma chá natural. E para quem não defende também vale a reflexão.

Será que o que eu vou relatar é fake news? Ou verdade? Vamos aos fatos. Arqueólogos descobriram na costa norte do Peru, a cerca de 300 km do oceano Pacífico, região outrora habitada por uma civilização “pré-colombiana” (termo etnocêntrico, claro), conhecida como Chimú, 140 restos de crianças que, pelos sinais que os corpos apresentam, foram oferecidas em sacrifício. A tinta encontrada nas cabeças das 140 crianças mortas parece ser a mesma tinta conhecida como a utilizada em seus rituais religiosos. Aliás, 200 baby lhamas também foram mortas no mesmo “evento”. Coitadinhas das baby llhamas. Que diriam os veganos disso? Coitadinhas das crianças também, claro.

O peito aberto das crianças parece indicar que o coração delas foi retirado (não há traços dos corações) durante o processo. Talvez para rituais canibais religiosos. Esse fato parece ter ocorrido 550 anos atrás, antes de os terríveis espanhóis chegarem. Vale salientar que achados semelhantes foram encontrados na região da atual capital do México: 42 crianças mortas em rituais. Estas, fruto da civilização asteca, também destruída pelos terríveis espanhóis.

Agora voltemos ao tema do relativismo. A questão que proponho nesta segunda-feira é: o que dizer desses achados? Vou responder de modo relativista, tá? Não quero incorrer no pecado capital do etnocentrismo. Sacrificar 140 crianças, comer seus corações e sacrificar 200 baby llhamas (não vamos ser humanocêntricos e esquecer dos baby llhamas mortos também!) não é errado. E por que não? Se levarmos em conta o conjunto de crenças, práticas e hábitos desses povos, sacrificar 140 crianças, comer seus corações e sacrificar 200 baby llhamas está justificado por esse mesmo conjunto de crenças, práticas e hábitos. Questão resolvida. Vamos trabalhar.

Mas, antes, peço um momento de reflexão. É fato evidente que, se não levarmos em conta esse conjunto de crenças, práticas e hábitos, nunca seremos capazes de entender esse mesmo conjunto de crenças, práticas e hábitos. E, por consequência, jamais entenderemos o “Outro”. Como esse problema é uma questão de método, não podemos fugir da posição relativista se quisermos compreender o mundo dos diferentes conjuntos de crenças, práticas e hábitos culturais.

Imagino como reagiria o “novo mundo dos comentários”, esse pequeno inferno de bolso criado pelas mídias sociais, a achados como esse. E também à minha “deslavada” resposta relativista. Como fica a tal ética do “Outro” nessa? Como alguém em sã consciência pode não se revoltar com tamanho ato de violência contra crianças e baby llhamas (não esqueçamos delas!)? Desafio a qualquer inteligentinho dar a mesma resposta “deslavada” que dei.

Difícil de engolir? Vou te ajudar. Entenda que sua absurda revolta é, apenas, um brutal ato de etnocentrismo, portanto, cale-se, e vá trabalhar.

Luiz Felipe Pondé, escritor, filósofo e ensaísta, é doutor em Filosofia pela USP e professor do Departamento de Teologia da PUC-SP e da Faculdade de Comunicação da Faap.
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