No dia 7 de agosto, o presidente Michel Temer sancionou lei aprovada pelo Congresso que permite a manutenção, por até 15 anos, de isenções tributárias oferecidas pelos estados para atrair investimentos. Quem enxerga o copo meio cheio pode até dizer que, com isso, o governo coloca prazo para o fim da “guerra fiscal”, essa competição entre as unidades da Federação; mas uma visão mais realista mostra que, na verdade, o que a lei faz é anistiar esse tipo de comportamento e prorrogá-lo por um prazo excessivamente longo.
A Constituição Federal, em seu artigo 155, e a Lei Complementar 24, de 1975, estabelecem as regras para a concessão de benefícios fiscais pelos estados, submetendo-os à aprovação unânime de representantes de todas as unidades da Federação (atualmente, essa competência cabe ao Confaz, conselho que reúne os secretários estaduais da Fazenda). A necessidade dessa unanimidade, frequentemente difícil de conseguir, leva diversos estados a agir unilateralmente, baixando suas alíquotas de ICMS como chamariz para empresas que procuram um local para se instalar. Consequentemente, os estados prejudicados levam a questão ao Supremo Tribunal Federal – em março deste ano, por exemplo, o STF decidiu pela inconstitucionalidade de duas leis de incentivo no Rio Grande do Sul e no Paraná.
O governo abre mão de trabalhar por um entendimento saudável entre as unidades da federação
Com a sanção da Lei Complementar 160/2017, no entanto, esses benefícios ilegais ganham uma anistia e podem ser prorrogados por até 15 anos, caso sejam “destinados ao fomento das atividades agropecuária e industrial, inclusive agroindustrial, e ao investimento em infraestrutura rodoviária, aquaviária, ferroviária, portuária, aeroportuária e de transporte urbano”; benefícios a outros tipos de investimentos também ganham prorrogação, ainda que em prazo menor. Mas a lei não se limita a legalizar os incentivos já existentes: ela autoriza novas medidas desse tipo, agora dependentes da aprovação de dois terços dos membros do Confaz e um terço dos representantes de cada região do país. A julgar pelos episódios passados em que o Confaz foi ignorado, é preciso questionar se estados eventualmente contrariados em suas futuras intenções de conceder novos incentivos não repetirão o comportamento passado, ignorando o conselho e contando com a lentidão da Justiça para analisar as reclamações dos prejudicados.
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Se tivéssemos uma estrutura federativa equilibrada, os estados poderiam, sim, ter alguma autonomia para decidir por benefícios fiscais se considerarem que os benefícios trazidos pelos novos investimentos superam os prejuízos da renúncia a certa parcela da arrecadação. E não há como negar que, às vezes, o incentivo fiscal é a única maneira de convencer um empresário a se instalar em regiões menos desenvolvidas, causando um impacto positivo. Mas nosso pacto federativo é tudo, menos equilibrado. Ele deixa poucas possibilidades aos estados, já que a maioria da arrecadação vai para a União. Estados profundamente dependentes do ICMS ficam na difícil posição de escolher entre não receber novos investimentos, se não entrarem na guerra fiscal, ou arrecadar muito pouco, se decidirem partir para a disputa. Por isso a guerra fiscal não é mera questão de conceder liberdade aos estados; ela se transformou em um vale-tudo irresponsável em que gestores abrem mão de muito mais do que poderiam para levar o crédito (e o potencial dividendo eleitoral) por atrair investimentos e gerar empregos, especialmente nesta época de crise.
Ao anistiar a guerra fiscal passada e deixar a porta aberta para a guerra fiscal futura, o governo manda uma mensagem equivocada e abre mão de trabalhar por um entendimento saudável entre as unidades da federação, que concilie a atração de investimentos com a responsabilidade fiscal.
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