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editorial

A democracia agredida no Congresso

Na segunda-feira, um grupo de representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), incluindo o presidente de seu Conselho Federal, Claudio Lamachia, foi à Câmara dos Deputados para protocolar um pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Em qualquer democracia saudável, o episódio se desenrolaria da maneira mais republicana possível: os advogados teriam respeitado seu direito de transitar dentro da Casa do Povo, entregariam o documento, talvez (mas não necessariamente) posariam para algumas fotos, dado o caráter potencialmente histórico do evento, e seguiriam seu curso, enquanto os governistas se preocupariam em conhecer o teor da denúncia e preparar sua defesa.

Mas, a essa altura do campeonato, o petismo já abandonou qualquer pretensão de manter as aparências de defensor do Estado Democrático de Direito. É por isso que até mesmo parlamentares – incluindo o líder do governo no Senado, Humberto Costa – se juntaram à claque que cercou Lamachia assim que o presidente nacional da OAB chegou ao Congresso. Apenas a muito custo os representantes dos advogados conseguiram avançar e entregar a denúncia baseada não apenas nas “pedaladas fiscais”, mas também na renúncia fiscal concedida à Fifa para a Copa de 2014 e na tentativa de obstrução da Justiça com a nomeação ministerial de Lula e as supostas interferências na Lava Jato, segundo a delação do senador Delcídio do Amaral.

Pessoas que assumiram o compromisso de defender a democracia resolveram impedir o exercício dos direitos alheios

Na ausência de argumentos, restou aos defensores do governo tentar desmoralizar a entidade, apelando para slogans fáceis como “A verdade é dura, a OAB apoiou a ditadura” – o que, além de falsear e simplificar a história, mostra como funciona o pensamento petista, segundo o qual os critérios de certo e errado são os interesses do partido. Afinal, em 1992, quando a OAB protagonizou o pedido de impeachment de Fernando Collor, a quem o PT fazia oposição (mas que hoje defende Dilma), seria impensável que os petistas sacassem tal slogan. Além disso, hoje são justamente o PT e seus aliados ideológicos os grandes apoiadores de ditaduras, na América Latina e fora dela – apoio no qual os petistas certamente não veem inconveniente algum.

O episódio do Salão Verde já seria suficientemente grave se, a bloquear o caminho de Lamachia e dos demais representantes da OAB, estivessem apenas os suspeitos de sempre, como as entidades-satélites do petismo, aquelas que já foram comparadas a “exércitos” ou cujos líderes juraram defender Dilma “com armas na mão”. Mas também havia ali parlamentares, incluindo advogados – pessoas que assumiram, até em juramento, o compromisso de defender a democracia, mas que resolveram impedir o exercício dos direitos alheios apenas por discordar de suas posições políticas. E o fazem invocando, com a maior desfaçatez, o Estado Democrático de Direito e as garantias constitucionais. Trazem para a vida real a ficção orwelliana, em que o governo ditatorial de 1984 usava slogans como “guerra é paz”, “liberdade é escravidão” e “ignorância é força”.

“Eu sou a única pessoa que poderia incendiar o país”, bravateou Lula numa das conversas telefônicas interceptadas pela Operação Lava Jato. O ex-presidente até acrescenta que não quer “fazer como Nero”, mas a prática desmente a afirmação. O que aconteceu no Congresso mostra que até mesmo os que conhecem as leis com profundidade estão dispostos a mandá-las às favas diante de um chamado do chefe, fazendo-nos concluir que, se há no Brasil uma autêntica ameaça ao Estado Democrático de Direito, ela está entre os que manobram contra o impeachment, não entre os que o defendem.

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