A notícia de que os desembargadores da 8.ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região – colegiado que vai analisar, no próximo dia 24, o recurso do ex-presidente Lula contra sua condenação pelo juiz Sergio Moro – estão recebendo ameaças não pode ser encarada com ligeireza. Trata-se de um grave atentado contra a democracia, perpetrado por pessoas que não se conformam com o fato de que, em um Estado Democrático de Direito, ninguém está acima da lei. As ameaças foram comunicadas pelo presidente do TRF4, Carlos Thompson Flores Lenz, à Procuradoria-Geral da República e à presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia.
O presidente do TRF4 ainda tratou do assunto com a própria Cármen Lúcia em reunião em Brasília na segunda-feira – Lenz ainda aproveitou a visita à capital federal para tratar do tema com Sergio Etchegoyen, chefe do Gabinete de Segurança Institucional, e com a procuradora-geral da República, Raquel Dodge. Na semana passada, o magistrado também fez o mesmo aviso em reunião com políticos petistas, incluindo deputados federais e estaduais. Os parlamentares se comprometeram com a defesa das “normas da Constituição Federal e das garantias individuais”, segundo o deputado federal Paulo Pimenta.
O PT já demonizou inúmeras vezes o aparato judiciário brasileiro, apelando para um discurso belicoso
Claro, ninguém imaginaria que os deputados apoiassem publicamente ou dissessem ter incentivado as ameaças recebidas pelo relator João Pedro Gebran Neto e seus colegas Leandro Paulsen e Victor Laus. E, na verdade, nem é necessário que houvesse alguma incitação vinda de lideranças petistas para que militantes mais exaltados tomassem a iniciativa: é mais provável que Gebran, Paulsen e Laus tenham se tornado vítimas do “efeito Becket”. No século 12, durante uma disputa política entre o rei inglês Henrique II e o arcebispo Thomas Becket, aquele teria indagado, em um momento de exaltação contra uma decisão deste: “ninguém me livrará desse padre encrenqueiro?” – em outras versões da história, o rei reclama que nenhum daqueles que o cercam o defende de um clérigo de origem humilde. O fato é que quatro cavaleiros ouviram a queixa do rei, independentemente de sua formulação exata, e resolveram, por conta própria, matar o arcebispo, o que nunca fora a intenção de Henrique II.
Fato é que o partido já demonizou inúmeras vezes o aparato judiciário brasileiro – desde os tempos do mensalão, acusando o STF de ser um “tribunal de exceção” –, apelando para um discurso belicoso. Um exemplo disso é a nota de José Dirceu, condenado pelo mensalão e pelo petrolão, descrevendo o 24 de janeiro como o “dia da revolta”: “A hora é de ação não de palavras, transformar a fúria e revolta, a indignação e mesmo o ódio em energia, para a luta e o combate”, afirmou, em nota publicada por um diretório regional do PT. Assim, ainda que nenhum petista de alto escalão tenha pensado em ameaçar os julgadores de Lula, não se pode descartar que algum militante, acreditando estar seguindo a “vontade do partido” na defesa de seu líder máximo, tenha partido para esse tipo de violência. E, ao contrário de Henrique II, que se penitenciou publicamente pela morte do arcebispo e ex-conselheiro, é bem possível que Dirceu e outros com a mesma mentalidade segundo a qual vale tudo pelo partido e por Lula estejam secretamente se regozijando com as ameaças sofridas pelos desembargadores.
Outra amostra representativa de como o PT vê a atuação do Judiciário em relação a Lula foi dada pela deputada federal Maria do Rosário logo após a reunião com Flores Lenz. “O que nós fazemos aqui é ser parte da resistência que a população brasileira está compondo com trabalhadores e trabalhadoras, já que está muito claro que não existem provas neste processo contra Lula e que a condenação dele pelo juiz Moro foi uma decisão política”, afirmou. Ora, a “resistência” a uma decisão judicial se dá no âmbito próprio, por meio dos recursos e do debate jurídico. Mas não parece ser disso que Maria do Rosário está falando (até porque ela mesma se antecipa ao veredito dos desembargadores), o que nos leva a indagar em que consiste essa “resistência” – que, longe de congregar a “população brasileira compondo com trabalhadores e trabalhadoras”, se limita ao petismo e suas entidades-satélites – e o que ela fará caso o TRF4 confirme a sentença de Moro. Na terça-feira, o site Poder360 publicou uma declaração no mínimo irresponsável da senadora Gleisi Hoffmann, presidente da legenda: “Para prender o Lula, vai ter que prender muita gente, mas, mais do que isso, vai ter que matar gente. Aí, vai ter que matar”. Depois, ela se explicou, afirmando que usou “força de expressão”, mas fica implícita a intenção de resistir a uma eventual confirmação da condenação de Lula, classificada desde já como decisão política, e não jurídica. Ora, portar-se desse modo é qualquer outra coisa, menos trabalhar para “que tudo transcorra dentro das normas da Constituição Federal”.