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Editorial

O Estado inchado e os “bobos da corte”

 | Antônio More/Gazeta do Povo
(Foto: Antônio More/Gazeta do Povo)

O depoimento do empreiteiro Marcelo Odebrecht à Justiça Eleitoral, na semana passada, chamou mais a atenção pela afirmação de que a campanha da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer em 2014 teria recebido dezenas de milhões de reais não registrados – o conhecido “caixa dois”, que pode ser visto pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) como motivo para cassar a chapa, resultado na saída de Temer do Planalto. Mas outras afirmações do empreiteiro mostram que dimensão ganharam, no Brasil, as relações entre governo e grandes empresas, expondo as entranhas do “capitalismo de compadres” que caracteriza nosso país.

Marcelo Odebrecht fez de tudo, em seu depoimento, para minimizar a responsabilidade pelos atos de corrupção de que é acusado. “Eu não era o dono do governo, eu era o otário do governo. Eu era o bobo da corte do governo”, afirmou. Em outras palavras, ele e a empreiteira só fizeram o que fizeram – o que inclui a montagem de um “departamento de propina” dentro da empresa – porque foram forçados a tal, porque o governo exigia os acertos para que a Odebrecht conseguisse bons e milionários contratos, que iriam para a concorrência caso a empreiteira não aceitasse entrar no jogo da roubalheira e do saque à Petrobras, e por isso a Odebrecht assumiu até mesmo projetos nos quais não tinha interesse.

Se o Estado seguir inchado, continuará oferecendo inúmeras oportunidades para conluios e desvios

Ora, o empreiteiro não tem como bancar o coitado quando as delações premiadas mostram que a Odebrecht tomou a iniciativa em diversas situações de corrupção. Assim como na expressão que virou clichê na boca de jogadores de futebol, também neste jogo é óbvio que não há bobo nenhum. A questão de fundo é outra, e as declarações do empresário preso em Curitiba deixam entrever um problema mais amplo que a corrupção, mas que está intrinsecamente ligado a ela.

Um esquema do tamanho daquele que está sendo investigado pela Lava Jato, que atinge não apenas a Petrobras, mas outras estatais e um sem-número de obras, só é possível em um país no qual o Estado assume dimensões mastodônticas, chamando para si a responsabilidade em inúmeros setores, consequentemente administrando um orçamento que atrai os olhares cobiçosos de políticos e empresários inescrupulosos. Em novembro de 2016, a força-tarefa da Lava Jato estimou em R$ 42 bilhões o prejuízo da Petrobras com propinas, superfaturamentos e fraudes em licitações, o que dá uma ideia do valor estratosférico dos contratos envolvidos. É neste ambiente que floresce o “capitalismo de compadres”, que se manifesta não apenas na corrupção pura e simples, mas também em aspectos mais “inocentes”, como o uso da política fiscal ou de bancos de fomento para privilegiar os “amigos do rei”.

A Lava Jato está fazendo um trabalho fundamental para o país ao escancarar os esquemas de corrupção que dizimaram a Petrobras e afetaram outras estatais. Propostas como as Dez Medidas Contra a Corrupção têm a intenção de aprimorar o arcabouço legal brasileiro e combater a impunidade que, em muitos casos, ainda é a regra. Mas, ainda que a Lava Jato consiga a punição de todos os envolvidos, ainda que tenhamos leis melhores, se o Estado seguir inchado, continuará oferecendo inúmeras oportunidades para conluios e desvios nos quais não haverá bobo nenhum – à exceção, claro, do cidadão brasileiro.

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