Denunciada ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pelas acusações que fez à vereadora assassinada Marielle Franco (Psol), a desembargadora Marília Castro Neves já descreveu o Conselho como “um órgão espúrio composto em sua maioria por completos despreparados nomeados pelo Executivo e pelo Legislativo”.
Em 19 de novembro de 2016, a desembargadora, que atua no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, escreveu um longo texto no Facebook para rebater uma reportagem da revista “IstoÉ” intitulada “O país dos privilégios: quem são os servidores públicos com supersalários”. Marília começa a postagem defendendo os benefícios e a remuneração dos magistrados. Mais adiante, afirma que, com a fiscalização exercida pelo CNJ, “o Judiciário perdeu até mesmo sua independência”. E diz que é por meio desse órgão “que o Executivo e o Legislativo encabrestam o Judiciário”.
“Hoje, com a fiscalização exercida pelo CNJ, um órgão espúrio composto em sua maioria por completos despreparados nomeados pelo Executivo e pelo Legislativo, o Judiciário perdeu até mesmo sua independência. Não há como explicar aos conselheiros que eles não são órgão revisor das decisões judiciais porque não são investidos de jurisdição. A maioria deles entende que pode fazer isso - e faz - em flagrante violação às normas constitucionais. Não precisa ser muito inteligente para se concluir que o CNJ, criado pelo PT, é o órgão através do qual o Executivo e o Legislativo encabrestam o Judiciário. Simples assim”, escreveu a desembargadora.
A postagem, reproduzida na imagem abaixo, foi apagada da rede social nesta terça-feira (20), um dia após a publicação desta reportagem. Logo abaixo da imagem, está o link incorporado do Facebook com a mensagem de que ela foi removida ou então que suas configurações de privacidade foram alteradas – de publicação pública para privada, visível apenas para os amigos da magistrada.
Foi o Psol, partido de Marielle, quem entrou com representação contra a magistrada no CNJ. A reclamação disciplinar foi protocolada no início da tarde de segunda-feira (19). O partido pede que o Conselho avalie a atitude da desembargadora e instaure processo administrativo disciplinar. A Associação Brasileira de Juristas pela Democracia protocolou reclamação semelhante.
Criado em 2004, o órgão é encarregado de acompanhar a atuação do Judiciário e atualmente é presidido por Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). Entre as atribuições do Conselho estão “receber as reclamações e denúncias de qualquer interessado, relativas aos magistrados e aos serviços judiciários auxiliares” e “determinar o processamento das reclamações”.
O CNJ tem 15 integrantes, na maioria indicados por órgãos do Judiciário, entre eles ministros de tribunais como STJ e TST, juízes federais, desembargadores de tribunais estaduais e regionais, procuradores e advogados. Também há dois cidadãos “de notável saber jurídico e reputação ilibada”, indicados pelo Congresso Nacional, além do secretário-geral e da diretora-geral. Os membros do Conselho têm mandato de dois anos e podem ser reconduzidos uma vez. Veja aqui a composição do CNJ.
Para desembargadora, não se pode exigir isenção de um juiz ‘que ganhe o mesmo que um caixa de banco’
Na mesma postagem em que ataca o CNJ, Marília Castro Neves critica comparações entre os rendimentos dos magistrados brasileiros com “trabalhadores comuns” do país, bem como as comparações com magistrados europeus. Ela rejeita tais relações porque, em sua avaliação, os trabalhadores brasileiros mal sabem ler e escrever e são admitidos em escolas e universidades “através do sistema de cotas, que nivela todo mundo por baixo”.
“Como o mercado não absorve essa mão de obra não especializada, são todos generosamente acolhidos pelo serviço público através das cotas ou dos programas sociais que estimulam o ócio na sociedade”, escreveu. “Já nas carreiras de Estado, como o Ministério Público e a Magistratura, em que as cotas ainda são aceitas apenas no papel, graças a Deus, os aprovados nos concursos ainda representam a excelência em suas especialidades”, completou.
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Para a desembargadora, as “prerrogativas da magistratura”, citadas na reportagem da “IstoÉ”, “são a única garantia que tem a sociedade de que os magistrados julgarão com isenção e equidistância das partes”. Segundo ela, não se poderia exigir isenção de um juiz caso ele ganhasse o mesmo que um caixa de banco.
“De um juiz que ganhe o mesmo que um caixa de banco não se pode exigir equidistância e isenção em seus julgamentos. Por essa razão, aqui muito simplificada, é que os magistrados são bem remunerados em qualquer parte do mundo civilizado”, escreveu.
Marília também afirmou que os magistrados não têm FGTS, dissídio coletivo nem data-base para reajuste, “o que, incontáveis vezes, reduz drasticamente seu poder aquisitivo”. Argumentos semelhantes têm sido usados por associações de classe na mobilização em prol do auxílio-moradia de R$ 4.377 por mês, pago até mesmo a juízes que têm residência própria no lugar onde trabalham.
Segundo o site do TJ-RJ, Marília Castro Neves ganha salário (“subsídio”) de R$ 30.471,11. Em novembro de 2017, último dado disponível no portal, ela recebeu ainda “vantagens pessoais” de R$ 4.265,95, “indenizações” de R$ 6.202,00 e “vantagens eventuais” de R$ 33.856,77, totalizando R$ 74.795,83. Com o desconto da previdência pública, do Imposto de Renda e outros, seu rendimento líquido foi de R$ 54.417,52. Nenhum valor foi retido para cumprimento do teto constitucional de R$ 33,7 mil porque as vantagens e indenizações que ela recebeu não estão sujeitos a ele.
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No Facebook, magistrada faz críticas à esquerda e elogios a Sérgio Moro, ‘juiz templário’
Em suas postagens, a desembargadora Marília Castro Neves costuma atacar o PT e a esquerda. Em janeiro do ano passado, compartilhou um estudo sobre “as relações íntimas que a esquerda mantém com o crime organizado”. “Leitura obrigatória para os que se dizem ‘esquerda moderada’, porque podem ser confundidos com ‘criminosos moderados’”, sugeriu.
A magistrada também comentou um documentário chamado “Silenciados”. “Nele, diferente do que acontece na grande maioria dos filmes e seriados brasileiros, você não verá a defesa de quem comete crimes ou a relativização da violência. Não verá ‘especialistas’ jurando que menores infratores são incapazes de perceber que assassinar alguém é errado”, escreveu a desembargadora.
Entre as postagens mais curiosas de Marília Castro Neves estão um teste de Facebook que constatou que seu nome significa “princesa do sol” e um texto – repassado de uma corrente – que fala sobre a suposta “formação guerreira” de Sérgio Moro, “o Juiz Templário”. O post exalta a suposta formação de Moro em diversas artes marciais (karatê, aidiko e judô) e afirma que ele é “exímio atirador (armas curtas e longas)”.
“Sergio Moro aprendeu tudo com Maquiavel, certamente devorando o Príncipe, seu livro mais conhecido. Trabalha com paciência, como um exímio enxadrista, para acuar o ex-presidente [Lula] e seus ‘vampiros’ até o golpe fatal”, diz o texto publicado pela magistrada.
Quem compõe o Conselho Nacional de Justiça (CNJ)
- Cármen Lúcia Antunes Rocha, Presidente, Ministra do Supremo Tribunal Federal
- João Otávio de Noronha, Corregedor Nacional de Justiça, Ministro do Superior Tribunal de Justiça (indicado pelo STJ)
- Aloysio Corrêa da Veiga, Ministro do Tribunal Superior do Trabalho (indicado pelo TST)
- Maria Iracema Martins do Vale, Desembargadora do TJCE (indicada pelo Supremo Tribunal Federal)
- Márcio Schiefler Fontes, Juiz de Direito do TJSC (indicado pelo Supremo Tribunal Federal)
- Daldice Maria Santana de Almeida, Desembargadora do TRF3 (indicada pelo Superior Tribunal de Justiça)
- Fernando César Baptista de Mattos, Juiz Federal da 2ª Região (indicado pelo Superior Tribunal de Justiça)
- Valtércio Ronaldo de Oliveira, Desembargador do TRT5 (indicado pelo Tribunal Superior do Trabalho)
- Francisco Luciano de Azevedo Frota, Juiz do Trabalho da 3ª Vara de Brasília (indicado pelo Tribunal Superior do Trabalho)
- Rogério José Bento Soares do Nascimento, Procurador Regional da República (indicado pela Procuradoria-Geral da República)
- Arnaldo Hossepian Salles Lima Junior, Procurador de Justiça do MPE de São Paulo (indicado pela Procuradoria-Geral da República)
- André Luiz Guimarães Godinho, Advogado (indicado pelo Conselho Federal da OAB)
- Valdetário Andrade Monteiro, Advogado(indicado pelo Conselho Federal da OAB)
- Maria Tereza Uille Gomes, Cidadã de notável saber jurídico e reputação ilibada (indicada pela Câmara dos Deputados)
- Henrique de Almeida Ávila, Cidadão de notável saber jurídico e reputação ilibada (indicado pelo Senado Federal)
- Júlio Ferreira de Andrade, Secretário-Geral
- Julhiana Miranda Melloh Almeida, Diretora-Geral
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