Em outubro de 2016 a classe política em Brasília começava a ficar apreensiva com a possibilidade do ex-deputado federal Eduardo Cunha (PMDB) resolver contar o que sabe aos investigadores da Lava Jato. A prisão de Cunha ocorreu naquele mês e a cada nova fase na história de um dos parlamentares mais influentes no Congresso, aumentam as chances dele optar por um acordo com a Justiça.
Preso em Curitiba, condenado a 15 anos e quatro meses de prisão pelo juiz Sergio Moro e com sucessivas derrotas em tribunais superiores, Cunha estaria cada vez mais propenso a fechar um acordo de colaboração premiada com a Justiça, segundo a coluna Painel, da Folha de S. Paulo deste domingo (9). Segundo a coluna, Cunha teria dito ter material para “explodir” o mundo empresarial.
“Pode ser o Fim do Mundo 2”, analisa o cientista político da Universidade de Brasília (UnB) David Fleischer. “O Cunha tem grandes conhecimentos de como andavam as coisas, principalmente em propinas de empresas”, explica o especialista. A comparação é com a colaboração do empresário Marcelo Odebrecht, apelidada anteriormente como como delação do “Fim do Mundo”.
Além da condenação e das derrotas em tribunais superiores, Cunha ainda tem outro fator para pressioná-lo a fazer um acordo. A mulher dele, a jornalista Claudia Cruz, também responde a um processo na Justiça Federal de Curitiba, sob os cuidados de Moro.
“Muita gente acha que ele não suportaria ver a esposa presa”, diz Fleischer. “Quando as alternativas vão se fechando o desespero aumenta”, completa.
Em depoimento ao juiz Sergio Moro em fevereiro, o parlamentar também desabafou sobre as condições do Complexo Médico Penal (CMP), onde está preso. “O presídio onde ficamos não tem a menor condição de atendimento se alguém passar mal. São várias noites em que presos gritam sem sucesso por atendimento médico e não são ouvidos pelos poucos agentes que lá ficam à noite”, disse.
Impactos
Para Fleischer, uma delação de Cunha pode ser tão prejudicial à classe política quanto os depoimentos dos executivos da Odebrecht. “O impacto deixa muita gente nervosa, como a Odebrecht também deixou”, diz.
Principal articulador do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), Eduardo Cunha era um dos políticos mais influentes em Brasília até ter suas contas na Suíça reveladas por Júlio Camargo, delator da operação Lava Jato. Depois de mentir aos colegas na CPI da Petrobras afirmando não possuir contas no exterior, Cunha acabou cassado no final de um processo no Conselho de Ética da Casa.
“Ele foi uma peça muito importante do PMDB na Câmara. Ele se tornou líder no PMDB e se fortaleceu bastante dentro da Câmara, conseguindo benesses e vantagens para muitos deputados. Por isso ele conseguiu se eleger [presidente da Câmara] em 2015 no primeiro turno”, lembra Fleischer.
Cunha era um dos principais arrecadadores informais de doações para campanhas do PMDB. O ex-deputado teria atuado, inclusive, na campanha de 2014, ajudando na arrecadação para a campanha do então candidato à vice presidente Michel Temer.
O ex-deputado, inclusive, fez questão de “lembrar” o presidente de seu potencial destrutivo. No processo em que respondia em Curitiba sobre recebimento de propina por contratos da Petrobras, Eduardo Cunha intimou Temer como testemunha de defesa e fez uma lista de perguntas a serem respondidas pelo presidente. Metade das perguntas foram vetadas por Moro por não terem ligação com o processo, mas o ex-presidente da Câmara mandava seu recado.
Entre as perguntas, Cunha dava a entender que Michel Temer não só tinha conhecimento do esquema dentro da Petrobras, como participou de reuniões e tinha contato com ex-diretores que hoje são acusados de corrupção. “Vossa Excelência recebeu Jorge Zelada (ex-diretor da área internacional da Petrobras) alguma vez na sua residência em São Paulo, situada à Rua Bennett, 377?”, perguntou Cunha.
O ex-deputado também perguntou se Temer teria participado de alguma reunião com fornecedores da área internacional da Petrobras que, segundo o Ministério Público Federal, era a diretoria controlada pelo PMDB na estatal. “Houve alguma reunião com fornecedores da área internacional da Petrobras com vistas à doação de campanha para as eleições de 2010, no seu escritório político na Avenida Antonio Batuira, em São Paulo, juntamente com João Augusto Henriques”, perguntou Cunha.
Os advogados de Cunha também perguntaram ainda se José Yunes recebeu alguma contribuição de campanha para Temer ou para o PMDB e se, caso tenha recebido, foi de “forma oficial ou não declarada”. Yunes era assessor especial de Temer e é seu amigo pessoal há pelo menos 40 anos. Yunes acabou confessando que serviu de “mula” ao receber um envelope para o ministro Eliseu Padilha e pediu demissão.
Cunha também havia perguntado se Temer conhece o operador João Henriques, apontado pelos investigadores da Lava Jato como operador de propinas do PMDB.
Durante o interrogatório na Justiça Federal, Cunha colocou o presidente Temer em uma reunião sobre cargos do PMDB na Petrobras. O ex-deputado disse a Moro que Temer participou de reunião com a bancada do PMDB em 2007 para discutir as indicações do partido para diretorias da Petrobras.
Cunha também já acusou o ministro Moreira Franco de estar por trás de irregularidades na operação para financiar obras do Porto Maravilha, no Rio. A obra foi financiada com verbas do Fundo de Investimentos do FGTS (FI-FGTS).
Rio de Janeiro
Não é só em Brasília que uma possível delação de Cunha poderia causar aflição. O ex-deputado, eleito pelo Rio de Janeiro, poderia contribuir também com investigações da Lava Jato fluminense. “Ele pode ter alguma coisa a dizer sobre o [Jorge] Picciani [presidente da Assembleia], do [governador Luiz Fernando] Pezão, do [ex-governador Sergio] Cabral”, diz Fleischer.
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