Depois de cinco anos, o programa Inovar Auto chega ao fim em 31 de dezembro. Até segunda ordem, isso significa que a partir de 2018 o governo deixará de cobrar um imposto adicional de 30% sobre os veículos importados por montadoras que não têm fábrica no Brasil. Mas não quer dizer que o país receberá uma avalanche de automóveis produzidos no exterior, como aconteceu até o início da década, nem que os preços vão cair. Os tempos, dizem especialistas da área, são outros.
Em 2011, no auge da “invasão estrangeira”, um de cada quatro automóveis vendidos no país era importado. Hoje, depois de encolher por anos a fio sob o impacto da recessão e da sobrecarga de impostos, a fatia dos estrangeiros no mercado nacional é de 11%, a menor em uma década.
Esse porcentual deve subir em 2018, mas não voltará – pelo menos no curto e médio prazo – aos patamares recordes. “Não vemos viabilidade para isso, pelo menos num período de cinco a dez anos”, diz o economista João Morais, da Tendências Consultoria.
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A empresa estima que as vendas de importados cresçam 41% no ano que vem, estimuladas pelo fim da sobretaxação e pela retomada do mercado interno. Um crescimento forte, mas sobre uma base muito fraca: nos nove primeiros meses deste ano, as vendas de importados somaram 175 mil unidades, o menor nível desde 2007, 71% abaixo do recorde de 2011.
Como todo o mercado tende a crescer bastante em 2018, a participação dos estrangeiros não deve avançar muito, calcula a Tendências. “Prevemos que o ‘share’ dos importados termine 2017 em 9,5% e suba para 11,5% no ano que vem. Mas depois deve se acomodar nesse nível, ficando entre 11% e 12% num horizonte de cinco anos”, explica Morais.
Dois mundos muito diferentes
O fim da sobretaxa evidentemente anima as montadoras. Mas não é suficiente para estimular uma nova “invasão estrangeira”, porque a recessão transformou o mercado brasileiro.
“Os mundos do pré e do pós-Inovar Auto são mundos muito diferentes”, diz Orlando Merluzzi, presidente da consultoria MA8. “Em 2012, o mercado brasileiro era de 3,6 milhões de veículos por ano. O desemprego era baixo. Financiamento tinha à vontade. E o dólar estava perto de R$ 2. Hoje o mercado é de 2,1 milhões de carros. O desemprego está alto. O juro está caindo, mas os bancos dificultam o crédito. E o dólar está acima de R$ 3,20”, compara.
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Morais, da Tendências, cita outra diferença: os carros brasileiros ficaram melhores. “Antes do Inovar Auto, os líderes do mercado eram carros de entrada, muito simples. Os itens adicionais encareciam muito o preço final. E muitos consumidores preferiam ficar com um importado, mesmo pagando um pouco a mais”, conta. “De lá para cá, com a onda de investimentos das montadoras, a diferença entre o nacional e o importado diminuiu muito. Os líderes do mercado já não são os carros ‘basicões’, e a competição cresceu muito. Isso limita um pouco o avanço dos importados.”
Raphael Galante, da consultoria Oikonomia, lembra que o Inovar Auto permitia a cada empresa importar até 4,8 mil veículos por ano sem a aplicação do adicional de 30 pontos porcentuais de IPI. As importações, portanto, devem crescer à medida que a demanda for superando essa quantia. “O mercado não vai mudar tanto, pelo menos não no primeiro semestre de 2018. Talvez no segundo”, avalia.
Mais do mesmo
Merluzzi, da MA8, prevê que a queda do imposto adicional vai atrair uma série de modelos de marcas que já têm uma rede de distribuição no Brasil. Mas não espera uma “inundação de desconhecidos”.
A Kia, por exemplo, anunciou investimentos de R$ 165 milhões na reestruturação de sua operação brasileira. A marca sul-coreana já nomeou dez revendedores que começam a trabalhar em janeiro de 2018, e outras 15 concessionárias estão em fase de prospecção ou negociação.
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Não se vê anúncio semelhante vindo de companhias novatas no país. “Chegar aqui, montar uma rede de concessionárias do zero, enfrentar sindicatos, uma legislação trabalhista completamente diferente, num cenário de corrupção e instabilidade política... O pessoal lá fora já aprendeu que o Brasil não é para principiantes. Não existe o mesmo ânimo de antes”, avalia o presidente da MA8.
Preço não cai
Assim como o mercado brasileiro não deve sofrer uma inundação de importados, o fim do imposto adicional também não deve mexer com os preços, segundo especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo.
Muitas companhias que importavam veículos acima da cota de 4,8 mil unidades anuais absorviam parte do IPI extra, sem repassá-lo ao consumidor, para não ficar muito para trás na competição. Agora elas tendem a manter o preço para recuperar a rentabilidade.
“O fim dos 30 pontos extras de IPI vai ajudar o setor a respirar de novo, a ter algum equilíbrio, resgatando parte da rentabilidade. O preço do importado não vai cair 30 pontos, de forma alguma”, diz Merluzzi.
Subsídio disfarçado do Inovar Auto foi condenado pela OMC
Aceitando os argumentos do Japão e da Europa, a Organização Mundial do Comércio (OMC) condenou as práticas do Inovar Auto no fim de 2016, na maior derrota já sofrida pelo Brasil no organismo internacional. O informe final sobre o caso, no entanto, foi publicado apenas em agosto deste ano, dando mais tempo para o país recorrer, e exigindo mais prazo para a OMC avaliar o recurso. Com isso, o governo poderá manter os incentivos à produção nacional e a sobretaxação dos importados até o fim da vigência do programa, em 31 de dezembro.
Para a organização, o Inovar Auto tem pontos “inconsistentes” com as regras internacionais e “ilegais” do ponto de vista de acordos assinados pelo país, afetando de forma injusta as companhias estrangeiras. A exigência de que as montadoras produzissem aqui para ter acesso aos incentivos fiscais do programa foi considerada uma espécie de subsídio disfarçado, o que contraria as regras da entidade. Quem não conseguia cumprir as regras pagava um adicional de 30 pontos porcentuais de IPI, além do Imposto de Importação de 35%.
Para substituir o Inovar Auto, o governo elabora um novo regime automotivo batizado de Rota 2030, com foco na eficiência energética e na segurança dos automóveis. Para analistas, a condenação pela OMC deve desestimular a imposição de novas medidas protecionistas.
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