Em um cenário marcado pela pulverização de pré-candidaturas de centro, os presidenciáveis que se intitulam liberais se aproximam dos eleitores evangélicos para tentar alavancar suas pré-campanhas. Só neste ano, a agenda do ex-ministro Henrique Meirelles, pré-candidato do MDB, registra quatro compromissos públicos com líderes de igrejas. O mais recente deles, no começo deste mês em São Paulo, foi durante convenção da Assembleia de Deus. Outro postulante ao Planalto, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, espera ter apoio de deputados evangélicos de seu partido, o DEM.
“Eles (os fiéis evangélicos) têm demonstrado aceitação bastante grande em torno das políticas de austeridade fiscal, de equilíbrio das contas públicas”, disse Meirelles ao Estado, citando o que deve ser a principal tônica do seu discurso eleitoral.
Segundo o Ibope, os evangélicos representam 27% do eleitorado brasileiro, ou cerca de 39,5 milhões de pessoas. Pode parecer pouco se comparado aos 80 milhões que se declaram católicos (outros 24,5 milhões de eleitores são adeptos de outras religiões ou ateus), mas a cientista social Maria das Dores Machado, coordenadora do Núcleo de Religião, Gênero, Ação Social e Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), acredita que o apoio de líderes religiosos pode ser fundamental no momento de decisão do voto.
De acordo com ela, quando um político é apresentado na igreja, ele pode ser visto de maneira mais positiva pelos fiéis. “Muitas pessoas vão conhecer o candidato naquele espaço, que não é como na TV, no comício ou na rua. Cria uma empatia maior a partir dessa apresentação”, afirmou a cientista social. “Essa oportunidade que ele consegue através do pastor, de se apresentar como alguém idôneo, que vai resolver os problemas, é muito importante.”
É nisso que os pré-candidatos “liberais” apostam, todos eles estacionados em 1% das intenções de voto em pesquisa divulgada neste mês pelo Datafolha - número que os mantêm longe do Planalto.
O empresário Flávio Rocha, presidenciável pelo PRB, é o que mais tem identificação com o meio evangélico. Fiel da Sara Nossa Terra, ele tem o bispo Robson Rodovalho, presidente da Confederação dos Conselhos de Pastores do Brasil, e o pastor Marcos Pereira, presidente do PRB e um dos principais líderes da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), na coordenação de sua pré-campanha.
“O evangélico é mais de um terço da população e não pode ser misturado com a vala comum do eleitorado. Ele é mais cioso dessa inversão de valores”, disse Rocha, para quem existe um movimento “gramsciano” (referência ao filósofo marxista italiano Antonio Gramsci, morto em 1937) criado para, segundo ele, erodir os valores da sociedade.
Rodrigo Maia escolheu outro caminho. Ele tem procurado contato com o segmento por meio de deputados evangélicos do DEM, principalmente do Rio e de São Paulo. Em 2016, enfrentou resistência de setores da bancada religiosa em sua campanha pela presidência da Câmara por ter feito o requerimento de urgência na votação do projeto de lei que criminaliza a homofobia, mas acabou recebendo o apoio de líderes influentes como R. R. Soares, Valdomiro Santiago e Silas Malafaia. Já em 2017 permitiu a criação de uma comissão especial na Câmara que quer proibir o aborto em casos de estupro.
O contraponto é o empresário João Amoêdo, pré-candidato do Novo, que também reza pela cartilha liberal. Ele tem apenas 1% nas pesquisas, mas evita atrelar sua pré-campanha ao voto religioso. Ele disse preferir fazer eventos abertos ou com outros presidenciáveis, sem privilegiar um determinado setor. “Prefiro conversar sem públicos específicos. Quando você se compromete a dar privilégio a algum setor, alguém vai ter que pagar essa conta e normalmente quem paga é o cidadão.”
Bancada. Pesquisador da Unicamp, o antropólogo Ronaldo de Almeida mapeou os deputados evangélicos eleitos em 2014. Segundo ele, havia 72 adeptos da religião, o que representa 14% dos 513 deputados. O levantamento, realizado em 2015, indica que 25 pertencem à Assembleia de Deus, 11 à Igreja Universal do Reino de Deus, sete à Igreja Batista, cinco à Presbiteriana, quatro ao Evangelho Quadrangular e outros quatro à Igreja Mundial do Reino de Deus. Os 16 restantes estavam espalhados em outras denominações evangélicas. Segundo ele, o processo deve continuar ocorrendo. “A relação entre igrejas e partidos está cada vez mais profissionalizada. Tudo indica que teremos um cenário de manutenção ou até aumento nas eleições de 2018”, afirma.
De acordo com a cientista social da UFRJ, a proporção de evangélicos na população tem crescido ao longo dos anos na América Latina. Segundo o IBGE, o número avançou de 8% da população brasileira em 1991 para 22% em 2010. Segundo Maria das Dores, o fenômeno não é só brasileiro e o papel desse público nas eleições será cada vez mais decisivo, como ocorreu na Costa Rica em abril, quando um pastor evangélico chegou ao segundo turno das eleições presidenciais e quase venceu.
Pré-campanha de Bolsonaro se volta para o segmento
Na quinta-feira passada, 26, Bolsonaro participou de dois encontros com evangélicos em Brasília e hoje, 29, tem presença confirmada no encerramento do 36.º Congresso Internacional de Missões dos Gideões da Última Hora, em Camboriú, em Santa Catarina.
O convite foi feito em seu gabinete, na Câmara, durante visita de pastores missionários do grupo, formado por diferentes denominações pentecostais. O deputado deve participar do encerramento ao lado da mulher, Michelle, fiel da Igreja Batista Atitude, no Rio, que o estimula a participar dos cultos. O deputado quer prestigiar o segmento, com o qual diz manter interlocução. “Gozo da simpatia deles”, disse ele ao Estado, na quinta-feira passada.
Bolsonaro é católico de formação. Na Câmara, adota discurso conservador e é defensor de bandeiras simpáticas aos evangélicos como a proibição do casamento entre pessoas do mesmo sexo, a legalização do aborto e a descriminalização de drogas. O deputado também se diz a favor “da família e dos costumes” ao mesmo tempo em que afirma que todo cidadão deveria andar armado.
Batismo
Um marco da guinada de Bolsonaro ocorreu em maio de 2016. Enquanto o Senado votava o afastamento da então presidente Dilma Rousseff, o deputado viajou a Israel com os filhos parlamentares e passou por batismo no Rio Jordão. A cerimônia foi conduzida pelo pastor Everaldo, do PSC, então partido de Bolsonaro. Candidato a presidente em 2014, Everaldo controla a Assembleia de Deus Ministério Madureira, no Rio.
Depois da cerimônia em Israel, o deputado passou a se apresentar como “cristão” e destacar valores “judaico-cristãos”. Também adotou um bordão, com o qual costuma encerrar seus discursos e vídeos distribuídos em redes sociais - onde tem 5,385 milhões de seguidores: “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos”. Ele também ampliou o trânsito com autoridades israelenses, que aumentaram a interlocução com os evangélicos, e tem se posicionado favoravelmente a Israel em questões de política internacional.
Bolsonaro recebe apoio de nomes influentes como o pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, e o pastor e senador Magno Malta (PR-ES), um dos líderes da frente religiosa no Congresso. Malafaia celebrou seu casamento com a atual mulher. Malta foi cortejado pelo pré-candidato para ser vice em sua chapa.
Em visita a Roraima, no início do mês, Bolsonaro lançou como pré-candidato ao Senado por seu partido o pastor da Assembleia de Deus Isamar Ramalho. No discurso para uma plateia de fiéis, o pastor comparou Bolsonaro a personagens bíblicos e afirmou, apontando para o deputado, que “Deus tem uma pessoa certa para cada templo, e este é o homem para este”. Já Bolsonaro afirmou que “Deus não dá nenhuma cruz que não possa carregar”.
Na quinta-feira, Bolsonaro conversou reservadamente com o pastor Cláudio Duarte. Influente nas redes sociais, ele indicou apoio a Bolsonaro. “No que você precisar eu tenho aí um movimento na minha rede social”, disse. Antes do bate-papo, o deputado assistiu da primeira fila à palestra do pastor a um auditório lotado de mulheres na região central de Brasília.
Sua passagem foi discreta e ele se mostrou tímido diante do pastor - postura que o pré-candidato ao Planalto pretende manter nos encontros religiosos, bem diferente da que adota em discursos e nas redes sociais.
Até agora, 22 partidos têm pré-candidatos a presidente. Podcast Eleições apresenta a lista de concorrentes ao Planalto, discute quem tem alguma chance de vencer a eleição e analisa seus pontos fortes e fracos.
Publicado por República em Domingo, 29 de abril de 2018
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