O Complexo Médico Penal (CMP) de Pinhais, na região metropolitana de Curitiba, é a penitenciária mais heterogênea do Paraná. Dividem o mesmo espaço de cerca de 8 mil metros quadrados os presos da Operação Lava Jato e escândalos estaduais (Quadro Negro, Diários Secretos), policiais militares e civis já condenados, cerca de 300 homens que respondem a medidas de segurança em função de distúrbios mentais, cadeirantes, idosos, comuns (em sua maioria muito pobres) e mulheres grávidas, sob ordens do diretor Jefferson Walkiu, personagem principal do filme “A Gente”, do cineasta curitibano Aly Muritiba, e pastor.
Há presos de todo o estado por causa do Hospital Penitenciário (HP), que fica no mesmo complexo, mas do outro lado da rua. O imóvel passa por uma reforma nas enfermarias e salas de atendimento desde o ano passado, com custo total de R$ 471 mil, oriundos do Fundo Penitenciário. Havia previsão de entrega para dezembro, mas a necessidade de um aditivo travou o andamento da adequação. As obras ainda estão paralisadas. O HP é único hospital destinado ao atendimento dos cerca de 33 mil encarcerados do Paraná.
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O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pode ingressar na unidade, mas deve cumprir pena inicialmente na Superintendência da Polícia Federal do Paraná. No caso de transferência, ele ficará na 6ª galeria, no mesmo corredor dos ex-companheiros André Vargas e João Vaccari Neto, e de Eduardo Cunha e Sérgio Cabral.
A galeria dos presos da Lava Jato tem como diferencial a limpeza e a organização, fruto do trabalho dos próprios internos. Eles também passam a maior parte do dia soltos no corredor, possibilidade vedada aos demais. As portas são abertas depois do café da manhã (7h) e fechadas para o jantar (17h). Durante o dia, eles caminham, se exercitam, leem, discutem os processos, conversam com os advogados e assistem televisão. Às sextas-feiras recebem as visitas dos familiares, das 13h30 às 16h30.
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Nenhum dos 730 presos tem direito a visita íntima, como nas outras unidades do sistema penitenciário. O CMP tem 659 vagas e está levemente superlotado.
As celas dos presos da 6ª têm cerca de 12 metros quadrados e podem abrigar até três pessoas. Os políticos e operadores do esquema desnudado na Lava Jato se dividem em dois ou um do 601 ao 610, do lado direito da galeria. As camas são de alvenaria com um colchão de densidade 28. Há ainda um tanque e uma bacia turca (apelidada de boi) nas celas. Os banhos são coletivos.
As famílias podem levar um kit com comida, produtos de higiene e vestuário a cada 15 dias. As chamadas sacolas ajudam a complementar a alimentação oferecida pelo sistema penitenciário, que é alvo de reclamação perene por parte dos presos. O único que elogiava era o ex-ministro José Dirceu, que aguarda o julgamento de um recurso na segunda instância (TRF-4) em liberdade. Nas visitas, os familiares ainda podem levar frutas, bolo, suco e comida cozida.
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Neste ano, as famílias e a unidade entraram em rota de conflito. Em janeiro, um grupo de mulheres dos presos, inclusive da Lava Jato, encaminhou para a direção do CMP uma carta com reclamações sobre as condições sanitárias da sala de revista íntima, dos banheiros e dos pátios de visita. “O mínimo que se espera de um Complexo Médico é que o ambiente seja salubre, limpo, higiênico, principalmente nos lugares que são frequentados pelo público em geral”, afirma o texto. Depois da reprimenda, a direção aclimatou os espaços.
As mães e mulheres também reclamam da revista íntima. A mulher de um preso da Lava Jato que não quer ser identificada afirma que já presenciou familiares de presos comuns desistirem da visita em função da “humilhação”. “É uma situação deprimente”, afirma. A revista íntima é vedada pela Resolução 5/2014 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) e por lei federal, mas ainda é utilizada no Paraná.
Para resolver a situação, o estado chegou a locar 20 scanners corporais da empresa mineira VMI Security ao custo de R$ 10,9 milhões por dois anos (cada um custa R$ 22,8 mil por mês), mas a instalação foi embargada pelo Tribunal de Contas da União (TCU). As peças da máquina já estão nos corredores do CMP, próximas à sala da direção.
Prisão tem formato de arma de fogo
Alguns pesquisadores e agentes penitenciários dizem que o CMP parece uma arma visto de cima. O bloco da 6ª galeria é o cano de tiro. Ali ao lado estão as galerias 1 e 2 e em cima a 3 e a 4. Em 2015, época da transferência dos presos da Lava Jato da Superintendência da Polícia Federal para o CMP, eles dividiam o corredor com os policiais, mas por questões de segurança os ex-oficiais foram transferidos para a 5ª galeria. Atualmente, os presos das operações especiais ficam com os mais idosos do sistema penitenciário do Paraná.
O bloco onde fica a 5ª e a 6ª é o primeiro do lado esquerdo de quem entra no portão do CMP, logo após a portaria. Há apenas uma grade metálica separando a parede das celas e do pátio de sol do estacionamento da unidade. Policiais militares usam duas guaritas na entrada para vigília, mas eles reclamam da falta de manutenção das estruturas. As demais guaritas do complexo também estão em “situação calamitosa”, nas palavras de um oficial.
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As galerias 1 e 2 são as mais desestruturadas da região metropolitana de Curitiba. As celas comportam os presos que respondem a alguma medida de segurança e têm ares de manicômio. São escuras, úmidas e algumas não têm piso. Há oito camas de concreto perfiladas no chão em cada espaço. Os presos gritam, tremem, andam descalços, urinam em si próprios. A maioria não têm amparo das famílias.
Na mesma região há ainda quatro isolamentos para presos que não têm convívio ou excederam o comportamento, e uma sala onde alguns cortam cabelo e costuram peças de roupa.
O que alivia a impressão de esquecimento é o trabalho desenvolvido pelas pedagogas do CMP. No corredor de entrada, uma professora desenvolve atividades de artes há mais de dez anos com os presos que passam por tratamento psiquiátrico. Alguns quadros chegaram a ser arrematados por juízes e já circularam em museus paranaense como o Oscar Niemeyer, no Centro Cívico. Os presos fazem esculturas, pinturas e têm aula de violão.
Nesse mesmo corredor de entrada ficam as salas de aula, a biblioteca (outrora comandada pelo ex-ministro José Dirceu), um espaço com computadores, as áreas de segurança e monitoramento das câmeras e uma pequena enfermaria.
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As galerias 3 e 4 são espelhos da 1 e 2, no segundo piso, mas elas são um pouco mais estruturadas. Atualmente, abrigam os internos doentes, inclusive tuberculosos, e presos que vêm e vão em função de exame ou tratamento médico. Em março, dois foram mortos num intervalo de dois dias. Eles tinham 20 e 53 anos e respondiam por crimes sexuais. O mais novo ainda tinha uma medida de segurança. Ele chegou na unidade no dia 8 de março vindo de São João do Ivaí, no interior do Paraná, e não passou pela triagem (isolamento) imposta aos presos da Lava Jato.
A galeria das mulheres fica geograficamente oposta à 6ª galeria, nos fundos do prédio. Ela abriga aquelas que respondem por alguma medida de segurança e grávidas, que chegam das comarcas do interior ou da Penitenciária Feminina do Paraná na reta final da gravidez ou no começo em caso de gestação de risco. As mulheres passam por cuidados médicos especiais antes do parto, que ocorre no Hospital Angelina Caron.
Na última cela do corredor, do lado direito, “mora” uma presa que está na unidade “há duzentos anos”, segundo um agente penitenciário. Ela anda em círculos na cela e gosta de ter as coisas bem arrumadas.
O CMP ainda tem um espaço destinado a atividades religiosas e uma lavanderia. Ao lado do Hospital Penitenciário há um módulo da Polícia Militar.
O dia a dia é tocado por apenas 110 agentes penitenciários divididos em três plantões. Há escalas com apenas 13 durante o dia e 6 à noite dentro dos corredores. Segundo o Sindicato dos Agentes Penitenciários do Paraná (Sindarspen), há defasagem no quadro funcional. O CNPCP recomenda 5 agentes por preso. A conta do CMP pode ser de um agente para 18 presos em determinados momentos do dia.
Uma prisão sem muralhas
O CMP se diferencia das demais unidades do regime fechado por conta da ausência de muralhas. Nos fundos do prédio há uma Casa Verde onde moram os presos que já cumpriram medida de segurança na unidade e não têm mais contato com familiares. Eles saíram das galerias 1 e 2 e passaram a morar do lado de fora. Durante o dia, ajudam a cuidar do jardim, arrumar uma ou outra coisa. E também plantam verduras. Não há separação dali para o terreno vizinho.
O complexo fica a poucos metros da Represa do Iraí, que abastece a Grande Curitiba de água. E também divide terreno com o Hospital Adauto Botelho, unidade psiquiátrica que pertence ao governo do estado, e a Fazenda Experimental Caguiri, utilizada pelos cursos de Agronomia, Engenharia Florestal, Engenharia Industrial Madeireira, Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
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