A desilusão da população com os políticos tradicionais aumenta a viabilidade eleitoral de pessoas que encarnam no imaginário coletivo o “xerifão” do combate ao crime, sobretudo a corrupção. Pesquisas indicam que juízes, promotores, procuradores e delegados envolvidos em ações desse tipo têm boas chances nas eleições de 2018 se decidirem se candidatar.
Mas a realidade costuma ser mais dura do que uma disputa eleitoral. E nem sempre os “xerifões” atendem às expectativas quando conseguem se eleger. Além disso, não são raros os casos em que eles próprios se veem envolvidos em denúncias de irregularidades ou em casos rumorosos que desgasta sua imagem.
Disposição de voto
Pesquisas vêm sondando a disposição do brasileiro em votar em autoridades identificadas com o combate ao crime e à corrupção. E os resultados são animadores para quem passa à opinião pública essa imagem.
Em abril, o Datafolha colocou o juiz Sergio Moro na lista de presidenciáveis. Ele ficou em quarto lugar, com 9% das intenções de voto, tecnicamente empatado na segunda posição com Marina Silva (11%) e Jair Bolsonaro (11%). Lula ficou na primeira posição, com 29%. Num eventual segundo turno entre o ex-presidente e o magistrado, o placar seria de 42% a 40% a favor de Moro.
O ex-ministro Joaquim Barbosa, que se notabilizou como relator do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF), também tem potencial eleitoral. O Instituto Paraná Pesquisas incluiu o ex-ministro numa sondagem presidencial divulgada no mês passado. Joaquim Barbosa teve 8,1% das intenções de voto – ficando em quinto lugar, atrás de Lula (25,4%), Bolsonaro (16,8%) e Marina (10,4%).
Conhecimento e partidos
Diretor do Instituto Paraná Pesquisas, Murilo Hidalgo avalia que candidatos que encarnam a imagem do “xerifão” que vai “salvar” o país têm mais viabilidade eleitoral do que outros perfis de personalidades de fora da política tradicional. Isso porque eles já contam grande conhecimento do funcionamento do Estado por serem servidores públicos – veja quais são os outros perfis.
Isso conta muito no decorrer de uma campanha eleitoral para cargos como presidente e governador, pois passam ao eleitor a imagem de que sabem do que estão falando, quando os concorrentes os confrontam com questionamentos sobre gestão pública. Outros concorrentes costumam tropeçar nessas situações, quando começam a perder votos.
O cientista político Alberto Carlos Almeida, sócio do Instituto Análise e autor dos livros A Cabeça do Eleitor e A Cabeça do Brasileiro, vê um grande entrave para que alguém com o perfil do “xerifão” consiga se viabilizar eleitoralmente, ao menos numa disputa como a de presidente. “Qual grande partido vai lançar alguém que irá combater os políticos se for eleito?” Almeida afirma que legendas estruturadas são fundamentais para o sucesso nesse tipo de disputa.
Candidatura exige demissão
Juízes, procuradores e promotores que queiram disputar eleições têm de pedir exoneração de seus cargos. Ou seja, não podem voltar à carreira na Justiça ou no MP caso percam a eleição ou após cumprirem o mandato eletivo. A proibição estava implícita na Constituição de 1988, mas foi expressamente fixada pela Emenda Constitucional 45/2004. O argumento é que essas funções são incompatíveis com a atuação político-partidária. A emenda também é usada para questionar a indicação de magistrados e integrantes do MP para cargos no Executivo. Aqueles que ingressaram no serviço público antes da Constituição de 1988, porém, estão autorizados a se licenciar de seus cargos para ocupar outras funções públicas. A exigência constitucional de pedir demissão do serviço público não atinge policiais federais.
Passar pela eleição é só o primeiro desafio
A disputa eleitoral nem mesmo é o maior desafio para os “xerifões” que se aventuram pela política. Não são poucos os casos de “homens da lei” que, após eleitos, encontram dificuldades para tocar suas ideias. Há ainda aqueles que se envolvem em suspeitas de irregularidades ou polêmicas.
Talvez o caso mais emblemático do “caçador” de corruptos que tenha ficado impotente diante do sistema político não seja nem mesmo do Brasil. Mas da Itália. O ex-promotor Antonio Di Pietro foi o principal personagem da força-tarefa da Operação Mãos Limpas, que inspira a Lava Jato. A investigação italiana desvendou um enorme esquema de corrupção na primeira metade da década de 1990.
Após os políticos italianos conseguirem barrar a operação, Di Pietro fundou um partido e se elegeu deputado e senador. Também foi ministro. Isso não impediu que a Itália de hoje seja considerada tão corrupta quanto antes das Mãos Limpas. Além disso, Di Pietro sofreu uma acusação de enriquecimento ilícito em 2012. Ele processou o veículo de comunicação que divulgou a notícia e ganhou. Mas sua carreira política acabou.
Leia entrevista de Di Pietro à Gazeta do Povo
No Brasil
No Brasil, casos de ferrenhos combatentes anticorrupção acusados de irregularidades são relativamente frequentes. O ex-senador Demóstenes Torres, procurador de Justiça de Goiás, era um crítico feroz de políticos envolvidos em irregularidades. Também relatou a Lei da Ficha Limpa. E propôs tornar a corrupção crime hediondo. Mas caiu em desgraça quando foram reveladas suas ligações com o bicheiro Carlinhos Cachoeira. Foi acusado de usar o cargo para beneficiar o contraventor e de ter recebido R$ 1 milhão dele. Acabou sendo cassado pelos colegas de Senado em 2012.
O atual governador do Mato Grosso, Pedro Taques (PSDB), é outro ex-procurador que teve sucesso eleitoral, mas que agora enfrenta dificuldades no Executivo. No Ministério Público Federal (MPF), Taques teve atuação de destaque na investigação que descobriu um esquema bilionário de desvios de recursos da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam). Também teve participação na prisão do maior bicheiro do Mato Grosso, João Arcanjo Ribeiro.
Essa atuação o fez se eleger senador e, depois, governador matogrossense. Agora, além de dificuldades para gerenciar um estado em meio ao aperto de contas, Taques é alvo de denúncia por supostamente ter montado um esquema de corrupção na Secretaria de Educação para quitar dívidas de campanha. Ele nega.
Em São Paulo, o procurador Fernando Capez (PSDB) investigou a máfia do lixo na prefeitura paulistana e se destacou no combate à violência das torcidas organizadas. A fama o levou a ser eleito deputado estadual. E hoje ele é presidente da Assembleia Legislativa. Mas foi acusado de participar de um esquema de fraude na merenda escolar. Ele nega estar envolvido.
O ex-delegado da Polícia Federal (PF) Protógenes Queiroz se elegeu deputado federal após ter participado de uma série de investigações que causaram grande repercussão na imprensa: Satiagraha (que investigou o banqueiro Daniel Dantas e o ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta), Monte Carlo (que investigou as ligações de Carlinhos Cachoeira com o poder público), o caso MSI/Corinthians (evasão e lavagem de dinheiro), fraudes na arbitragem do Campeonato Brasileiro de 2005, entre outras.
Mas Protógenes foi alvo de uma série de acusações de abuso de autoridade envolvendo sua conduta como delegado. Acabou condenado pelo STF por vazar informações sigilosas da Satiagraha. Perdeu o mandato e foi demitido da PF. E fugiu para a Suíça, onde se exilou.
Indicações políticas
Há ainda casos de autoridades da Polícia Federal e do Ministério Público que, após se destacarem no combate ao crime, chegam a cargos no Executivo por indicação de governantes eleitos. É uma situação relativamente comum que delegados da PF e promotores ou procuradores ocupem o cargo de secretário estadual de Segurança. E o sucesso de sua ação contra a criminalidade nem sempre se transpõe para a gestão da área.
Delegado da PF que prendeu o megatraficante colombiano Juan Carlos Ramírez Abadía, em 2007, Fernando Francischini se elegeu deputado federal pelo Paraná. Licenciou-se para assumir a Secretaria da Segurança do Paraná em dezembro de 2014.
Mal conseguiu colocar em andamento algum projeto administrativo. Ficou pouco tempo no cargo, até maio de 2015. Poucos dias antes, em 29 de abril, ação da Polícia Militar para reprimir manifestação de servidores públicos terminou com cerca de 200 feridos – no episódio que ficou conhecido como batalha ou massacre do Centro Cívico. Os funcionários estaduais protestavam contra o governo Beto Richa. Francischini era o superior imediato do comando da PM e o caso o desgastou. Ele deixou a secretaria e teve de voltar para Brasília.
O Paraná também teve um promotor que ficou sete anos (de 2003 a 2010) no cargo de secretário de Segurança: Luiz Fernando Delazari. Como membro do MP estadual, destacou-se no combate ao jogo ilegal, especialmente os bingos.
Na secretaria, porém, apesar de ter tido tempo para tocar seus projetos, não conseguiu reverter a sensação de insegurança dos paranaenses. Em 2005, por exemplo, o Paraná tinha um índice de assassinatos de 29 por 100 mil habitantes. Em 2010, último ano da gestão Delazari, a taxa foi de 34,6. Os dados são do Atlas da Violência 2017, do Ipea e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
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