Por Vitor Augusto Meira França, publicado pelo Instituto Liberal
“Uma vez criada a entidade burocrática, ela, como a matéria de Lavoisier, jamais se destrói, apenas se transforma”
“A mágica agora é o denuncismo do ‘pega corrupto’. Esquecemos as razões profundas da corrupção, a falência múltipla do Estado, obsoleto, corporativo, ocupado por interesses espúrios, cuja ineficiência tem por maiores vítimas, os pobres e indefesos” – Roberto Campos
Em 02/05, a Folha de São Paulo publicou o artigo “O semeador”, assinado pelo presidente do Conselho Regional de Economia de São Paulo (Corecon-SP) e da Ordem dos Economistas do Brasil (OEB), Manuel Enriquez Garcia – em conjunto com o Dr. Henrique Nelson Calandra, membro do Conselho Jurídico da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) – e que exalta a trajetória de Fábio de Salles Meirelles, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo (Faesp) e acusado, em matéria da mesma Folha (“Entidade patronal da agricultura de SP favorece presidente e filhos”), de utilizar a entidade para favorecimento pessoal e dos filhos.
Mais do que um simples ato de generosidade para com o amigo Fábio Meirelles, o artigo do presidente da OEB faz uma entusiasmada defesa do papel da Faesp e de seu presidente – apresentado como “maestro do abastecimento e da segurança alimentar da família brasileira” – no desenvolvimento do setor agropecuário nacional.
Todavia, apesar da resistência das corporações, posicionamentos contrários aos privilégios concedidos a determinados setores da sociedade brasileira vêm ganhando força e é provável, inclusive, que as contribuições que financiam entidades como a Faesp e a Fiesp, hoje compulsórias, tornem-se facultativas com a aprovação da reforma trabalhista. A própria Folha defendeu em editorial de 08/05 (“À sombra do Leviatã”) que “se extinga o imposto sindical a sustentar entidades de trabalhadores e empregadores” e que “o financiamento do Sistema S não deveria depender de tributos, e sim de contribuições voluntárias”.
Um tema, contudo, ainda está de fora das propostas de modernização do mercado de trabalho brasileiro: a obrigatoriedade do registro profissional e do pagamento de anuidade aos respectivos conselhos profissionais. A profissão de economista, por exemplo, “é regulamentada por Lei e Decreto federais. Assim, para o seu exercício, não basta aprender ou ter habilidade para desempenhar o trabalho. É indispensável que se conquiste o direito de exercê-la através da formação acadêmica e do registro do diploma no […] Conselho Regional de Economia. […] A ausência de registro configura, portanto, o exercício ilegal da profissão, […] contravenção penal prevista em lei”. [Texto extraído do site do Corecon-SP].
Ainda no início de 2014, Manuel Enriquez Garcia reuniu-se com o presidente do Senado, Renan Calheiros, para defender o Projeto de Lei do Senado (PLS) 658/2007, que atualiza a regulamentação da profissão de economista. Com justificativas aparentemente nobres como garantir que “atividades que possam trazer prejuízos ou riscos à sociedade, quando exercitadas por pessoas não qualificadas, sejam regulamentadas”, o principal objetivo do projeto é a defesa de interesses corporativistas, com o fortalecimento do Conselho a partir da extensão da obrigatoriedade do registro profissional e da reserva de mercado para economistas. O PLS 658/2007 está atualmente com a relatoria da Comissão de Assuntos Sociais do Senado, em decisão terminativa.[1]
Sérgio Buarque de Holanda, ao analisar aspectos da colonização em Raízes do Brasil, apresentou a oposição entre o semeador e o ladrilhador para comparar a flexibilidade dos portugueses (“semeadores”) à inflexibilidade dos espanhóis, que teriam a mentalidade de “ladrilhadores”, capazes de adaptar a natureza de acordo com as leis da razão abstrata – tais quais os economistas convencionais. A comparação também foi utilizada posteriormente para analisar como a arte ou o pensamento no Brasil tiveram de adaptar os modelos estrangeiros a um meio hostil, a uma realidade completamente diversa, que exigia uma atitude mais flexível e, muitas vezes, superficial.
Não chega a surpreender, portanto, que a defesa de interesses corporativistas parta do próprio presidente da Ordem dos Economistas, entidade que representa os profissionais formados em uma pretensa ciência que tem como um de seus principais resultados, veja só, a demonstração da capacidade do livre mercado de criar os incentivos corretos para que os recursos escassos sejam alocados de forma eficiente.
Conforme escreveu recentemente Hélio Schwartsman em sua coluna na Folha (“Conspiração contra o público”), “a liberdade como regra geral tende a dar mais opções de vida aos cidadãos e produzir melhores soluções econômicas. É só em algumas poucas situações, normalmente de atividades que requeiram um saber técnico muito preciso cujo desconhecimento coloque a população em perigo físico, que se justifica a regulamentação. Mas estamos aqui falando de casos bem específicos, como medicina, engenharia e talvez direito”.
A economia não é uma ciência exata, a graduação em ciências econômicas não é uma formação técnica e, na minha opinião, quem emprega tem plenas condições de avaliar se o profissional está apto ou não para fazer análises econômicas, seja ele economista ou não, tenha ele ou não registro no Corecon. Não é à toa que administradores, engenheiros, estatísticos, matemáticos e físicos são frequentemente contratados para fazer avaliações financeiras, analisar cenários e elaborar projeções e até médicos já tenham ocupado o Ministério da Fazenda.
Eu defendo, portanto, que ao menos o pagamento da anuidade ao Corecon (obrigação parafiscal de natureza tributária) torne-se voluntário.
E você, leitor, o que acha, deve ser obrigatório o diploma de economista, o registro no Corecon e o pagamento de cerca de 400 reais por ano para o exercício da profissão?
Como julgar, afinal, se a atividade de um economista está ou não trazendo prejuízos ou riscos à sociedade?
Vitor Augusto Meira França – Graduado em ciências econômicas.
Notas:
[1] Aparentemente um dos entraves para a aprovação do texto é a existência de divergências entre o Conselho Federal de Economia (Cofecon) e o Conselho Federal de Administração (CFA).
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