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Por que a pobreza está muito longe de ser uma questão financeira?

Por Sergio de Mello, publicado pelo Instituto Liberal

Ler Theodore Dalrymple não tem nada a ver com descobertas ou desvendamentos do imaginário. Ler o psiquiatra tem tudo a ver com olharmos no espelho e percebermos a criatura quão corruptível podemos ser, e somos. Apesar das terríveis criaturas corruptíveis mostradas, ainda assim sempre teremos a necessidade de lembrança do reflexo. Suas palavras encontram eco em nosso interior corruptível e não corrompido, e só os sensíveis à voz do espírito moral compreendem muito bem o que ele quer dizer, sem mimimi ou preconceitos. Os preconceituosos ficam de fora desse seleto grupo de marginais do senso comum, de um imaginário corrompido. O senso do justo é diferente do ideológico pregado aos quatro cantos desse já quase que totalmente corrompido planeta ocidental. Pois bem.

O art. 3º da Constituição Federal diz que “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional;III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;“. Aí eu pergunto: como assim “erradicar”… “a pobreza”?

Procurei no dicionário e vi que o verbo erradicar tem seus vários significados. O que mais me chamou a atenção foi que erradicar significa eliminar. Sinto muito dizer, mas nesse ponto a nossa Constituição ou nossos constituintes foram mentirosos. Eles mentiram no papel, fazendo-nos crer que as mazelas da pobreza poderiam e podem ser eliminadas da face de nosso terrae brasilis.

Ora, é um mero exercício de lógica e nenhum ser humano pensante (eu disse pensante) é capaz de negar que a pobreza jamais será eliminada. Eles foram mentirosos porque sempre haverá pobreza. Sempre haverá ricos e pobres. Há quem escolhe comer lentilha e quem luta e se satisfaz em comer carne. Isso é da natureza humana e não tem como mudar. Então, o certo seria combater a pobreza e não a erradicar. Isso é impossível.

Nada contra, aliás, tudo a favor, por óbvio, combater a pobreza. Então, que o constituinte redigisse o termo correto no texto constitucional, em vez de dialogar com ideologias de fazer de uma terra tão devastada, como o Brasil, um mar de rosa ou um paraíso de felicidade. A manobra já é velha e conhecida de quem não se deixa enganar: fazer-nos esquecer o céu e o inferno. Incutir no nosso imaginário que existe apenas um céu e ele fica bem pertinho de cada um de nós, aqui na terra.

Diante da evidência de que pobres e ricos nunca deixarão de existir na face da terra, tem-se outra clarividência ainda maior e em conclusão. A de que o Estado de bem-estar social trabalha com mentiras. Quanto a isso só posso, então, lamentar… Ao invés de ele incentivar o indivíduo a lutar com a força de seu próprio braço, instiga a cultura da dependência, dele, do Estado. Claro que hoje a vida econômica das pessoas mudou muito. Antigamente, telefone era para só para rico, carro era só para quem pudesse pagar à vista. Daí vem um outro problema, que é o superendividamento. Mais uma confirmação de que a pobreza está além da conta bancária ou das posses.

E o método de eliminação da pobreza do Estado é ainda mais perverso do que a sua ideologia. Tirar dos ricos para dar aos pobres, como se a riqueza fosse a causa ou o problema da pobreza, como se os ricos fossem os vilões da história, como se a pobreza não fosse um problema por si só, um acessório do principal. Pensando bem, tudo isso é muito estranho mesmo. Distribuir o que é dos ricos para dar aos pobres, para que a sociedade fique totalmente pobre, mais ou menos pobre, e não rica. Diante disso tudo só posso concluir que Estado é um grande nicho político ou ideológico que faz as pessoas dependerem dele até mesmo para sobreviver. Não esqueçamos que primeiro veio o homem e a sociedade, depois o Estado, e não o contrário. Em primeiro lugar está a natureza humana, nossa lei de convivência social que criamos com muito esforço, nossa Lei do Certo e do Errado, em seguida o Estado, essa figura que existe para nos ajudar a vencer nossos problemas pessoais e não ser mais um deles ou incentivar-nos a nunca tentar resolvê-los.

Evidente que cada um deve fazer a sua parte na eliminação (rectius combate) da pobreza. Claro que devemos sempre ser o bom samaritano, aquele que acolheu no deserto um desconhecido sem mesmo saber quem era e se merecia ser ajudado. Isso é dignidade da pessoa humana. Isso é cristianismo. O problema é o método com que isso deve ser empreendido dentro do Estado civilizado. O que gera desconforto é a solução que o Estado se nos apresenta contra esse estado de coisas miseráveis. Não se faz desaparecer a pobreza dizendo para as pessoas que elas são pobres, incutindo no imaginário popular aquilo que elas mais querem ser: coitadas a vitimadas.

E ainda há quem diga que só o pobre vai para o céu. Essa cultura de bem-estar social é mesmo tão enganosa que impede que as pessoas lutem por seus direitos e por uma vida melhor. Disse “direitos e por uma vida melhor” e não “direitos a uma vida melhor.”. Ora, só tem direito a uma vida melhor quem faz por merecer, lutando, trabalhando faça chuva, faça sol, dia após dia, madrugando, acordando cedo. E digo que esses direitos só são exercidos por quem acredita em si mesmos, enxergando o Estado apenas como um ente que está aí para te dar proteção e ajuda nas horas que você mais precisa. Esqueçamos aquele maldito ditado que caiu no gosto popular que diz que “o pouco com Deus é muito”.

Vou para extremos então. Uma prova a mais de que a pobreza não é financeira? Experimentemos dar um milhão de reais para um mendigo, ou até mesmo uma pessoa de classe média, com um certo padrão de vida, e veja o que eles fazem com o dinheiro. Se investirem em si próprios ou em algum investimento com possibilidade de retorno maior estarão curados. Caso contrário, ainda precisarão do Estado de bem-estar social.

Termino com passagem escrita por Theodore Dalrymple, em A vida na sarjeta: o círculo vicioso da miséria moral, Editora É Realizações, 2014, p. 164: “No entanto, nada do que vi – nem a pobreza ou a opressão ostensiva – jamais teve o mesmo efeito devastador na personalidade humana que o Estado de Bem-Estar Social indiscriminado. Nunca vi a perda da dignidade, o egocentrismo, o vazio espiritual e emocional ou a absoluta ignorância de como viver que vejo diariamente na Inglaterra.”.

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