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Revolução russa: o mito de que Lenin não foi tão terrível, e sim seus sucessores
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“Lênin era absolutamente indiferente ao sofrimento humano e não hesitava em ordenar as medidas mais selvagens para se vingar.” (Helen Rappaport)

Um esforço antigo e muito comum dos comunistas é tentar poupar Lenin e concentrar todas as mazelas soviéticas em Stalin. Não vi, mas leitores me contaram que foi exatamente o que aconteceu num “debate” numa grande emissora de televisão hoje. Será que Lenin foi bom ou ruim?, questionaram. A culpa dos “erros” recai sobre ele ou seus sucessores?, perguntaram.

A tentativa de poupar Lenin não passa de desinformação e propaganda comunista, claro. Qualquer um com um mínimo de conhecimento histórico sabe que Lenin era tanto ou mais psicopata do que Stalin, e que não tinha qualquer apreço pela vida humana, era um monstro como todos os outros líderes comunistas. Esse texto é um resgate de certos fatos, para refutar essa besteira de que Lenin era “do bem”.

Seguramente, os anos dos czares na Rússia foram cruéis, e uma revolta popular era o caminho lógico, ainda mais depois da guerra. Porém, em 1917, a tomada do poder foi tão fácil que uma luta armada nem se fazia necessária. Os bolchevistas deram na verdade um golpe dentro do golpe, e partiram para a instalação do terror. Para se ter uma rápida ideia em números, de 1825 a 1917, cerca de 3.900 pessoas foram executadas, quantidade esta já ultrapassada pelos bolchevistas após quatro meses no poder. Lenin queria e conseguiu iniciar sua guerra civil.

O objetivo inicial era a luta de classes, sendo que essas foram na prática divididas em bolchevistas e não-bolchevistas. Quem não aderisse à causa e ao partido seria eliminado. Os kulaks, por exemplo, eram pequenos proprietários de terras, longe de serem grandes latifundiários, e seriam praticamente dizimados da Rússia leninista. Entre 10 a 15 mil execuções sumárias ocorreram em dois meses somente, sob ordens da Tcheka. Em poucas semanas, eles já teriam executado três vezes mais pessoas do que todo o império czarista havia condenado à morte em 92 anos!

E, além dessa mudança numérica, o método de condenação havia mudado radicalmente também. Para ser fuzilado bastava ser considerado um “suspeito”, um “inimigo do povo”, e nenhum julgamento era preciso. O juiz era Lenin, e ponto.

Vários massacres foram acontecendo de forma ininterrupta na década de 1920. Em Crimeia, pelo menos 50 mil civis foram aniquilados pelos bolcheviques em dois meses em 1920. As troiki, tribunais de “descossaquização”, condenaram à morte mais de 6 mil cossacos nessa época. Suas casas eram destruídas e as terras eram distribuídas entre os membros do partido. Em regiões cossacas onde houve oposição aos bolcheviques, populações inteiras foram mortas, totalizando mais de 500 mil vítimas em apenas dois anos nas regiões do Don e Kuban, cuja população total não ultrapassava 3 milhões.

Além do extermínio da população, houve o extermínio da família real. A historiadora Helen Rappaport, especialista em história russa, fez uma pesquisa minuciosa sobre esse evento sombrio, relatada no livro Os últimos dias dos Romanov. O grau de detalhes é impressionante, e ao mesmo tempo assustador. A frieza dos líderes bolcheviques fez com que as vítimas não fossem vistas como seres humanos, mas sim como representantes de uma classe política que deveria ser eliminada. Até mesmo as crianças eram apenas uma “instituição” a ser extirpada do jogo político para sempre.

Exterminar a família Romanov inteira não era algo politicamente tão simples assim. Lenin desejava colocar um fim na dinastia, mas não sabia como fazer isso sem manchar seu nome. Além disso, uma coisa era matar o czar, mas outra completamente diferente era eliminar a família toda, incluindo as crianças. Os líderes bolcheviques teriam que manter isso em segredo, ocultando os fatos principalmente dos estrangeiros. Apenas a lógica política era levada em conta pelos bolcheviques. Questões humanísticas não tinham espaço em suas reflexões. Como Trotski afirmaria mais tarde, “a família do czar foi vítima do princípio que compõe o próprio eixo da monarquia: a herança dinástica”. Diferente da Revolução Francesa ou da revolução de Cromwell, não bastava cortar a cabeça do rei; era preciso cortar “uma centena de cabeças Romanov”. Na verdade, o número foi infinitamente maior que este.

Os momentos finais da família Romanov são contados com riqueza de detalhes por Rappaport. Trata-se de uma cena digna de filme de terror. A família foi acordada no meio da noite e colocada num quarto escuro no subsolo da casa que funcionava como sua prisão. Foi dito aos Romanov que se tratava de uma mudança de endereço, pois estava perigoso demais permanecer naquele local. Yurovsky, que era muito próximo de Lenin e estava no comando da operação, leu um trecho da mensagem que selava o destino da família. Então, após a perplexidade do czar, o bolchevique sacou sua arma, deu um passo à frente e atirou no peito de Nicolau à queima-roupa. Em seguida, os demais bolcheviques encarregados da chacina abriram fogo no apertado cômodo escuro, fuzilando cada membro da família, incluindo o médico do czar.

Os tiros deixaram uma névoa que tornava a visão ainda mais difícil, e os gemidos vinham de toda parte. Os assassinos tiveram que golpear os corpos com a baioneta para finalizar o serviço, descarregando todo o seu ódio. Nenhuma das filhas teve morte rápida ou pouco dolorosa. “Foram necessários vinte minutos de atividades frenéticas para matar os Romanov e seus serventes”, conforme explica Rappaport. Ela completa: “O que deveria ter sido uma execução limpa e rápida se transformou em um banho de sangue”.

Não menos fria foi a tarefa de se livrar dos corpos na floresta depois, ateando fogo neles. Lenin tomou o devido cuidado de apagar qualquer registro oficial que ligasse seu nome a este ato bárbaro e covarde cometido pelos bolcheviques sob o comando de seu camarada Yurovsky, subalterno de sua extrema confiança.

Helen Rappaport resume a situação: “A execução a sangue-frio das crianças Romanov, junto com a tentativa de promover um extermínio sistemático de toda a dinastia, foi o teste final para a imoralidade da política bolchevique”. E pensar que até hoje há quem acredite que o comunismo é uma utopia nobre que atrai pessoas altruístas em busca de justiça e um mundo melhor, e não bárbaros ressentidos procurando dar vazão ao seu ódio e sua pulsão de morte. Como relatei em Esquerda Caviar sobre a ligação forçada entre pacifistas e leninistas:

Eis uma informação que muito pacifista ignora: sabe aquela pomba branca bonita, que representa o símbolo da paz? Pois é, foi criada, em uma litografia, por Pablo Picasso, como presente para… Stalin, o maior carniceiro que o mundo já conheceu. Em 1949, o cartaz para o Congresso Mundial da Paz em Paris foi impresso com o desenho de Picasso, que eternizaria a pomba como símbolo do pacifismo.

Picasso, em vida, recebeu duas vezes o Prêmio Lenin da Paz. Existe contradição maior do que essa, a de utilizar na mesma expressão duas coisas tão antagônicas como paz e Lenin? Algumas declarações do líder bolchevique, recuperadas após a abertura dos documentos soviéticos e reunidas em O livro negro do comunismo, demonstram o quão pacífico era esse senhor:

Toda a essência do nosso trabalho visa à transformação da guerra numa guerra civil. Não podemos prometer a guerra civil, nem decretá-la, mas temos o dever de trabalhar – o tempo que for necessário – nessa direção.

Enquanto não aplicarmos o terror sobre os especuladores – uma bala na cabeça, imediatamente – não chegaremos a lugar algum!

É chagada a hora de levarmos adiante uma batalha cruel e sem perdão contra esses pequenos proprietários, esses camponeses abastados.

Camaradas! O levante kulak nos cinco distritos de sua região deve ser esmagado sem piedade. É necessário dar o exemplo. Enforcar, e digo enforcar de modo que todos possam ver, não menos que cem kulaks.

Eis aí, senhoras e senhores, Lenin sem filtro! Mas temos “intelectuais” e “jornalistas” debatendo, em pleno século XXI, se Lenin foi bom ou ruim, se a revolução poderia ter tido outro rumo não tivesse assumido um Stalin depois de sua morte. Sério?

Rodrigo Constantino

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