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Carne bovina certificada é garantia de que não há resíduos de remédios e pesticidas | Jonathan Campos/ Gazeta do Povo
Carne bovina certificada é garantia de que não há resíduos de remédios e pesticidas| Foto: Jonathan Campos/ Gazeta do Povo

Mais natural

Especialista diz que é difícil medir se carne orgânica é mais saudável

Imagine comprar carne oriunda de animais criados livremente, tratados com medicamentos homeopáticos e fitoterápicos, e alimentados com pastos isentos de agrotóxicos. Considerado orgânico, o alimento neste caso ganha espaço em países europeus, mas ainda representa um nicho pequeno no mercado brasileiro.

Quem pesquisa sobre carne diz que, embora o produto tenha certificação, não é possível atestar se é, de fato, mais saudável que o convencional. "Ainda não conhecemos estudos que mostrem que uma carne produz mais doenças do que outra", analisa Cinthia Bittencourt Spricigo, professora do curso de Engenharia de Alimentos da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).

O pesquisador Pedro de Felício, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), afirma que hoje existem no mercado produtos tão naturais quanto a carne considerada orgânica. Ele salienta, contudo, que é difícil controlar o quão "orgânico" pode ser o produto frente ao que já se oferece ao consumidor brasileiro. "Para certificação orgânica, não se pode usar substâncias provenientes de organismos transgênicos, como algumas vacinas, e tudo o que se compra para alimentar o gado tem de ter certificação orgânica", pontua.

Boi "free"

Nos Estados Unidos, lembra ele, já há até o conceito de boi "free (livre)" de anabolizantes e antibióticos e de "boi vegetariano", que não recebe farinha produzida com substâncias oriundas de ruminantes. "Nós não usamos essa farinha. Mesmo assim, o governo cria dificuldades para o selo de natural. Mas a carne já não é toda natural?", questiona.

O uso indiscriminado de antibióticos na criação de animais de corte levou a Food and Drug Administration (FDA), agência responsável pelo controle de alimentos e medicamentos nos Estados Unidos, a emitir um alerta sobre a prática no país.

O objetivo é conscientizar sobre o risco de desenvolvimento de cepas de bactérias mais resistentes às drogas existentes, o que pode provocar o surgimento de infecções mais fortes em humanos.

A medida da FDA também suscita a discussão sobre a qualidade da carne de animais criados de forma convencional, em contato com outros medicamentos e insumos químicos durante a produção.

Para frear a aplicação dos antibióticos, a FDA estabeleceu que os medicamentos só poderão ser utilizados em animais para tratamento. Fins produtivos, que buscam o crescimento e a engorda, por exemplo, serão considerados ilegais. Também será preciso obter receita veterinária para que as drogas possam ser adquiridas. As regras devem começar a valer ao longo dos próximos três anos e os laboratórios que fabricam os medicamentos foram convidados a se adequar, alterando nos rótulos a forma de uso dos produtos.

No Brasil, segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), métodos semelhantes já estão em curso. É preciso a orientação de um veterinário para que o produtor tenha a receita. A prescrição, contudo, ainda não abrange todos os antibióticos disponíveis no mercado. Os animais abatidos em estabelecimentos com serviço de inspeção federal passam por análises para que eventuais resíduos de medicamentos sejam detectados.

"Quando vêm para o abate, os animais já têm um controle veterinário", afirma a chefe substituta de Controle de Resíduos e Contaminação do Mapa em Curitiba, Caroline de Oliveira. Ela observa que, no país, a aplicação de antibióticos para animais é mais frequente em tratamentos de saúde do que em criações, em função do alto custo dos medicamentos.

Segurança

Especialista em carnes, o professor Pedro de Felício, da Faculdade de Engenharia de Alimentos, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), diz que, apesar do uso de antibióticos, a produção de gado de corte no Brasil é uma das mais saudáveis do mundo. A condição, explica ele, se deve à resistência do gado zebuíno, de origem indiana, ao clima local. Hoje, cerca de 80% das 160 milhões de cabeças de gado em produção no país são de nelores, enquanto nos Estados Unidos, a predominância acaba sendo a raça angus escocesa. Ao contrário do Brasil, o confinamento, no caso norte-americano, supera a criação em pastos.

"O gado no Brasil é criado no pasto, suporta intempéries, não pega berne ou quando pega é muito pouco, não precisa ficar sendo banhado com carrapaticidas, diferentemente do gado de origem europeia", diz.

Rastreamento mantém a carne brasileira livre de resíduos

O Brasil adota boas práticas para o uso de antibióticos e outros medicamentos aplicados a animais de corte. Além disso, há um período de carência recomendado para o abate. É o que assinala a professora do curso de Engenharia de Alimentos da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Cinthia Bittencourt Spricigo. Esses cuidados, diz ela, ajudam a evitar que a carne que chega ao consumidor apresente resíduos de medicamentos.

"Podem acontecer falhas, mas nossa vantagem é que exportamos muito. Temos programas de rastreabilidade sérios, por isso podemos ter muita confiança na qualidade da carne", explica. Cinthia destaca ainda que toda a carne produzida com inspeção federal, de acordo com as regras do país, pode ser considerada um alimento seguro.

No Brasil, o uso de anabolizantes em animais de corte é proibido. "As pessoas falam que frango contém hormônios, mas não é verdade. Essas substâncias levam 60 dias para fazer efeito e um frango é abatido em 45 dias. O uso também é inviável economicamente", diz.

Segundo Cinthia, embora antibióticos e hormônios desencadeiem discussões sobre a qualidade da carne, outros problemas ligados a animais de corte ainda podem gerar mais risco à saúde humana. É o caso de contaminações por tênia e cisticercose. "Nosso problema é muito mais básico. Temos problema de saneamento, verminoses e abates clandestinos", salienta.

Procedência é fundamental

O diretor da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran), Paulo Henkin, argumenta que os defensivos agrícolas e conservantes são necessários para garantir que os alimentos sejam consumidos a tempo pela população.

O problema ocorre quando a produção não recebe a devida fiscalização e os fabricantes desobedecem o que é preconizado pelo Ministério da Agricultura. "O que vai mesmo assegurar a qualidade é o consumidor buscar identificar a produção, se o produto foi fiscalizado, se tem selo", ensina.

O pesquisador do Instituto Agronômico do Paraná (Iapar), Moacir Darolt, também enfatiza que o consumidor precisa ser mais consciente quanto a suas escolhas alimentares. "No Brasil, menos de 5% dos consumidores sabem de onde veio o produto, quem o produziu e como foi. Por isso, o incentivo deve ser para que comprem em circuitos mais curtos, onde é possível identificar isso. A maioria das pessoas compra às cegas", orienta.

Para que o produto isento de defensivos agrícolas se torne mais acessível a todos, ele salienta que é preciso que a demanda por orgânicos aumente. Na Europa, o preço de um alimento orgânico tende a ser 30% mais caro do que o de um convencional, enquanto no Brasil esta diferença ultrapassa 100%. "Se tivermos mais gente pedindo orgânicos, isso pode mudar", defende Darolt.

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