Imagine um produto produzido a partir de organismos vivos que interagem com proteínas humanas e têm alto potencial para tratar doenças graves, como câncer, moléstias autoimunes e artrite reumatoide. Chamados de biológicos, esses medicamentos se tornaram o novo campo de batalha entre as indústrias farmacêuticas brasileiras. Num mercado que tem o governo como principal cliente, a estimativa, segundo o Sindicatos da Indústria de Produtos Farmacêuticos do Estado de São Paulo (Sindusfarma), é de que os biológicos movimentem cerca de 2 bilhões de dólares por ano no país.
De acordo com o Ministério da Saúde, calcula-se que os medicamentos biológicos e biossimilares – biofármacos produzidos por empresas diferentes das originadoras dos biológicos, mas com pureza e estrutura altamente similar – abranjam 51% dos gastos da pasta com medicamentos de alto custo. Essas compras representam, contudo, cerca de 4% do volume de medicamentos adquiridos para distribuição através do Sistema Único de Saúde (SUS).
A perspectiva com esse tipo de medicamento tem levado empresas a investirem em pesquisas, se dividirem em companhias para atender a área e buscado parcerias de desenvolvimento de produto (PDP) com o Ministério da Saúde. Neste tipo de iniciativa, os laboratórios privados transferem a tecnologia para um laboratório público, em troca de monopólio da venda por um período ao governo. Os preços negociados são cerca de 30% menores que os praticados no mercado internacional. Tratando-se de medicamentos que podem custar R$ 10 mil a ampola, o percentual pode fazer diferença na conta final.
“O Brasil está preocupado com isso. Temos alguns produtos registrados e sendo feitos aqui, mas isso exige ainda um processo de muita transferência de tecnologia. Quando entendermos a forma como isso é produzido, abre-se caminho para desenvolver novos produtos”, comenta o presidente executivo do Sindusfarma, Nelson Mussolini.
Segundo ele, há interesse do próprio governo em criar condições no país para a produção de medicamentos biológicos, uma vez que hoje os principais exportadores são países europeus, Índia e China. “Neste momento, o Brasil precisa sair da inércia de ser um mero importador para ser um conhecedor e produtor dos biológicos”, pontua.
Mais do que ser um gerador de biotecnologia, a produção nacional buscada pelas indústrias farmacêuticas deve possibilitar também que o acesso aos medicamentos biológicos se torne melhor. É o que sustenta o mastologista Franklin Pimentel, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). “A entrada de mais pessoas na disputa pode facilitar o processo, baratear o custo e ampliar acesso no Brasil e global”, define.
Pimental lembra que, atualmente, terapias com medicamentos biológicos não estão disponíveis pelo SUS a todos os pacientes que têm uma mesma patologia. Isso pode interferir diretamente no tempo de vida destas pessoas. O médico cita como exemplo o estudo conduzido por várias instituições, entre elas a Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) e publicado neste ano pelo Journal of Global Oncology, que mensura a perda prematura de vidas de pacientes com câncer de mama devido à falta de acesso à terapia anti-Her2 na rede pública. As terapias monoclonais mais avançadas, que passam pelos medicamentos biológicos trastuzumabe e pertuzumabe, não estão disponíveis para mulheres em estágio avançado da doença pelo SUS.
“Em 2018, vão expirar a patente de anticorpos monoclonais de faturamento anual de 68 bilhões de dólares. Se o mercado de biossimilares der uma chacoalhada nisso e diminuir 20% o preço, seria uma economia de 14 bilhões de dólares. Se for 40% do preço, seria uma economia de 28 bilhões de dólares”, calcula Pimentel. Estes recursos otimizados, assinala, podem ser tanto investidos pelo governo em outros medicamentos, como em mais pesquisas.
Outro benefício citado pelo especialista com a atenção à produção de biológicos e biossimilares no Brasil é a solidez de fornecimento e a capacitação de profissionais na área da inovação. “Isso aumenta a competição e a saída da zona de conforto”, pontua.