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Em reunião pública do Conselho Pleno realizada na manhã desta terça-feira (26), membros do Conselho Nacional de Educação (CNE) – órgão de assessoramento do governo federal que serve para avaliar políticas públicas na área educacional – aprovaram, por 20 votos favoráveis e dois contrários, a criação de um grupo de estudos sobre o tema “Liberdade e responsabilidade acadêmica e diversidade de pensamento na educação brasileira”.
A proposta inicial apresentada pelo conselheiro Gabriel Giannattasio – professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Londrina (UEL) – era a constituição de uma comissão de liberdade acadêmica dentro do CNE. A proposta, entretanto, não foi aprovada pelos conselheiros, e a alternativa encontrada foi a criação do grupo de estudos sobre o tema.
Gabriel Giannattasio, que se dedica ao tema da intolerância ideológica nas universidades, afirmou em entrevista à Gazeta do Povo que tanto na educação básica quanto na superior há uma hegemonia de certo modo de pensar e que tratar do assunto no CNE é uma forma de combater o problema do discurso uníssono na academia e no ensino básico.
Críticas à proposta
Em sua declaração para propor o estabelecimento da comissão, Giannattasio sustentou que “o Conselho Nacional de Educação [CNE], enquanto órgão de Estado, é obrigado a se pronunciar sobre quaisquer questões que envolvam possível peia [obstáculo] à efetivação de imperativo constitucional sobre Educação, no interesse direto das pessoas” e que “a diversidade de concepções ideológicas e pedagógicas é garantia constitucional expressamente prevista no artigo 206, III da Constituição Federal: ‘Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: [...] III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino’”.
O conselheiro argumentou também que os princípios expressos na Constituição precisam ser constantemente velados, “seja por medidas complementares, seja pela vigilância da sociedade e de suas instituições ou, ainda, pelo poder judiciário”, e afirmou que o tema proposto se encontra presente em documentos como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação [LDB] e a Base Nacional Comum Curricular [BNCC].
Ao final de sua sustentação, o conselheiro propôs a criação de comissão bicameral para realizar estudos, produzir documentos orientadores e emitir parecer a respeito do tema “liberdade/responsabilidade acadêmica e diversidade de pensamento na educação brasileira”.
Diante da proposta da constituição da comissão, apenas os conselheiros Tiago Tondinelli e Aristides Cimadon se manifestaram de forma favorável à proposição, enquanto nove membros se manifestaram de forma contrária à comissão. Alguns conselheiros, como Mozart Ramos e Maurício Costa Romão, afirmaram que seriam favoráveis à proposta somente se não houvesse um documento final com um parecer após os estudos realizados pela comissão. “Essa questão de fazer estudos, uma comissão pequenininha, tudo bem. Agora fazer uma comissão que, pelo nosso regimento, o CNE terá que se pronunciar em forma de parecer, acho que não deve ser o caminho”, afirmou Romão.
Há, no entanto, um impeditivo para isso, já que de acordo com o regimento do Conselho, é indispensável a realização de um parecer ao final de uma comissão constituída. A solução apontada por outros membros do Conselho foi a criação de um grupo de estudos sobre o tema apresentado. Diante da proposta, 20 conselheiros votaram de forma favorável à criação do grupo – Ivan Claudio Pereira Siqueira, professor na Escola de Comunicações e Artes da USP (ECA-USP), e Amábile Pacios, vice-presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares (FENEP), votaram contra.
Diagnóstico de clima ideológico nas universidades
Em entrevista à Gazeta do Povo após a votação da proposta que deu origem ao grupo de estudos, Giannattasio afirmou que o primeiro passo será criar instrumentos de medição de clima ideológico nas academias. “O pesquisador Pedro Damazio Franco, que já esteve em reunião do CNE apresentando toda essa temática a partir de uma bibliografia americana, já adaptou esses instrumentos de medição para a realidade do Brasil. Então, já temos proposições iniciais de instrumentos que sejam capazes de avaliar este clima na educação brasileira e imagino que esse deva ser um dos temas iniciais desse grupo”.
O conselheiro destaca que os estudos relacionados à intolerância ideológica e liberdade de pensamento abrangerão toda a educação brasileira, não somente o ensino superior. “É um grupo de estudos de toda a educação brasileira. Vale a pena investigar, por exemplo, o diagnóstico do livro didático. Temos estudos que indicam que os livros, na sua grande maioria, adotam certo viés interpretativo na área de Humanas. Isso se confirma? Caso se confirme, o que fazer? Quais os instrumentos a serem adotados na avaliação do livro didático?”, observa o conselheiro.