Opinião
Quando o despreparo da PM vira "lei e ordem", surge o terrorismo às avessas
Cristiano Castilho, editor-assistente do Caderno G
Uma história está se tornando perigosamente banal porque começamos a nos acostumar com ela: evento público em Curitiba termina em confronto entre população e Polícia Militar.
Voltamos a 2012: uma confusão no Largo da Ordem no fim de uma das saídas do bloco Sacis e Garibaldis suscitou discussões sobre a ação da PM em eventos públicos. À época, dois argumentos ganharam força: 1) o confronto aconteceu porque o Largo da Ordem é um espaço que não comporta multidões. 2) a PM está despreparada para agir nesse tipo de manifestação cultural.
Em 2014, a Fundação Cultural de Curitiba oficializou o bloco dos Sacis e Garibaldis. O trio e a multidão que o segue ou seguia a cada domingo pré-carnaval, teriam um espaço delimitado para circulação: a Rua Marechal Deodoro. Se por um lado o evento perdeu sua espontaneidade, por outro imaginava-se que ganharia em segurança e infraestrutura.
O CarnaVibe nada tem a ver com os Sacis, bem sabemos. O público é outro, a música é outra. Mas o evento aconteceu sob a chancela da prefeitura e da Fundação Cultural de Curitiba. Num lugar pré-determinado. Todos sabiam onde e a que horas começaria; e onde e a que horas terminaria. Um plano de policiamento preventivo não deveria ser coisa de outro mundo. A causa do confronto entre PM e a população, portanto, não é uma questão geográfica. Retirar à força ou com o aval do poder público um grupo de determinado local não evita quiprocós como o de domingo.
Toda a situação também suscita dúvidas sobre uma questão mais preocupante. Se é realmente um despreparo dos policiais militares para conter alguns arruaceiros de plantão num evento de 40 mil pessoas na 44ª cidade mais violenta do planeta é esperado que alguém passe dos limites e precise mesmo ser detido ou se a truculência é uma ação assertiva e consciente, já que a ideia-fixa do secretário estadual da segurança pública, Fernando Francischini, é "lei e ordem." A quixotesca prisão de Marcos Cordiolli, secretário municipal de Cultura, reforça a impressão de que qualquer diálogo é subestimado em detrimento da força e da brutalidade.
Manifestações
No dia 19 de janeiro, a jornalista Eliane Brum publicou um texto sobre os protestos em São Paulo. Ela escreveu: "Neste caso, a PM não cometeria excessos por despreparo ou apenas por despreparo , como já foi dito, mas como estratégia para esvaziar as manifestações. A meta seria impedir o exercício de um direito constitucional como forma de anular o potencial transgressor da reivindicação."
Em São Paulo foi um protesto e não uma manifestação cultural legítima o que é ainda pior no nosso caso. Mas, se for esse mesmo o cenário, configura-se uma espécie de terrorismo interno, às avessas, justamente porque começamos a temer o próprio Estado.
Embora existam exemplos positivos nos últimos anos, como o da Virada Cultural, a confusão do último domingo durante a festa pré-carnavalesca CarnaVibe, no Centro de Curitiba, e que resultou na prisão de cinco pessoas, põe em xeque a segurança e a organização dos eventos públicos na capital paranaense. Até o presidente da Fundação Cultural da cidade, Marcos Cordiolli, foi encaminhado para o 1.° Distrito Policial.
Em 2012, uma intervenção das polícias Civil e Militar, após a apresentação do bloco Garibaldis e Sacis, no Largo da Ordem, terminou de forma violenta. Um suposto ato de vandalismo contra uma viatura motivou uma ação da Rondas Ostensivas de Naturezas Especiais (Rone), que começaram a dispersar a multidão. Eles desceram pelo Largo da Ordem, disparando balas de borracha e bombas de gás nos foliões. Quatro pessoas foram hospitalizadas e três jornalistas, atingidos por balas de borracha.
No mês passado, um grupo de pessoas estava reunido na Rua São Francisco, também no centro da cidade, quando uma ação da Rone, que abordava usuários de droga, terminou com tiros para o alto e corre-corre.
Em ambos os episódios as forças de segurança estavam envolvidas. Não por acaso, para os especialistas, é necessário pensar em formas preventivas para que a festa na via pública não descambe para a violência.
O produtor cultural Alexandre Barreto, que atua no grupo Nós do Morro, no Rio de Janeiro, reconhece que todo evento que reúne muitas pessoas apresenta riscos, mas lembra que um tempo mínimo de preparo, de 60 a 90 dias, pode ajudar a garantir a segurança. "Esse tempo serve para que as forças de segurança possam mapear os riscos no local da festa, como proceder e determinar as rotas de fuga", explica.
O sociólogo e ex-secretário adjunto de Segurança Pública de Minas Gerais, Luís Flávio Sapori, ressalta que essa preparação prévia para os eventos também exige uma boa articulação entre órgãos municipais e estaduais. Segundo ele, é fundamental detalhar o que será feito e colocar os pontos firmados em ata. "Isso fará com que os órgãos se preocupem em cumprir o que foi acordado", salienta.
Para o coordenador do Centro de Estudos em Segurança Pública e Direitos Humanos da UFPR, Pedro Bodê, falta aos policiais, de maneira geral, sensibilidade para lidar com o público. "É preciso avaliar se está acontecendo determinada confusão e agir pontualmente, afastando o grupo que possa colocar em risco a segurança do evento. Não se pode fazer uma ação generalizada que coloque em risco as demais pessoas. Isso aumenta a desordem", afirma.
O que diz a polícia Militar
A Polícia Militar informou, por meio de nota, que faltou organização por parte da prefeitura e que a solicitação de policiamento para o Carna Vibe foi para 5 mil pessoas. "E, agora [a organização] divulga que participaram 40 mil. A Polícia Militar contabilizou no máximo 20 mil pessoas", afirmou, em nota, o tenente-coronel Guilherme Teider Rocha, comandante do 12º Batalhão da PM, unidade responsável pela área central da capital. "A falta de organização do evento, aliada à incivilidade, contribuiu largamente para o resultado", disse Rocha. A PM não informou quantos policiais foram designados para a ação.
Entrevista
Cordiolli rebate PM e diz que Curitiba está pronta para festas
Marcos Cordiolli, presidente da Fundação Cultural de Curitiba
O presidente da Fundação Cultural de Curitiba (FCC), Marcos Cordiolli, foi detido pela Polícia Militar durante a confusão registrada na noite de domingo, após o "CarnaVibe". Cordiolli teria tentado negociar com o oficial da tropa o avanço dos policiais sobre o público quando o oficial deu a ele voz de prisão por desacato.
Como teve início a confusão?
Eu estava em cima do caminhão de som e pude ver quando um grupo de 10 pessoas que estava fora da arena do evento começou a brigar e a PM foi intervir. Depois, essas pessoas começaram a arremessar pedras em direção aos policiais. Em revide, os policiais começaram a dispersar todas as pessoas que estavam ali. Essa ação de dispersão provocou um corre-corre intenso. Grande parte das pessoas que pularam a catraca deve ter feito isso por medo. Em outros eventos, como a Virada Cultural, isso nunca aconteceu.
Quantas pessoas foram ao evento e que horas terminou a festa? A festa estava marcada para terminar às 20 horas e às 19h55 nós comunicamos o fim do evento. Ao contrário do que a PM tem falado. Também ao contrário do que a polícia falou, havia grades de proteção, que foram retiradas às 20 horas quando a festa tinha oficialmente terminado. Calculamos que havia mais de 30 mil pessoas e o espaço tinha condições de receber 40 mil. Foi comunicado isso à PM e cabe a ela apresentar a demanda dela.
Esse episódio, somado a outros, mostra dificuldades para Curitiba realizar festas abertas ao público?
Não. Creio que estamos aprendendo e evoluindo muito. Estamos tratando isso de forma mais profissional. Desde que assumimos a prefeitura, não tivemos nenhum problema, exceto nesse domingo. A Fifa Fun Fest, por exemplo, ocorreu tudo bem. Assim como a Virada Cultural. Para essas festas são necessários processos de convivência e de educação social. Estamos caminhando bem nesse sentido.
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