A histeria era a doença que mais acometia as mulheres nas primeiras décadas do século 20 no Brasil. Não porque elas eram efetivamente histéricas: uma das características da doença destacada pelos médicos do então Hospício Nacional de Alienados era o não cumprimento dos deveres de esposa e mãe de família. Mulheres que preferiam ler romances, estudar e trabalhar fora de casa a cuidar das obrigações domésticas "descumpriam" a essência do feminino e, por isso, precisavam de tratamento manicomial. "Um médico do hospício do Rio de Janeiro chamado Henrique Roxo afirmava que as histéricas eram, em geral, péssimas donas de casa", cita a historiadora Priscila Céspede Cupello, pesquisadora da Fiocruz que analisou prontuários do Rio de 1900 a 1910. A pesquisadora encontrou casos bem emblemáticos, como o da mulher que desenvolveu depressão após a perda do filho e foi levada ao hospício por não querer mais cuidar da casa, por causa do seu estado melancólico. Lá também era o destino daquelas que traíam o marido ou eram tidas como promíscuas, que antes tinham de dar explicações na delegacia de polícia.
Fora do padrão
Naquela época, a loucura feminina estava vinculada a uma quebra de modelos, sejam eles social ou religioso, mas também eram consideradas histéricas aquelas que fugiam dos padrões de beleza. "As mulheres eram incentivadas a realizar exercícios como danças e ginásticas para fortalecer o corpo e, assim, dar à luz filhos mais saudáveis", explica a historiadora Maria Concepta Padovan, pesquisadora da Universidade Federal de Pernambuco que analisou, durante o mestrado, prontuários do Hospital de Alienados Ulysses Pernambucano, conhecido como Hospital da Tamarineira, no Recife. A feiura era coisa de gente louca, pois se acreditava que a beleza não era inata, precisava ser conquistada a partir da educação física. "No prontuário de uma paciente de nome Severina constava que ela tinha sido internada por causa de sua aparência repugnante", afirma Maria Concepta. A educação física, então, proporcionava a "higiene mental" e mulheres com cabelos desarrumados ou com roupa descuidada tinham de ir ao hospício para se tratar. No caso de Severina, além de não ter a beleza padrão da época, ela havia contraído uma doença venérea de um amante.
Os dois períodos estudados pelas historiadoras Priscila e Maria Concepta têm em comum a política de ajudar a construir uma nação. "A medicina se volta para estas mães porque elas precisam cuidar de seus filhos para que se tornem bons cidadãos brasileiros", lembra Priscila.
Censo apontava população "defeituosa"
No Brasil, a loucura começa a ser considerada um problema urbano no século 19, logo após a independência. Isso porque, para construir uma nação, era preciso civilizar. "Não era mais desejável um lugar habitado em uma situação de epidemia iminente", afirma a historiadora de Cárceres, no Mato Grosso, Rachel Tegon de Pinho. Ela pesquisou a relação da loucura em Cuiabá. "Uma série de práticas são banidas, como o batuque, criar porcos no meio da rua ou jogar água suja nas vias", diz. Além disso, em 1890 um grande recenseamento é feito em todas as capitais brasileiras e um dos critérios levantados são os defeitos físicos da população. É nesta categoria que começam a aparecer os "alienados", "dementes" e "idiotas". "As pessoas eram apontadas como loucas pelos próprios vizinhos, chefes de família e por quaisquer funcionários públicos.
Exceção
Nem todas as mulheres que deixaram de se casar ou cuidar da casa foram consideradas loucas. A historiadora Maria Concepta Padovan lembra que existiram mulheres da classe média que se dedicavam ao magistério ou eram visitadoras (precursoras da enfermagem) que foram aceitas pela sociedade. "Costureiras e lavadeiras também eram necessárias", lembra Maria.
Ressocialização
Muitas mulheres que permaneciam por mais de 10 anos no hospício, quando recebiam alta médica já não voltavam para a família. "Muitos médicos escreveram que havia superlotação nos hospícios e que não sabiam o que fazer com as mulheres que estavam há tempos lá dentro", afirma a historiadora Priscila Céspede Cupello.