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dois pesos e duas medidas

O paradoxo do contrabando paraguaio

Três meses após assumir a presidência do Paraguai, Horacio Cartes lançou em novembro de 2013 o maior plano de combate ao contrabando de que se tem notícia no país. Uma força-tarefa do governo apreendeu até agora US$ 40 milhões em açúcar, combustível, arroz, óleo de soja, farinha de trigo, erva-mate, bebidas. "É uma guerra para nos convertermos em um país formal", diz o ministro de Indústria e Comércio, Gustavo Leite. Contudo, trata-se de um controle de mão única. O Paraguai barra o que entra sem pagar impostos, mas continua a fazer vistas grossas ao que sai.

Há um jogo de interesses por trás desse rigor parcial. Embora o Código Aduaneiro do Paraguai considere contrabando tanto o que entra quanto o que sai do país sem recolher impostos, as autoridades ignoram a lei para não atingir um dos negócios mais rentáveis do presidente. Cartes produz 30% dos 3,3 bilhões de maços de cigarro fabricados por ano no Paraguai. Só 2% ficam no país, 8% são exportados legalmente e 90% saem via contrabando. Cinco marcas fabricadas pela empresa de Cartes respondem por 49% do cigarro pirata apreendido no Brasil e dominam 45% do mercado clandestino na Argentina.

É justamente desses países a origem do contrabando combatido pela Opera­­ção Hendy, que reúne o Minis­tério do Interior, a Polícia Nacio­­nal, a Direção Nacional de Aduanas, o Ministério Públi­co, a Secretaria Nacional Anti­drogas e as Forças Armadas. A versão oficial traz em si a hipocrisia. Essas instituições reiteram a escaramuça do presidente, de que o contrabando que sai do Paraguai – inclusive os seus cigarros – é um problema dos outros países. A Direção de Aduanas até deixou expresso em documento oficial de 2008 que não considera essa evasão um delito.

"O contrabando no Paraguai é um problema quase ancestral, um meio de vida. Está tão arraigado em nós que é algo que se leva até com orgulho em alguns casos", diz o vice-ministro de Comércio e coordenador da Operação Hendy, Pablo Cuevas. Com orgulho ou não desse histórico, o governo paraguaio tem adotado dois pesos e duas medidas para tratar o trânsito de mercadorias que entram ou saem pela porta dos fundos.

No início de março, a força-tarefa apreendeu 160 toneladas de açúcar de origem brasileira no interior do depósito de um grande grupo empresarial do país. O carregamento, avaliado em US$ 150 mil, estava acondicionado em embalagens com selos da indústria paraguaia. O governo explorou o caso na mídia como exemplo de que investe tanto contra os pequenos quanto contra os grandes contrabandistas. E assim, faz sombra ao contrabando das mercadorias que saem à revelia do fisco – entre elas, o cigarro do presidente da República.

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