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Tristeza após a morte de uma pessoa querida; oscilação da memória com o avanço da idade; birras infantis: todos esses comportamentos são recorrentes, reações típicas a um acontecimento ou coerentes com determinada época da vida, certo? Não segundo a quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM 5).

Ao estabelecer novos critérios para o diagnóstico e ampliar o rol de transtornos mentais, o documento, referência internacional em psiquiatria, suscita a questão: estamos transformando problemas cotidianos em transtornos mentais?

O psiquiatra americano Allen Frances acredita que sim. Para o médico, que esteve à frente da revisão da edição anterior do DSM e hoje lidera o movimento de crítica ao manual e à medicalização excessiva, vivemos o “fenômeno do superdiagnóstico”, em que dificuldades e reações comuns a diferentes fases da vida são tratadas com remédios.

Normal?

O psiquiatra Carlos Augusto Maranhão de Loyola explica que na Psiquiatria não existe o conceito de normalidade. “Usamos o conceito de o que gera sofrimento a si e aos outros. Protocolizar o que é normal não é o que a psiquiatria busca. O risco é passar a diagnosticar qualquer comportamento e, num segundo momento, medicalizar qualquer comportamento.”

Pacientes querem que problemas “se resolvam”

Para o psiquiatra Carlos Augusto Maranhão de Loyola, secretário-geral da Associação Paranaense de Psiquiatria (APP), o superdiagnóstico de transtornos mentais é um fenômeno de causas múltiplas. Ele cita três fatores: lobby da indústria farmacêutica; despreparo de médicos não-especializados que prescrevem psicotrópicos e o desejo individual de que os problemas “se resolvam”.

“As pessoas querem que seu problema seja resolvido, e não resolver seu próprio problema. É a estratégia de responsabilizar um terceiro elemento pelo meu bem-estar. É mais fácil responsabilizar um diagnóstico e medicalizar para justificar um certo comportamento. Soma-se a isso os diagnósticos feitos por médicos sem especialização e temos a tristeza medicalizada. Tristeza não é um diagnóstico”, analisa.

Manual polêmico

A polêmica suscitada pelo DSM 5 tem razão de ser: pelo novo documento, tristeza virou Transtorno Depressivo Maior; esquecimento típico da velhice agora é Transtorno Neurocognitivo Leve e gula se transformou em Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica. Muito em breve, prevê Frances em seu livro, a maior parte das pessoas terá Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade – diagnóstico problemático para o psiquiatra, principalmente em crianças.

Consequências

Frances alerta para as implicações individuais e sociais decorrentes do superdiagnóstico: estigmatizar pessoas saudáveis, sujeitá-las aos efeitos de medicamentos desnecessários; alocar mal recursos médicos e, em última instância, transferir a responsabilidade por nosso bem-estar mental para longe de nossos cérebros que, nas palavras de Frances, “são naturalmente resilientes e nos mantiveram sãos por centenas de milhares de anos.”

O desconforto em relação ao DSM 5 chegou até mesmo ao Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos, maior financiador de pesquisas científicas na área em todo mundo, que decidiu não custear mais pesquisas baseadas no manual.

No Brasil, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) não recomenda a utilização do DSM para atuação clínica. De acordo com Antônio Geraldo da Silva, presidente da ABP, o manual foi desenvolvido para balizar pesquisas científicas. “Utilizar o manual na atividade clínica diária é inadequado porque ele não foi elaborado para isso, ele serve mais à ciência. O DSM tem seu valor, mas não é a bíblia da psiquiatria.”

O psiquiatra acrescenta que é recorrente o uso do DSM por médicos não especializados para fazer diagnóstico psiquiátrico. “É como se bastasse preencher uma espécie de questionário de sintomas para se chegar ao diagnóstico. Se o paciente disser que sente tristeza, desânimo, cansaço e falta de vontade, o DSM vai apontar para depressão. Mas esses também são sintomas de hipotireoidismo”, exemplificou.

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