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Direitos humanos

Ninguém é preso por trabalho escravo

Detalhe de casa onde trabalhadores viviam em condições análogas à escravidão em Inácio Martins | Fotos: Cléber Moletta
Detalhe de casa onde trabalhadores viviam em condições análogas à escravidão em Inácio Martins (Foto: Fotos: Cléber Moletta)
Vista da fazenda de erva-mate, alvo da operação da PF com o MPT e o MTE no início do ano |

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Vista da fazenda de erva-mate, alvo da operação da PF com o MPT e o MTE no início do ano

Manter pessoas em situação semelhante à escravidão é crime, com pena de dois a oito anos de reclusão, mas, apesar dos milhares de casos descobertos na última década, ninguém está preso por trabalho escravo no Brasil. São poucas as decisões judiciais definitivas – com trânsito em julgado, como se diz no meio jurídico – e mesmo essas sentenças costumam ser brandas, com condenações como pagamento de cestas básicas ou prestação de serviços à comunidade.

Especialistas entrevistados pela Gazeta do Povo são unânimes ao dizer que a sensação de impunidade reina. Um dos motivos da escassez de sentenças judiciais criminais é o embate que aconteceu no Judiciário, por muitos anos, para definir quem deveria analisar os casos criminais: a Justiça estadual ou a federal. Em 2006, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que a competência era da Justiça Federal, mas a decisão só foi publicada dois anos depois, servindo como indicação de que os casos de crime de trabalho escravo deveriam ser remetidos às varas federais.

A situação acabou criando um represamento de ações, que passaram a ser julgadas, várias delas em primeira instância, somente a partir de 2009. Com a demora, vários casos acabaram prescrevendo (ou seja, passaram do tempo máximo para que fossem julgados e punidos).

Na semana passada, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) divulgou o retrato do andamento das ações judiciais de trabalho escravo. São 317 processos em tramitação nos tribunais federais do Brasil, sendo 104 no TRF4, que abrange as ocorrências do Paraná. Casos do início dos anos 2000 estão sendo finalmente julgados. Nos últimos dois anos, uma série de decisões judiciais veio à tona.

Por meio de 1,3 mil operações, de 1995 até o ano passado 44 mil pessoas foram localizadas em situação análoga à escravidão no Brasil. Os números de 2012 indicam que o Paraná foi o quarto estado no Brasil com mais casos de trabalho semelhante à escravidão. As operações de combate localizaram 256 pessoas em condições precárias. No estado, os casos se concentram nos setores de reflorestamento, ervateiro e sucroalcooleiro (cana-de-­açúcar).

Apesar do zero estatístico nas penitenciárias, o resultado prático no combate ao trabalho escravo, via de regra, inclui a libertação dos trabalhadores, o pagamento de indenizações e a divulgação do caso. A criação de uma lista suja, com restrições de financiamento para empresas e fazendeiros, também gerou impacto. Outra iniciativa recente foi tomada no mês passado, quando uma lei paulista determinou a cassação do registro de empresas condenadas em segunda instância judicial.

Falta de provas livra explorador da condenação

Nem todos os casos descobertos de trabalho análogo à escravidão acabam virando processos criminais. E, mesmo que o relato vá parar na mesa de um juiz, muitas condicionantes pesam para fazer o processo se arrastar ou não se transformar em condenação. Conseguir provar a restrição da vontade dos trabalhadores é uma das dificuldades. Aldacy Rachid Coutinho, professora de Direito do Trabalho na Universidade Federal do Paraná, destaca que só a análise de todas as ações poderia resultar numa avaliação precisa, mas ressalta que a apresentação de provas, e não apenas de indícios, é um dos entraves.

"Precisamos enfrentar esse problema, com uma atuação mais efetiva na esfera criminal", defende Luís Antônio Camargo de Melo, procurador-geral do Ministério Público do Trabalho. Ele alega que são crimes que ofendem os direitos humanos, contra a sociedade. Rinaldo Barros, juiz em Goiás e integrante do grupo de enfrentamento ao tráfico de pessoas do Conselho Na­cio­nal de Jus­tiça, diz que "um pro­blema para o en­­frentamen­to é a inexistência de estatísticas confiáveis, com cada órgão envolvido no combate ao trabalho escravo registrando isoladamente os dados". Ele cita que em Portugal está o melhor banco de dados sobre trabalho escravo. "No Brasil, o problema é que a pena é pequena e o julgamento demora", diz.

Um pouco do foco se perde no caminho, na visão de Gláucio Araújo de Oliveira, pro­curador do Ministério Pú­bli­co do Trabalho no Paraná (MPT-PR). "Há uma divisão equi­­vocada de atribuições. Eu fa­ço a operação. Vou à fazenda e recolho provas que rendem uma série de processos, co­­mo os administrativos. Mas na hora do processo criminal, o caso vai para um procurador fe­­deral", comenta. Ele, que já atua no combate ao trabalho escravo há dez anos, salienta que os casos mais comuns envolvem condições degradantes, jornadas exaustivas e a dependência por dívidas. "A morosidade na Justiça gera a sensação impunidade e o esquecimento.".

Isolamento

Operação localiza uma fazenda de escravos a 200 km de Curitiba

Trabalhadores em condições muito precárias foram localizados em uma fazenda de erva-mate de Inácio Martins, no Sul do Paraná, a aproximadamente 200 quilômetros de Curitiba, no dia 25 de fevereiro. A operação do Ministério Público do Trabalho (MPT), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e da Polícia Federal (PF) também encontrou familiares dos trabalhadores – 33 pessoas ao todo.

Na fazenda, de difícil acesso, não havia oferta de água tratada nem condições sanitárias. Para as necessidades fisiológicas só havia a mata. Ir do alojamento ao local de trabalho demandava uma hora de caminhada. Os trabalhadores não eram impedidos de ir embora, mas a distância e a falta de alternativas de transporte isolaram o grupo. Muitos não sabiam dizer quanto ganhavam. Eles tinham de pagar pelas ferramentas e pela alimentação. Um adolescente trabalhou por dois meses e ainda estava devendo a quem o contratou.

Para a empresa dona da área, sobrou a conta de R$ 48 mil em verbas rescisórias, R$ 20 mil por dano moral coletivo e R$ 1,5 mil a cada trabalhador, por dano moral individual. Dois adolescentes receberam o último valor em dobro, por realizarem atividade inadequada para a idade. Os proprietários da fazenda alegaram desconhecer o regime de trabalho, que seria responsabilidade de pessoas que arrendaram a área. A investigação, que pode levar a processos judiciais, está em andamento.

Colaborou Cléber Moletta

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