O último bonde elétrico de Curitiba ainda existe. Um exemplar do Birney norte-americano, trazido para Curitiba na década de 30, resiste teimosamente sob uma velha cobertura de ponto de ônibus utilizada para evitar danos causados pelo clima. Ele está na garagem da Urbs, responsável pela guarda do vagão, na oficina para manutenção de estações tubos, no bairro Tingui.
Esse bonde, que um dia levou gente de um lado para outro da cidade entre as décadas de 30 e 50, foi restaurado e ficou exposto na Praça Tiradentes até fins de 2002, quando foi retirado da vista do público por, segundo a prefeitura da época, ter se tornado alvo de vandalismo. Desde então, os apaixonados por trilhos se perguntavam onde ele estaria.
Ao entrar no veículo, compreende-se a dimensão da cidade à época. Eram apenas 14 bancos de dois lugares, e mais espaço para algumas pessoas se acomodarem em pé. Hoje, um ônibus biarticulado como os que rodam a cidade pode transportar cerca de 300 pessoas.
A data exata da última viagem de bonde é incerta, mas foi no mês de julho de 1952, com trajeto entre o Centro e o Portão. Esses veículos serviam trabalhadores que seguiam de onde hoje se encontra o Shopping Palladium até as Casas Pernambucanas, na Praça Zacarias, parando em diversos pontos da cidade.
Por um cruzeiro
Paulo Osni Wendt, 72 anos, que já foi diretor do Colégio Estadual do Paraná, garante que os bondes foram tirados de circulação no dia 1.º de julho. "Eu utilizei o bonde no último dia, pois pegava ele para ir à escola, saía do ponto da Maternidade Victor Ferreira do Amaral rumo ao Colégio Iguaçu, na Praça Rui Barbosa", diz ele. "A gurizada gostava de ir atrás, pisando naquele sinal de freio do bonde, para fazer barulho. Como ele não fazia volta, o motorneiro trocava de lugar no ponto final e virava os bancos para o outro lado", lembra Wendt, que cita outra curiosidade sobre os bondes: eles foram vendidos depois por apenas um cruzeiro preço simbólico a Aurélio Fressato, responsável por colocar os ônibus nas ruas na sequência.
Apesar de Wendt sustentar que o último dia da viagem foi 1.º de julho, uma matéria da Gazeta do Povo do dia 10 daquele mês relatava uma viagem do bonde e detonava: "Velhos, vagarosos, mal lavados e mal cheirosos, mas sempre superlotados, [os bondes] são um martírio indispensável", diz o texto, citando um usuário do transporte coletivo acompanhado pela reportagem. Os elétricos, que haviam substituído os bondes de mula em novembro de 1912, foram então destronados pelas autolotações, que, logo depois, foram deixadas de lado ao ser instituído o sistema baseado nos ônibus que vemos hoje.
Nos trilhos
Viagem do Portão ao Centro durava uma hora e muitos "toc-toc"
O trajeto do Portão ao Centro levava uma hora, e era para lá que seguia alguns dias por semana Carmem Bonat Schier, hoje com 88 anos, que fazia aulas de costura na escola da Dona Nadir Marachi. "Quando o vagão descarrilava ficávamos preocupados porque demorava muito para colocá-lo nos trilhos e corríamos o risco de chegar de noite em casa", diz ela.
Segundo outro integrante da família Schier, seu Hipólito Ary, da mesma idade, conforme o bonde avançava do bairro ao Centro, embarcavam profissionais de diversas áreas. Primeiro subiam os operários, depois os vendedores, militares, funcionários públicos e até médicos. "Havia paradas na Escola Municipal Presidente Pedrosa [mais conhecido hoje pelo Colégio Estadual Pedro Macedo, no começo da Rua Morretes com a Av. República Argentina]; na Capelinha dos Fruet, na volta da República Argentina com a Av. Iguaçu [na frente da Sociedade Água Verde] e na Maternidade Victor Ferreira do Amaral, onde ainda há um trilho."
Dentro dos bondes, além de muita conversa entre os usuários eles lembram que havia a companhia inabalável dos "toc-toc", o barulho que o bonde fazia ao passar nas emendas dos trilhos. Os motorneiros de quepe caqui, impecavelmente vestidos, levavam charme à viagem.
Vida e Cidadania | 2:26
Um exemplar do Birney norte-americano trazido para Curitiba na década de 30 e que foi o transporte público da cidade até julho de 1952 quando a linha Portão-Centro foi desativada -- resiste teimosamente em uma oficina da Urbs, no Bairro Tingui.