João* apareceu para Alexsandro Pinheiro como se fosse anjo. Era fim de 2012 e os dois participavam das apresentações natalinas promovidas pela empresa onde Alexsandro trabalha. Não foi fácil. O menino, então com 9 anos, reagia mal às tentativas de aproximação. Sem saber como agir, Alexsandro buscou ajuda – queria entender o que se passava com a criança e como ajudá-la. Perseverou até João confiar.
Assim começou a relação de apadrinhamento afetivo entre os dois e uma grande transformação na vida de ambos. Desde então, João, acolhido desde os 5 anos, não está mais sozinho; Alexsandro, ele mesmo tenta explicar, conheceu um sentimento “que transcende, porque você entende que precisa de alguém tanto quanto aquele alguém precisa de você”.
Embora o apadrinhamento afetivo exista no Brasil há pelo menos 15 anos, a prática passou a ser regulamentada pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) apenas em 2006 e ainda não é muito difundida em todo o país. Como para João, também para outras milhares de crianças e adolescentes residentes em casas de acolhimento o apadrinhamento pode ser a única chance de desenvolver relações de afeto para além dos muros das instituições onde vivem. Os efeitos positivos gerados pela inserção no convívio familiar e pela atenção individualizada podem durar a vida toda e mudar, em definitivo, o futuro desses jovens.
A psicóloga Haryanna de Lima Lobo atua na área da infância e adolescência há 13 anos e já trabalhou em instituições de acolhimento, de onde pôde observar de perto os benefícios do apadrinhamento. Para ela, a prática desmistifica a necessidade de adoção e oferece uma nova perspectiva para crianças e adolescentes com chances remotas de conquistarem uma nova família. “O apadrinhamento constrói uma rede de afeto e segurança e mostra que não ser adotado não é o fim de tudo; que eles podem construir relações boas e duradouras mesmo sem adoção”, explica.
Em Curitiba, o Projeto Dindo, desenvolvido pela Associação JusCidadania, uma ONG mantida por servidores e magistrados da Justiça Federal, promove a prática do apadrinhamento e tenta conquistar padrinhos e madrinhas para as cerca de cem crianças e adolescentes aptas a participar do programa. A proposta é oportunizar o convívio familiar àqueles jovens que não têm muita chance de adoção. Para se ter ideia, apenas 20% do total de inscritos no Cadastro Nacional de Adoção aceita crianças com mais de 3 anos de idade; o número de interessados em crianças com mais de 5 anos cai para menos de 5%.
São, na maioria dos casos, crianças com um histórico familiar marcado pela violência e negligência. “Depois dos dez anos, a criança dificilmente terá oportunidade de ter uma família substituta. As pessoas têm medo do histórico, da hereditariedade. O apadrinhamento afetivo mostra que, independentemente do seu passado, o afilhado tem uma capacidade de resiliência. Se alguém estiver disposto a ser uma referência e a promover momentos positivos a essa criança, ela consegue melhorar seu desempenho em muitos aspectos”, ressalta o analista judiciário Rafael Quadros, Presidente da Associação JusCidadania e coordenador-geral do projeto.