Apesar de registrar aumento nos gastos públicos com educação nos últimos 15 anos, o Brasil tem ainda um longo desafio pela frente: equiparar os recursos aplicados nos ensinos superior e básico. Enquanto em países da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) grupo que reúne as maiores economias do mundo o custo de um estudante universitário é, em média, 30% maior do que na educação básica, no Brasil essa disparidade de gastos chega a 410%. Traduzida em valores reais, a diferença fica mais evidente: se por um lado as despesas anuais por estudante no ensino superior brasileiro chegam a US$ 10.991 e ficam inclusive acima da média da OCDE, nos ensinos fundamental e médio os gastos individuais por aluno são de US$ 2.155 e US$ 2.058, respectivamente.
Os números fazem parte de um relatório divulgado este mês pela OCDE, que contempla análises dos investimentos em educação nos 34 países da organização (incluindo o Brasil) e em outras oito nações. Segundo o estudo, as despesas por estudante estão intimamente ligadas à remuneração dos professores, estrutura das unidades de ensino, qualidade dos materiais didáticos, carga horária de aula, número de alunos matriculados e quantidade de bolsas ofertadas, no caso do ensino superior.
Na média da OCDE, os custos por estudante no ensino fundamental chegam a US$ 7.153 por ano e, no ensino médio, a US$ 8.972. Os valores foram calculados levando em conta a paridade do poder de compra (purchasing power parities) de cada nação, para fazer a equivalência entre as diferentes moedas.
De acordo com o relatório, o Brasil gasta o equivalente a 106% do seu Produto Interno Bruto (PIB) per capita em cada estudante universitário, maior proporção entre as nações estudadas. Os recursos, porém, têm alcance limitado, já que os alunos do ensino superior representam apenas 3% dos matriculados em todos os níveis educacionais.
Diferenças
Para o doutor em Políticas Educacionais e membro do Núcleo de Pesquisa em Políticas Educacionais da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Ângelo Ricardo de Souza, a diferença gritante em relação a gastos no ensino básico em outros países se deve a fatores como a carga horária de ensino e salários dos professores. Enquanto no Brasil a maioria das escolas possui uma jornada de no máximo quatro horas de aula, nos países da OCDE essa jornada é de no mínimo seis horas, podendo chegar a oito horas.
"Além disso, no exterior, os profissionais que atuam na educação básica não são subvalorizados em relação aos professores do ensino superior", reforça Souza.
Especialistas alertam ainda para o fato de, no Brasil, municípios e estados terem sido levados a assumir grande parte das despesas com os ensinos fundamental e médio, enquanto a maior fatia do orçamento do governo federal para a educação é dirigida à formação universitária.
"O Brasil cometeu um erro de prioridades", critica o economista e reitor da Universidade Positivo, José Pio Martins. "Ainda que a educação superior seja importante, ela é uma educação profissionalizante. Antes disso, é preciso oferecer educação de base, ensinar as pessoas a ler, interpretar, calcular".
Disparidade evidencia necessidade de investir mais
A disparidade entre os recursos aplicados nos ensinos básico e superior reforça a discussão sobre a necessidade de mais investimentos em educação, por meio da aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE). Enviado ao Congresso em dezembro do ano passado, o plano recebeu quase 3 mil emendas, que ainda estão sendo analisadas.
O principal tema em discussão se refere ao financiamento público: o projeto original do PNE prevê a ampliação do porcentual de investimentos em educação para 7% do PIB, enquanto boa parte das emendas pede a alteração da meta para 10% do PIB, até 2020. Hoje, esse número gira em torno de 5%. Nesta semana, o relator do PNE, o deputado federal Ângelo Vanhoni (PT-PR), informou que são grandes as chances de que o índice seja um pouco maior que 7%.
O presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Roberto Franklin de Leão, defende que somente com mais recursos será possível aumentar a qualidade e a abrangência do ensino básico, sem que haja uma "competição" com o ensino superior. "Nossas escolas vivem situações críticas. Temos unidades mal preservadas, com estrutura precária e professores recebendo salários miseráveis. Tudo isso significa pouco investimento. Não dá para fazer política educacional com centavos", defende.
"O governo tem dinheiro suficiente para destinar 7,5% do PIB para educação. O restante teria que ser buscado por outras formas, seja por meio da criação do fundo social do pré-sal ou criando taxação no lucro líquido das empresas estatais", avalia o doutor em Políticas Educacionais Ângelo Ricardo de Souza. Para ele, o índice ideal seria 8,5%.
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