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Imutável

Embora o autor da PEC 33 e o relator Ricardo Ferraço defendam que a redução da maioridade penal seja fruto de uma decisão política, especialistas dizem o contrário. "É uma cláusula pétrea. Menores de 18 anos, com comportamento semelhante a crime ou contravenção, têm resposta na legislação especial, que é o ECA, não no Código Penal", diz o procurador Olympio Sotto Maior.

Análise

Para defensor público, percepção de crimes cometidos por menores é exagerada

Para o procurador de Justiça Olympio de Sá Sotto Maior Neto o clamor popular pela redução da maioridade penal se baseia numa visão distorcida do todo. Segundo ele, 8% das práticas criminosas no Brasil são cometidas por adolescentes, sendo 1% mediante violência ou grave ameaça contra a pessoa. "No contexto geral, é quase nada. A população se deixa manipular ideologicamente, com essa falsa ideia de que o estatuto é uma porteira aberta para a impunidade."

Sotto Maior recorda que a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) continua indicando a adolescência até 24 anos. "A ciência médica e jurídica atesta que a adolescência é uma fase crítica do desenvolvimento. O adolescente hoje tem mais informação, mas não significa que ele tenha maturidade para processar isso."

O defensor público e professor de direito criminal da UFPR e da PUCPR, André Giamberardino, concorda que há uma percepção exagerada dos crimes cometidos por menores. "As vítimas de homicídios são, em sua maioria, jovens e pobres. Com isso o Senado deveria se preocupar." Para ele, a comparação feita pelo relator Ricardo Ferraço do Brasil com países como Bélgica, Canadá e França – onde maiores de 16 anos são penalmente imputáveis – não é aplicável. "No Brasil, com 12 anos é possível ter a liberdade tolhida, mediante medida socioeducativa. É uma irresponsabilidade enorme propor isso [redução da maioridade penal], no momento em que se debate a falência do sistema penitenciário."

Resgatar ao invés de punir

O juiz da Vara da Infância e Juventude de Cascavel, Sergio Luiz Kreuz, argumenta que empurrar uma parcela da juventude para um sistema penal inadequado para maiores e menores não vai resolver o problema da violência. Segundo ele, a reincidência do adolescente que cumpriu medida socioeducativa é "muito menor" do que a de alguém que foi preso. "O sistema prisional não recupera praticamente ninguém. Reduzir a maioridade teria efeito contrário. Inserir o jovem no sistema prisional o tornaria mais violento e estaríamos perdendo a oportunidade de dar outra opção de vida a ele."

A presidente da comissão da criança e do adolescente da OAB-PR, Maria Christina dos Santos, reforça que a ideia de impunidade é falsa, uma vez que adolescentes chegam a ficar mais tempo privados da liberdade do que adultos. "Quando um adulto ameaça alguém de morte, o fato é apreciado em juizado especial criminal, sem privação de liberdade. Já o adolescente autor de ameaça pode ser privado de liberdade por até 45 dias antes da sentença."

Maria Christina acredita que a solução para o recrutamento de adolescentes para o crime passa pela criação de políticas públicas eficazes de prevenção. Ela defende que, embora tenha noção de certo e errado, o menor de idade não tem maturidade para fazer escolhas e acaba sendo influenciado pelo grupo. "O adolescente de bom padrão vai para a escola de manhã e faz cursos à tarde. Os que não têm recursos acabam indo se distrair na rua e podem ser aliciados por pessoas mal intencionadas. Se houvesse políticas públicas nesse sentido, eles não teriam oportunidade de ser aliciados."

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado rejeitou ontem a proposta que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos em crimes hediondos e casos específicos, como crimes de tortura, terrorismo e tráfico de entorpecentes. A comissão analisou conjuntamente sete PECs (propostas de emenda à Constituição) que tratavam da redução da maioridade penal. O relator, senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), recomendou a rejeição de seis delas e a aprovação de apenas uma, de autoria do senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), que reduzia a maioridade para 16 anos nos crimes hediondos e casos específicos.

INFOGRÁFICO: Confira a opinião dos brasileiros sobre a redução da maioridade penal

Plenário

Como a comissão rejeitou o relatório de Ferraço por 11 votos contra oito, Nunes disse que vai recorrer da decisão da comissão para levar a discussão ao plenário da Casa. Ele precisa do apoio de um décimo dos senadores (9 no total) para evitar que a proposta seja definitivamente arquivada. Ao expor a proposta na CCJ, Nunes disse que a ideia é transformar a presunção absoluta de que o adolescente não tem consciência de seus atos em presunção relativa. "É uma opção de política criminal, não está escrito em lugar nenhum que a pessoa seja biologicamente incapaz de assumir responsabilidade aos 16 anos. Com essa idade, já se pode votar, fazer testamento, casar, se emancipar", afirmou.

Pesquisas

Uma enquete aberta no site do Senado apontou que 80% dos entrevistados são a favor da redução da maioridade penal. Em 2013, um levantamento do Instituto Paraná Pesquisas indicou que mais de 90% dos brasileiros são favoráveis à medida. No entanto, durante o debate no Senado, os parlamentares recordaram que o Estatuto da Criança e do Adolescente já prevê a privação de liberdade para menores de 18 anos, de forma mais educativa do que na prisão comum. O argumento é o mesmo de juristas e entidades, como Ministério Público e Ordem dos Advogados do Brasil, que rejeitam radicalmente a proposta de redução da maioridade penal. Além disso, especialistas defendem que a idade penal é uma cláusula pétrea da Constituição Federal, portanto, imutável.

"O Código Penal Heleno Fragoso, de 1969, que já nasceu morto, propunha a mesma ideia: análise do suficiente desenvolvimento psíquico do adolescente. Na época, isso já foi repelido, porque vai acabar definindo a imputabilidade penal a partir de juízo de subjetividade. Isso já foi reprovado", reforça o procurador de Justiça Olympio de Sá Sotto Maior Neto, coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção aos Direitos Humanos e um dos redatores do ECA.

Entenda o caso

O que propõe a PEC 33

A imputação penal de adolescentes com idade entre 16 e 18 anos, mediante proposição do Ministério Público especializado em questões de infância e adolescência e cumprimento de pena em estabelecimento prisional distinto, nos seguintes casos:

- Crimes previstos no artigo 5º da Constituição Federal – tortura, terrorismo, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e crimes hediondos – ou na hipótese de múltipla reincidência na prática de lesão corporal grave ou roubo qualificado;

- Comprovação da capacidade do agente de compreender o caráter criminoso de sua conduta, levando em conta histórico familiar, social, cultural e econômico, além de antecedentes infracionais, atestado em laudo técnico.

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