Em mais uma demonstração de força e aproveitando o momento delicado do governo Dilma Rousseff (PT), o Congresso se prepara para colocar em votação uma série de projetos para mudar o pacto federativo. O objetivo é descentralizar recursos da União e diminuir obrigações legais de estados e municípios.
Audiência pública em londrina
Formada na Câmara Federal em março, uma comissão especial para debater o pacto federativo está fazendo reuniões em várias cidades para ouvir as demandas de gestores municipais e estaduais. No Paraná, está marcada uma audiência em Londrina nesta sexta-feira (5). O relatório final deve ser apresentado até o fim do mês. Há outra comissão no Senado também trabalhando em ritmo de urgência.
Os presidentes da Câmara Federal, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), se uniram para colocar as medidas como prioridade na pauta das duas Casas. As votações devem ocorrer antes do recesso de julho, depois do fim das discussões da reforma política, do ajuste fiscal e da proposta de redução da maioridade penal.
Na prática, as medidas deverão impactar em cheio o Tesouro Nacional, que hoje concentra cerca de 65% de toda a arrecadação do país. Isso porque a proposta é repassar à União boa parte da responsabilidade que hoje recai sobre estados e municípios, como as ligadas à segurança pública e educação básica.
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Vários projetos que mudam a dinâmica da distribuição da renda tramitam há tempos no Congresso. Agora, eles devem ser colocados junto a outros, novos, em um “pacotão” (veja box abaixo).
Prioridades
Confira algumas propostas de revisão do pacto federativo que devem ser votadas nas próximas semanas pelo Congresso:
Mudança do indexador de dívidas de estados e municípios com a União (já aprovado no Senado e que voltou para a Câmara).
Proibir que a União crie novas responsabilidades para estados e municípios sem indicar a fonte de recursos.
Redistribuição de obrigações e verbas ligadas à saúde, educação e segurança pública. Por exemplo, União teria participação maior para bancar a segurança (hoje encabeçada pelos estados) e a educação fundamental (hoje municipal).
Utilização de 70% dos depósitos judiciais para pagar precatórios.
Compensações aos estados por contribuições previdenciárias e por desonerações da Lei Kandir, que prevê ressarcimentos aos estados pelas perdas com a desoneração de exportações.
Também faz parte do pacote, a criação da Lei de Responsabilidade das Estatais, que retira parte da autonomia do governo federal sobre gastos e orçamento das estatais. O Congresso teria maiores poderes para controlar as empresas.
Bandeira antiga de estados e municípios, as mudanças no pacto federativo agora encontraram terreno fértil para avançar no Congresso. Renan e Cunha receberam pessoalmente dezenas de prefeitos e a maioria dos governadores do país nas últimas duas semanas, e se comprometeram a buscar uma alternativa para aliviar o caixa de estados e municípios. Eles também aproveitam a falta de força do governo Dilma nas duas Casas – que, mesmo com maioria, tem dificuldades para aprovar projetos de seu interesse.
Cunha já afirmou que encontrará uma saída para “fechar a conta do pacto”, mas nega que isso seja um embate com o governo. “Nós não estamos entrando nesse momento no aspecto político do pacto federativo, nós estamos entrando no reflexo econômico”, disse, no mês passado.
O deputado Sérgio Souza (PMDB-PR), 1.º vice-presidente da comissão da Câmara que discute o pacto federativo, acredita que “nunca houve uma convergência tão grande entre as duas Casas e tanta vontade política no parlamento [em votar mudanças no pacto]”.
Parlamentares do Paraná ouvidos pela reportagem argumentam que a discussão sobre os projetos é “necessária”, mas ressaltam que o embate deverá ser difícil. E longo. “A importância reside numa maior distribuição de recursos. Mas a dificuldade maior é que a União não vai abrir mão da receita. E há muita divergência dos estados e municípios com a União”, diz o senador Alvaro Dias (PSDB-PR).
Já o deputado federal Rubens Bueno (PPS-PR) acredita que, com mais dinheiro em caixa, estados e municípios terão que ser mais responsáveis para gastar. “Quando centraliza [a receita] em Brasília, centraliza tudo, até a corrupção. Quando descentraliza, tem mais fiscais”, diz.
Reconhecendo a cobrança “forte” de prefeitos, o líder da bancada paranaense na Câmara, João Arruda (PMDB), diz que é preciso ter calma neste momento.
Paraná quer mais dinheiro federal para pagar professores e financiar as universidades estaduais
Os temas discutidos na proposta de revisão do pacto federativo são especialmente caros ao Paraná. O estado alega que a União estaria lhe devendo R$ 1,2 bilhão em custeio da saúde e de auxílio a estados exportadores referentes a 2014. A dívida impacta as finanças estaduais e seria minimizada com as possíveis mudanças nas leis . Mas as principais vantagens seriam ligadas à educação.
Uma das reivindicações do Paraná é repassar ao Tesouro Nacional o custo com a remuneração de professores que exceder 60% do Fundeb. Isso aliviaria o caixa do governo e, em tese, permitiria o pagamento da reposição da inflação aos professores– motivo de desgaste do governo Beto Richa (PSDB) há semanas. Atualmente, o governo gasta a totalidade dos recursos previstos pelo Fundeb para a remuneração de professores (aproximadamente R$ 4,1 bilhões ao ano).
Universidades
Outra demanda é federalizar parte da educação, englobando algumas universidades estaduais. “Isso [o custeio das universidades] hoje engessa o Paraná”, diz o deputado federal Sérgio Souza (PMDB-PR).
Em nota enviada à reportagem, o governo informou que não discute neste momento a possibilidade de federalizar as universidades estaduais, “mas, sim, cobrar a participação do governo federal em investimentos direcionados às instituições de ensino superior paranaenses”.
“Atualmente, nenhuma verba federal tem sido destinada ao orçamento das universidades estaduais e municipais, em prejuízo não apenas dessas instituições, mas também dos estados e municípios que as mantêm. Convém destacar que estados e municípios também apoiam financeiramente as universidades federais, através das Fundações de Apoio à Pesquisa”, diz a nota do governo.
O governo federal foi procurado para comentar sobre as demandas do estado, mas não respondeu.
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