A imprensa noticia, há algumas semanas, o debate em torno de duas propostas legislativas que têm pretensão de provocar profunda alteração no Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94): o Projeto de Lei do Senado 232/2014 e o Projeto de Lei da Câmara 5749/2013. Ambos cuidam do mesmo assunto: paralegais (assistentes jurídicos e da advocacia).
O projeto do Senado, arquivado por pedido do seu autor, buscava promover a seguinte alteração no exercício da advocacia: o bacharel em Direito, independente de aprovação no Exame de Ordem Unificado, exerceria algumas atividades jurídicas. Desse modo, o bacharel poderia requerer sua inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), receberia honorários pelos seus serviços jurídicos e até teria a faculdade de integrar sociedade de advogados. Por sua vez, o projeto da Câmara, ainda em tramitação, aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça, propõe que o "estagiário de advocacia e o paralegal, regularmente inscritos [na OAB], podem praticar os atos previstos no art. 1º [Lei 8.906/94], na forma do regimento geral, em conjunto com advogado e sob responsabilidade deste". Salientamos que o art. 1º trata das atividades privativas do advogado.
A semelhança entre os dois projetos está em permitir que bacharel em Direito não aprovado no Exame de Ordem exerça atividades privativas da advocacia, sob supervisão de advogado, de forma similar ao estagiário de Direito inscrito na OAB. Simples de observar que a finalidade é alocar imensa quantidade de bacharéis que não possuem condições formais e materiais para advogar. Efeito nefasto do excesso de cursos jurídicos no país, os quais, em grande parte, não proporcionam educação jurídica com qualidade razoável.
Vamos aos dados. De acordo com informações do Ministério da Educação, o Brasil conta com 1.257 cursos de Direito. Comparativamente, os Estados Unidos da América, reconhecido como um país em que existe uma grande quantidade de graduações em Direito, possui somente 204 Faculdades de Direito reconhecidas pela American BAR Association, órgão com funções parecidas com as da OAB.
Segundo o Congresso Nacional, há milhões de bacharéis em Direito que não obtêm aprovação no Exame de Ordem. Apesar de todas as críticas que possam ser feitas ao exame, os conteúdos cobrados nas provas objetiva e discursiva possuem padrão razoável de exigência, além de o candidato poder realizar diversas edições do Exame de Ordem até obter sua aprovação. Na Alemanha, por exemplo, ocorre o Exame de Estado. Trata-se de uma única avaliação para todas as carreiras jurídicas (advocacia, magistratura, Ministério Público etc.). Em caso de duas reprovações no Exame de Estado, o bacharel nunca mais pode refazer a avaliação.
Em recentes visitas técnicas na Cardozo Law School (Estados Unidos) e na Universidade de Heidelberg (Alemanha), observamos o comprometimento dos alunos dos últimos anos na preparação para os exames da BAR e do Exame de Estado. No Brasil, de forma lastimável, o Congresso Nacional quer reconhecer, "legalizar" e legitimar a falência da educação jurídica. Felizmente, na contramão dos anseios dessa casa legislativa, encontra-se o discurso repetido exaustivamente pela OAB-PR: a favor do aprimoramento da educação jurídica. Resposta diferente representaria a aceitação da baixa qualidade dos cursos.
Devemos discutir os rumos das políticas educacionais brasileiras, da Educação Superior e, em específico, da educação jurídica. Inegavelmente, nosso país precisa ampliar o número de cidadãos que frequentam o Ensino Superior, democratizando o seu acesso e a produção de conhecimento com grandes impactos sociais e econômicos. De outro lado, a política educacional dos últimos 20 anos permitiu a abertura e a manutenção de muitos cursos jurídicos com baixíssima qualidade. Não se justifica em absoluto uma política pública conivente com instituições de pequena qualidade. Também não é possível isentar completamente os alunos que escolhem e frequentam essas instituições, muitas vezes, levando unicamente em consideração os níveis de cobrança e empenho pequenos.
É chegada a hora de debater a educação jurídica e, por consequência, a adoção ou não dos paralegais. Outros países (Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Japão) possuem paralegais, mas como regra esses profissionais não são bacharéis em Direito. De outro lado, é possível a matrícula em cursos de menor duração, os quais permitem que os seus egressos exerçam algumas funções de assessoramento jurídico (paralegais).
Desse modo, por que o Congresso Nacional não discute a reforma da educação jurídica de maneira séria? Para contribuir com o debate, lançamos algumas ideias: a) estabelecimento de critérios claros e transparentes para mensurar a qualidade dos cursos de bacharelado em Direito construídos por especialistas da academia e das profissões jurídicas em debate democrático com a sociedade civil; b) não autorização de funcionamento e fechamento dos bacharelados em Direito que, após o descumprimento dos critérios de qualidade e monitoramento da melhoria dos seus índices, demonstram-se incompetentes para formar adequadamente juristas; c) reformulação das Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Direito para que os bacharelados em Direito formem principalmente profissionais para o exercício de profissões jurídicas de maior grau de complexidade como advogados privados e públicos, juízes, promotores, delegados de polícia, por exemplo; d) fomento à criação de tecnólogos em Direito, com projeto pedagógico cientificamente estruturado, para o desenvolvimento de profissões que necessitam de conhecimentos jurídicos e formação de habilidades para lidar com questões jurídicas menos complexas; e) em nenhuma hipótese, aceitar pessoas que cursaram cinco anos de bacharelado em Direito possam ingressar, a qualquer título, no quadro da OAB sem Exame de Ordem.
Está lançado o debate, o qual deve primar pela qualidade da educação jurídica, sob pena de prejuízo à atuação da advocacia, e, por consequência, à democracia.
Rodrigo Luís Kanayama, Ilton Norberto Robl Filho e Fabrício Ricardo de Limas Tomio, professores da Faculdade de Direito da UFPR.
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