A possibilidade de que informações, ainda que verdadeiras, sobre qualquer pessoa sejam retiradas de circulação para que sua privacidade seja respeitada, o chamado direito ao esquecimento, se contrapõe à liberdade de expressão e à liberdade de imprensa. O debate sobre a questão se intensifica diante do o Projeto de Lei 7881/2014, que tramita na Câmara dos Deputados, de autoria do deputado federal e presidente da casa, Eduardo Cunha (PMDB), defensor do direito ao esquecimento.
Extremamente sucinto, com menos de três linhas, o texto da proposta determina uma limpeza nas informações disponíveis na internet, sem prever critérios para que isso seja realizado ou o impacto que terá para os meios de comunicação e as pessoas que buscam se informar.
Direito à informação atualizada é alternativa ao projeto
Uma alternativa para o projeto de lei de Eduardo Cunha (PMDB) sobre o direito ao esquecimento seria a atualização das informações. “Em contrapartida a esse projeto de lei, o que a gente está propondo é o direito a informação atualizada”, explica Patrícia Blanco, presidente da ONG Palavra Aberta.
Leia a matéria completa“É obrigatória a remoção de links dos mecanismos de busca da internet que façam referência a dados irrelevantes ou defasados, por iniciativa de qualquer cidadão ou a pedido da pessoa envolvida”, diz o PL na íntegra.
Para a presidente da ONG Palavra Aberta, Patrícia Blanco, o projeto de lei fere a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa. “No meu ponto de vista é muito claro que toda e qualquer regra que estabeleça a retirada de conteúdo ou remoção de link de acesso a determinado conteúdo fere a liberdade de expressão e de imprensa”, explica.
Tramitação
O projeto de lei do deputado federal Eduardo Cunha (PMDB) aguarda o parecer da Comissão de Defesa do Direito do Consumidor (CDC) para seguir a tramitação na Câmara Federal. Em janeiro desse ano, o projeto havia sido arquivado, mas voltou a tramitar em fevereiro.
Depois de passar pela CDC, o projeto ainda será avaliado pelas comissões de Cultura (CCULT), Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) e Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) para só então seguir para votação em plenário.
Na justificativa, o deputado apenas reproduziu uma reportagem do jornal O Globo, de agosto de 2014, sobre a aprovação de um projeto semelhante na Europa.
Outro problema, de acordo com Patrícia, seria a edição de fatos históricos. “Você restringe a pesquisa, pode restringir a consulta de dados históricos, e principalmente pode acontecer de ter uma reinvenção da história”, analisa.
Opinião semelhante tem o advogado e professor de direito civil da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Rodrigo Xavier Leonardo. “Me parece que esse projeto de lei não fala do direito ao esquecimento, é um projeto de lei do direito de se apagar a história”, alerta. “O maior problema está no que diz respeito ao defasado. Porque a informação defasada deve ser complementada, mas não extirpada. Porque, não obstante a história tenha progredido, não tem sentido apagá-la do mundo”, explica o advogado.
Europa
Um projeto semelhante ao do deputado Eduardo Cunha (PMDB) foi aprovado na Europa em maio do ano passado. A legislação foi aprovada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia e determina que as pessoas têm “o direito de serem esquecidas” e podem requisitar a remoção de artigos sobre elas mesmas dos resultados de busca.
Um site foi criado para listar links removidos pelo Google depois que a legislação foi aprovada. A página “Hidden From Google” lista 30 links removidos de sites como BBC, Wikipedia, The Guardian, The Telegraph, entre outros.
O professor de direito constitucional da PUC-PR Jordão Violin concorda com a proposta de Cunha. “Argumenta-se que o direito ao esquecimento seria uma decorrência do direito à privacidade e à intimidade. Seria, portanto, um direito de personalidade”, diz o professor. Ele rebate o argumento de Patrícia. “Não se pode afirmar que a simples regulação do direito ao esquecimento seria uma violação à liberdade de expressão ou à liberdade de imprensa. Não há que se confundir interesse público com a mera curiosidade pública”, explica o professor da PUC.
Relevância
História
Para a presidente da ONG Palavra Aberta Patrícia Blanco, um exemplo das consequências da aprovação do projeto do deputado federal Eduardo Cunha (PMDB) seria a perda de registros históricos. Entre os exemplos, a ativista cita o caso do ex-presidente e atual senador Fernando Collor de Mello (PTB).
“Se uma lei assim passasse, o Collor poderia entrar com um processo e pela lei de direito ao esquecimento ele poderia desindexar todos os links de pesquisa do impeachment. Isso é algo que muda a história”, explica a presidente da ONG Palavra Aberta. “De certa forma, a retirada do link ou do conteúdo é uma censura, porque ela está censurando o cidadão de obter aquela informação, mesmo que a posteriori”, completa Patrícia.
Outro problema do projeto de lei, de acordo com Xavier, é a definição da relevância dos fatos. “Quem vai definir o que é dado irrelevante? A relevância ou a irrelevância na história não costuma ser declarada pelos seus próprios protagonistas”, explica. “A interpretação dos dados irrelevantes pode ser muito controversa e, ao invés de a lei auxiliar a superação dos litígios, ela está ampliando essa possibilidade”, complementa.
“Da forma como ele [projeto de lei] está sendo colocado, a nossa preocupação é que ele interfira no direito à informação”, diz Patrícia Blanco, da ONG Palavra Aberta.
“O projeto não viola por si só a liberdade de informação ou a liberdade de imprensa, mas tem potencial para tanto, já que não define o que são dados irrelevantes”, reconhece Violin. “E, definitivamente, tem potencial para violar o direito à informação”, completa.
A reportagem tentou falar com o deputado Eduardo Cunha, autor do projeto, mas, segundo sua assessoria, ele não poderia atender até o fechamento da matéria.
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