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 | Pedro Serapio/Gazeta do Povo
| Foto: Pedro Serapio/Gazeta do Povo

O juiz federal Sergio Moro protagonizou na semana passada uma cena que levantou debate sobre o papel do juiz em interrogatórios de testemunhas, informantes e réus, numa audiência realizada no dia 29 de outubro na sede da Justiça Federal. A advogada Flavia Rahal Bresser Pereira, que atua na defesa de Rogério Santos de Araújo, discutiu com Moro durante o depoimento do ex-gerente de serviços da Petrobras Pedro Barusco, em que o delator na Operação Lava Jato detalhava os contratos em que teria recebido dinheiro de forma ilegal. O tema da discussão foi a possibilidade de o juiz questionar a existência de pagamento de propina em obra que não faz parte do processo contra seu cliente.

A advogada levantou uma questão de ordem argumentando que Moro não podia falar com Barusco sobre fatos que não faziam parte da denúncia de seu cliente. Para ela, as perguntas deveriam ser feitas apenas nos limites do que consta na acusação. O juiz negou o pedido da advogada, por entender que é papel do magistrado esclarecer os fatos, a quem cabe a decisão sobre que questões devem ser feitas para que isso ocorra. Após a negativa do juiz, outros advogados presentes na audiência também registraram questões de ordem. O Justiça & Direito conversou com especialistas na área para comentar o fato à luz do direito e da Constituição.

Situações assim podem ocorrer. O juiz conduz a audiência, tem a atribuição, pela lei, de velar pela regularidade dos atos. Ele também pode fazer algumas questões, tomar alguns esclarecimentos. Dentro disso, o advogado tem o direito de fazer o “à parte”, manifestar sua opinião e seu inconformismo. E o juiz pode deferir ou indeferir os pedidos. Se não houver contentamento, é possível apresentar recurso. Não vi nada de anormal ou irregular [nessa discussão], apenas uma situação no âmbito normal da condução da audiência. Fatos como esse, e até mais acalorados, acontecem todos os dias no Brasil todo. Logicamente, está se dando uma conotação maior por conta da repercussão do próprio caso. Quantas audiências ele [Moro] já fez pela Lava Jato e não ocorreu nada? O que mostra que ele é bastante preparado, só depois de tanto tempo uma situação assim ocorreu

Antônio César Bochenek,presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe)

Era dispensável o embate inicial [entre Moro e a advogada]. O que faltou ali [na discussão] foi exatamente fazer o que ao final o magistrado fez. A advogada, corretamente, levantou uma questão de ordem. O magistrado, como condutor da audiência, deve ouvir, deferir ou indeferir. O embate foi desnecessário. Qualquer juiz está acostumado com essas situações. O que se deve evitar é o confronto. Se isso resultar em cerceamento de defesa, o advogado poderá explorar essa situação em um recurso. Numa audiência, cada um tem seu papel: o Ministério Público acusa, o advogado defende e ao magistrado cabe julgar. Quando se invertem os papéis, gera um tumulto. Mas também não vejo essa discussão como algo extraordinário.

Cassio Telles, vice-presidente da OAB-PR

A meu ver não há problema o juiz fazer perguntas sobre temas que não fazem parte da denúncia. Os processos da Lava Jato estão relacionados a um mesmo contexto: muda o empreiteiro, o engenheiro da Petrobras, mas o modo de operar é o mesmo. Questionar algo fora da denúncia em casos como esses é absolutamente possível, não há ilicitude nenhuma. Até porque quando o juiz se depara com a prática de um crime no curso do processo ele tem inclusive a obrigação de comunicar ao Ministério Público, conforme estabelecer o artigo 40 do Código de Processo Penal.

Fabio Guaragni,  doutor em direito, professor de direito penal na Unicuritiba.

“De acordo com o princípio acusatório, que norteia o processo penal, o processo é de partes. As partes – acusação e defesa – devem trazer tudo que é importante [para o processo]. O juiz preside o processo, mas não é o responsável pela produção de provas, sobretudo provas da acusação. Cabe ao Ministério Público, estabelecer na denúncia tudo que a acusação entende como relevante e pertinente ao objeto do processo.

A impugnação da defesa foi procedente naquele momento porque, os advogados se preparam à luz do que foi trazido pelo Ministério Público nos autos.

Por outro lado, o juiz manifestou a preocupação para procurar demonstrar um modus operandi. Claro que preocupação faz sentido, mas deveria ter sido trazida pelo MP no momento de oferecimento da denúncia. Estou falando tudo isso em tese, mas, se há algo de relevante fora dos autos, azar da acusação. A defesa não pode ser surpreendida na audiência com elementos adicionais não albergados na de núncia. A defesa não pode ficar conjecturando sobre o que vai aparecer de novo para além da denúncia.”

Rogério Taffarello,  advogado, coordenador do Ibccrim, mestre e doutorando em direito penal pela USP
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