Com o sucesso da Lava Jato, que conta com grande apoio popular, o Ministério Público Federal lançou um pacote de 10 medidas contra a corrupção no Brasil, que, logo de início, teve bastante respaldo. São sugestões de mudanças legislativas que pretendem, entre outras coisas, acabar com a impunidade e dar maior celeridade ao processo nos casos de desvio de dinheiro público.
As medidas são definidas pelo presidente da Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR), José Robalinho Cavalcanti, como “uma pequena revolução para o bem no nosso sistema jurídico”. Na opinião dele, essas medidas se unem a uma série de outras mudanças que vêm sendo feitas com o objetivo de racionalizar o sistema jurídico, sem perda de garantias, como o novo Código de Processo Civil (CPC). Além disso, para o procurador, a população tem demonstrado grande apoio e entendeu a importância das propostas.
“De um modo geral, no cenário político, ninguém se coloca contra medidas que venham robustecer o sistema democrático e evitar os desvios que a prática corrompida proporcionar”, considera a professora de Direito Constitucional da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Melina Fachin. Mas, para ela, algumas das medidas propostas pelo MPF “são complicadas do ponto de vista de garantias constitucionais”.
Para o presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), Carlos Sobral, esse é um projeto que traz avanços importantes, mas que trata muito pouco das instituições. “Há uma preocupação muito grande com o direito penal e os processos, e uma preocupação muito pequena com quem vai operar a legislação. Mas, no âmbito geral, é um projeto que traz avanços ao combate ao crime organizado e à corrupção.”
Teste de integridade
Apesar de a iniciativa ter recebido muitos elogios pelo conjunto, algumas das propostas receberam duras críticas, como a do teste de integridade, que é a “simulação de situações, sem o conhecimento do agente público ou empregado, com o objetivo de testar sua conduta moral e predisposição para cometer crimes contra a Administração Pública”, de acordo com o próprio texto do MPF.
Para Melina, o teste de integridade, “além de ser de muito mal gosto, macula o princípio da presunção de inocência”. Na opinião dela, é preciso partir do pressuposto de que todas as pessoas são honestas.
Carlos Sobral explica que o direito brasileiro não permite um flagrante preparado, portanto, segundo ele, no campo penal o teste de integridade não seria aceito e, no campo administrativo, é questionável esse clima de vigilância dos servidores. E ele propõe mudanças a essa medida. “A proposta é de que, quando houver suspeita de que um servidor ou uma autoridade pratica algum tipo de ilicitude, ter uma autorização judicial e realizar o teste dentro desse contexto”, explica. Ainda de acordo com o delegado federal, o teste de integridade é algo que tem de ser muito bem pensado para não ser transformado em um instrumento de perseguição política.
Robalinho rebate as críticas a esse ponto: “Há uma má compreensão do que significa o teste de integridade. Não tem objetivo primordial de ter efeitos criminais”. Segundo o procurador, o principal propósito é modificar a cultura existente em determinados setores do funcionalismo público em um curto espaço de tempo.
O presidente da ANPR cita como exemplo Hong Kong, onde esta medida, aliada a campanhas de combate ao crime organizado, reduziu drasticamente os índices de corrupção. “Não nego o caráter inovador. É um passo importante para transformar em prazo curto e de maneira eficiente.”
Uso de provas ilícitas
Outro ponto polêmico se refere a uma alteração no Código de Processo Penal que, segundo algumas críticas, pode tornar aceitável a utilização de provas obtidas ilicitamente. A proposta prevê a inclusão de novos trechos no artigo 157 da lei “para introduzir a ponderação dos direitos e interesses em jogo na avaliação da exclusão da prova”. Segundo o texto de apresentação dessa medida, a alteração tornaria a legislação brasileira semelhante à de outros países democráticos, como os Estados Unidos.
Na opinião da professora de Direito Constitucional da UFPR, essa opção não pode nem ser colocada pra discussão. “A nossa Constituição já fez a opção pelo devido processo legal. Não se pode utilizar a máxima maquiavélica de que os fins justificam os meios”, afirma Melina.
Robalinho também justifica essa medida a partir da experiência internacional. Segundo ele, o críticos recorrem à teoria do fruto da árvore envenenada [segundo a qual a prova obtida por meio ilícito também deve ser considerada ilícita, portanto não pode ser usada no processo], mas a alternativa tem origem no mesmo lugar de onde vem a teoria. “Essa proposta vem da jurisprudência dos EUA – de onde também vem a teoria do fruto da árvore envenenada –, não foi inventada para o Brasil.” Ele acrescenta que, de qualquer maneira, em cada caso, o Judiciário sempre decidirá se há proporcionalidade de usar essa medida.
Mas o presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal explica que, se a prova é ilícita, é porque houve violação de algum direito. “Nós temos que separar prova ilícita de prova ilegítima. A ilegítima é quando uma forma não foi observada, então não há um direito fundamental violado, essa poderia então ser convalidada. Agora prova ilícita derivada de uma tortura, de uma interceptação clandestina, de alguma violação a direito fundamental, nó entendemos que não pode ser aceita, mesmo porque nós não precisamos disso”, defende Carlos Sobral. “Nós temos condições de combater o crime sem praticar ilicitude. Mesmo que de boa-fé, se tem uma ilicitude, nós entendemos que não podemos usar.”
Os procuradores do Ministério Público Federal do Paraná foram procurados, mas, segundo a assessoria de imprensa, não poderiam responder até o fechamento da matéria.
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