Ela [Dilma] era o alvo, não há dúvida disso. Mas ainda não deu nem missa de sétimo dia dessa história [dos protestos]. Tem que esperar um pouco para ver como vai ficar.
Um dia depois de participar da sessão que levou à polêmica demissão do ministro da Educação, Cid Gomes, o presidente Eduardo Cunha (PMDB-RJ) viajou nesta quinta-feira (19) para Curitiba. A cidade é o primeiro destino do projeto Câmara Itinerante, em que Cunha pretende visitar os 26 estados até o final de 2016. À noite, ele tinha agendado um culto na igreja Assembleia de Deus (da qual é seguidor) e hoje vai à Assembleia Legislativa debater, entre outros temas, a reforma política.
Antes da viagem, falou com exclusividade com a Gazeta do Povo em seu gabinete no Congresso Nacional. Sobre o episódio com Cid Gomes, disse que o ex-ministro foi à Câmara para “fazer show” e que agiu com o propósito de ser demitido ao manter as agressões contra os deputados (foi convocado justamente para se explicar sobre as declarações de que haveriam de 300 a 400 achacadores na Casa).
Cunha continua sem achar motivos para a abertura de processo de impeachment contra Dilma. Também declarou que a crise na relação entre PT e PMDB não vai mudar com a nomeação de mais ministros peemedebistas. “Se der mais dez ministérios para o PMDB, o problema vai continuar igual.”
Pela primeira vez, se posicionou sobre as eleições para o Palácio do Planalto, em 2018. Disse que não sabia se desejava ser presidente. Depois, que não passava pela sua cabeça. Por último, apontou o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, como seu candidato.
Qual é o significado da demissão de Cid Gomes?
É o significado do tamanho dele. Ele veio aqui para ser demitido, não veio para se explicar. Na verdade mesmo, veio para fazer show, teatro.
Mas a mensagem que ficou para o público em geral foi de que o sr. interferiu na demissão, que foi uma demonstração de força.
Se ele veio aqui para ser demitido, como é que eu interferiria nisso? Ele que afrontou mais uma vez o Parlamento. Já tinha afrontado antes. Ao invés de se retratar, continuou insultando o Parlamento. Ou ele saía do governo ou essa Casa ia entrar em confronto com o Executivo. Então, eu não tenho dúvida de que ele veio aqui para sair. Se ele não viesse aqui com esse objetivo, não faria o show que fez.
Mas o sr. acha que foi um show combinado com a presidente Dilma?
Não. Foi combinado talvez com o irmão dele [o ex-deputado, ex-ministro e ex-governador do Ceará, Ciro Gomes]. Ou com o Tico e o Teco, os neurônios dele. Com a presidente, eu não acredito.
O sr. acha que a Câmara, como instituição, sai mais forte desse episódio?
O fato de que o ministro que agrediu o Parlamento veio aqui se explicar torna a Câmara mais forte. Agora, o que ele falou aqui é consequência da política. Se ele optou por acusar ou afrontar, já sabia que perderia o cargo. Seria até mais forte ele se retratar.
Não sei se o sr. viu a repercussão da demissão dele, principalmente nas redes sociais, mas se fala que o sr. é o presidente da República.
Isso é bobagem, não é por aí.
Muito se fala que a presidente vai fazer uma reforma ministerial em que daria mais espaço ao PMDB. Isso resolve a situação de afastamento em relação ao PT?
Não existe isso. Porque o PMDB não está discutindo espaço no governo. Geralmente, uma parte da opinião pública só tenta fazer valer que o PMDB é um partido fisiológico, que tudo o que acontece no país é uma trama do PMDB para ter mais cargos. Isso não corresponde à realidade. Não estamos atrás de cargos. O partido gostaria de participar mais. É participar discutindo tudo aquilo que precisa acontecer previamente. O PMDB nunca participou disso. Ainda por cima teve que acompanhar um processo em que o governo ajudou a patrocinar um partido fictício [O PL, organizado pelo ministro das Cidades, Gilberto Kassab] com o objetivo de nos enfraquecer. Se der mais dez ministérios para o PMDB, o problema vai continuar igual.
Mas o que é exatamente esse “participar”?
Por exemplo, quando a gente vai discutir o ajuste fiscal, quer saber quais são as medidas iniciais, quer influenciar, quer concordar ou não com elas. Não simplesmente tomar conhecimento pela imprensa e sair depois tendo que falar sobre uma coisa que nem sabe do que se trata. O PMDB não aceita mais isso.
E tem saída para isso, a presidente aceitaria uma participação assim?
A questão é a seguinte: tem que parar de discutir se o PMDB vai ter este ou aquele governo, tem que discutir se o PMDB entra no governo de verdade.
Passados quatro dias das manifestações, o sr. acha que a presidente aprendeu algo com o que aconteceu?
Ela era o alvo, não há dúvida disso. Mas ainda não deu nem missa de sétimo dia dessa história. Tem que esperar um pouco para ver como vai ficar.
Mas e a reação do governo, como a apresentação do pacote anticorrupção?
Hoje o governo enviou o pedido de urgência para dois dos projetos anticorrupção apresentados. Um tramita aqui há dez anos e outro há quatro. De repente descobriu que eles eram urgentes? Isso aí foi uma maneira de dar satisfação. Acho que a tentativa de buscar essa satisfação é justa, correta, mas achar que isso resolve o problema, por que não pediu urgência antes?
Então o sr. acha que ainda não houve resposta da presidente às manifestações?
Eu acho que a resposta não se dá apenas por um gesto, um único ato. A gente está vivendo uma crise política. O que vai resolver é um conjunto de mudanças que atinja a forma geral de se fazer política. Não é mudar o nome do articulador político, é mudar a forma como ela é feita, por exemplo.
O sr. já se posicionou diversas vezes contrário ao início de um processo de impeachment contra Dilma. O que faria o sr. mudar de ideia?
Nesse momento? Só mudaria de opinião se houver um ato praticado por ela, no exercício do atual mandato e que haja uma denúncia do procurador-geral da República por crime de responsabilidade e que alguém proponha à Câmara uma denúncia sobre isso. É o que está na lei. Tem que ser uma ação decorrente do exercício do mandato. Na minha opinião, não tem o que fazer quanto a isso.
Mas o que o sr. acha da pressão popular pelo impeachment?
As pessoas estão achando que impeachment é recurso eleitoral. Não é. Impeachment é uma situação de constrangimento do país, de impedimento do presidente da República. Só aconteceu uma vez na nossa história, por outras razões. Você não pode achar que o Brasil é uma republiqueta que vai trocar presidente de uma hora para outra. O sistema presidencialista leva a isso. Quem votou e se arrependeu tem que esperar quatro anos para mudar o presidente. Assim como aquele que votou em mim e se arrependeu também tem que esperar. É bom para o aprendizado político, para que da próxima vez as pessoas prestem bem atenção em quem vão votar.
Mudou algo internamente na Câmara depois da divulgação da lista dos políticos que serão investigados pela Lava Jato, que inclui o seu nome?
Eu vejo [a pergunta] como algo contraditório. Você primeiro vem aqui e me pergunta se eu fiquei mais forte porque derrubei o ministro. Eu acho que não mudou nada. Até porque eu tive uma postura de espontaneamente apresentar a minha defesa completa. O procurador [Rodrigo Janot] escolheu a quem investigar. E ele me escolheu para investigar. A verdade nua e crua é que ele não tinha base para abrir a investigação contra mim. Eu acho que consegui mostrar à Casa que aquilo foi uma decisão política, com o objetivo de enfraquecer o Parlamento e quem está no seu comando. A mediana das pessoas aqui na Casa entendeu isso.
Ou seja, para o sr. não houve prejuízo na relação com os deputados por ser um dos investigados?
Pelo contrário, eu estou sendo tratado como vítima pelos parlamentares.
Tem medo que o processo se estenda e que a investigação seja constrangedora para o sr.?
Eu já respondi a dois inquéritos e a uma denúncia no Supremo Tribunal Federal na minha carreira. Nos dois inquéritos, um foi de pronto negada a instauração. O outro foi arquivado ao seu fim. E na denúncia, feita sem inquérito, eu fui absolvido por unanimidade. Eu estou habituado com essas coisas. Vou trabalhar e demonstrar a minha inocência. Estou absolutamente tranquilo.
Há uma data-base para a votação da reforma política? O sr. tem acompanhado o andamento da comissão especial sobre o assunto?
Sim, as 40 sessões regimentais. Se está andando direitinho na comissão, é problema deles. Passadas as 40 sessões, eu avoco o projeto para o plenário. Se não tiver uma proposta com mudanças, eu voto a original. Isso é uma decisão política.
Amadureceu algum ponto em discussão?
Eu viajo agora [ontem] para Curitiba, junto com o relator da reforma política [Marcelo Castro (PMDB-PI)] e vou ter oportunidade de saber como está. Eu estou vendo a proposta do Distritão [adoção de voto majoritário para as eleições parlamentares] crescer muito na Casa. Financiamento público não passa aqui.
Uma última pergunta: o sr. deseja ser presidente da República?
Que pergunta... Eu não sei. Não passa pela minha cabeça. Eu trato a política da forma como ela é, usando uma passagem bíblica: para cada dia, a sua agonia. Eu vivo uma agonia de cada vez. Eu sou presidente da Câmara hoje, como já fui líder do PMDB. As coisas que aconteceram para mim, foram acontecendo, com os espaços se abrindo. Eu não faço política hoje pensando no cargo que eu vou disputar amanhã.
Só fazendo um contraponto: o PMDB já decidiu que terá candidato em 2018.
Meu candidato é o Eduardo Paes [prefeito do Rio de Janeiro]. Vai ser, depois da Olimpíada de 2016, um prefeito muito bem avaliado, com um bom ativo para mostrar.
É ele?
Meu candidato é o Eduardo Paes. Mas se você quiser que eu seja seu candidato... [risos].
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