O perfil “bombástico” da Operação Lava Jato faz com que cada capítulo das investigações se aproxime de um roteiro televisivo. Não faltam elementos para uma grande narrativa: histórias entrelaçadas, personagens icônicos, momentos de calmaria e de tensão, além de um núcleo cômico. As características levaram o diretor José Padilha a idealizar uma série baseada na operação – o lançamento, no Netflix, é previsto para 2017.
Conheça os “vilões”
Alberto Youssef, vendedor de pastel
Paulo Roberto Costa, o “paizão”
Nestor Cerveró, reconhecido na rua
Nem o conhecido autor de novelas Aguinaldo Silva escondeu seu apreço pela história que envolve a Lava Jato. “É a maior novela de todos os tempos”, disse ao colunista Marcelo Gois. Silva é o criador de Nazaré Tedesco (Renata Sorrah, em Senhora do Destino) e Perpétua (Joana Fomm, Tieta do Agreste) e disse que os “vilões” da operação são “imbatíveis” e deixam suas personagens “no chinelo”.
No centro da narrativa está o mais novo herói eleito por parte da sociedade brasileira: o juiz federal Sergio Moro, que, com seu pulso firme, conduz parte dos processos da Lava Jato em Curitiba. Porém, há quem o ame, mas também quem o odeie. Já entre os investigados do esquema de corrupção na Petrobras, são vários os personagens que dividem protagonismo.
Os capítulos ainda estão sendo construídos, mas a sinopse já é de conhecimento geral. Conheça, então, um pouco mais dos personagens dessa trama.
* Alguns trechos foram extraídos do livro Lava Jato: o juiz Sergio Moro e os bastidores da operação que abalou o Brasil, do jornalista Vladimir Netto.
Youssef, vendedor de pastel
De família simples, natural de Londrina, no Norte do Paraná, Youssef começou a trabalhar aos sete anos como vendedor de pastel no aeroporto da cidade. De lá, tirou sua inspiração: observava, dia a dia, os maiores contrabandistas do país em ação. Logo, aprendeu a pilotar aviões, atividade que facilitava sua entrada e saída com muambas do Paraguai. Dali, foi um passo para começar a “fazer” dinheiro no mercado de câmbio. Depois de fornecer ajuda financeira para a campanha do ex-deputado José Janene (PP), cobrou a dívida. Mas só foi pago após sair da prisão, graças a um acordo de delação premiada por envolvimento no caso Banestado, que investigava o envio de R$ 30 bilhões do Brasil para os Estados Unidos. Como recompensa, ganhou passe livre no esquema da Petrobras. Com a morte do ex-parlamentar, em 2010, passou a controlar praticamente todo o repasse ilícito a políticos do PP. Se tornou uma das principais “engrenagens” do esquema – era quem tornava “tudo possível”. Com a ajuda de seus empregados, entregava remessas de dinheiro, escondidas em malas e até debaixo das roupas, semanalmente ou quinzenalmente, para grandes empresários e políticos. De tanto trabalhar, certa vez, enfartou. Diagnosticado com apenas 37% da capacidade cardíaca, deveria ter ficado em repouso absoluto, mas não parou. Mesmo com o “coração fraco”, desfrutou dos prazeres da riqueza: comprou um apartamento de R$ 3,8 milhões em São Paulo, teve dez carros luxuosos em nome de terceiros, passeou em iates e jatinhos. Tinha dificuldade em manter 34 aparelhos celulares – praticamente um para cada contato, que sempre o chamavam de “Primo”. Corajoso a ponto de “mamar em onça”, apenas um homem lhe mete medo: Sergio Moro. Diante do juiz, resolveu tornar sua história digna de “vale a pena ver de novo” e delatou novamente. Prestes a deixar a cadeia, diz não ter apego ao dinheiro e não ver problema em voltar “a vender pastel”.
Paulo Roberto Costa, o paizão
Nasceu no distrito de Cidade Nova, atual município de Telêmaco Borba, nos Campos Gerais. É formado em engenharia mecânica pela UFPR e se especializou em engenharia de instalações no mar. Fez concurso para trabalhar na Petrobras, na qual ingressou em 1977. Evoluiu na carreira e chegou a direção da Gaspetro entre 1997 e 2000. Mas sabia que, para alcançar os mais altos patamares da estatal, dependia de um “padrinho” político. O encontrou no ex-deputado José Janene, que o ofereceu uma diretoria da empresa em troca de “favores” ao PP, seu partido político. Nos bastidores de Brasília, virou “Paulinho”, aquele que chegou a acumular US$ 23 milhões em uma só conta na Suíça. Ganhou uma festa – e um rolex – do partido ao qual era fiel. Ficou no cargo por oito anos, até 2012, mas, mesmo depois de deixar a Petrobras, recebia recompensas “atrasadas” pela colaboração no esquema. Num impulso, aceitou um carro como pagamento do doleiro Alberto Youssef. Sonhava em ter uma Range Rover. Nem imaginava que o mimo representaria sua queda. Homem firme, amoleceu com o sofrimento da família, que também foi envolvida na Lava Jato por destruição de provas. Acabou como primeiro delator do esquema na Petrobras, mas, mesmo com a expectativa de liberdade, não se sentiu bem em envolver outras tantas famílias no centro das investigações. E foram várias as afetadas: ao menos 27 políticos citados em 80 horas de depoimentos. Em três oitivas na CPI da Petrobras, compareceu com três aparências diferentes: de cara lisa, de bigode, e com a barba cheia, revelando sua mudança de comportamento a cada nova implicação na Lava Jato. Aliviado da pena, cumprida agora com uma incômoda tornozeleira eletrônica, comemora estar em casa, ao lado da esposa, das filhas e dos netos, que quer ver crescer.
Nestor Cerveró, reconhecido na rua
Engenheiro químico, Cerveró foi funcionário de carreira da Petrobras entre 1975 e 2014. Entrou no esquema de corrupção quase da mesma forma que seu colega de trabalho, Paulo Roberto Costa. E caiu nas redes dos investigadores pelo mesmo motivo: ganhou uma Range Rover de outro operador do esquema. Mesmo antes, ele vinha sendo investigado e já tinha sido preso por suspeita de recebimento de propina. Diretor da área Internacional, pelas suas mãos passavam os grandes projetos da Petrobras, como a compra de refinaria de Pasadena (EUA), negócio que se mostrou prejudicial à companhia. O motivo: corrupção. Essa parte ele só revelaria, porém, com a prisão, concretizada na aterrissagem das férias, ainda no aeroporto, no Rio, depois de um réveillon em Londres. A cadeia mudou o homem, que relutava em entregar o esquema. Mantinha-se cabisbaixo. Orientado por seu advogado, esperava aflito o resultado de cada um dos habeas corpus. Há relatos de que chegou a defecar na pia instalada na cela. A família foi importante para manter a força do patriarca. O ator profissional Bernardo, um de seus filhos, percebeu o comportamento estranho de seu advogado e acabou praticamente assumindo a defesa do pai. Em trama digna de novela, o filho gravou uma conversa que denunciava o plano do ex-senador Delcídio do Amaral de impedir que o ex-diretor entregasse o esquema à Justiça. Com o flagra, Cerveró teve finalmente seu acordo de colaboração assinado e, depois de um ano e meio preso, pode voltar ao convívio familiar, cumprindo prisão domiciliar, em Itaipava, na região de Petrópolis (RJ). No caminho para casa, porém, a aparência o denunciou. Ele apresenta um dos olhos visivelmente mais baixo e saltado do que o outro. Especula-se que é resultado de soma de duas condições raras, a ptose e a exoftalmia. Reconhecido, foi vaiado e chamado de ladrão pelos demais passageiros do avião.
Delcídio, político influente
Apesar de ter firmado carreira como um dos políticos mais influentes do Brasil, especialmente na era PT, sua história vai ficar marcada por outro fato: foi o primeiro senador da República preso no exercício do mandato. Quando a Polícia Federal bateu à sua porta, questionou até mesmo a legalidade da detenção. Antes da política, construiu um currículo profissional invejável. Engenheiro eletricista, participou da construção e montagem da Usina de Tucuruí (PA) aos 28 anos e trabalhou por dois anos na Shell, na Holanda. O acúmulo de experiência o fez, já no Brasil, diretor da Eletrosul em 1991. Dali, chegou até a chefia do Ministério de Minas e Energia. Ao lado de Nestor Cerveró e Paulo Roberto Costa, foi diretor de Gás e Energia da Petrobras entre 2000 e 2001. Naquele ano, se aproximou do PT, que o levou a vencer a disputa ao Senado em 2002. Foi reeleito com 330 mil votos a mais do que os do primeiro pleito. Chegou a ser eleito um dos 15 melhores senadores do país, mas nunca atingiu a (tão sonhada) cadeira de governador do Mato Grosso do Sul. Como consolação, foi alçado à liderança do PT no Senado. Liderar foi o que mais tentou fazer – sem sucesso – nos últimos tempos. Próximo da presidente afastada Dilma Rousseff, tentou alertá-la para o pior cenário com o avanço da Lava Jato. Não adiantou. Diz ter sido procurado pelo ex-presidente Lula, que o teria designado uma missão: monitorar Cerveró. No que define hoje como uma “conversa louca e absurdamente irracional”, planejou a fuga do ex-colega e o ofereceu uma mesada. O diálogo foi gravado. Na noite anterior à prisão, teve uma dor de cabeça como nunca. Depois de passar Natal e ano-novo na cadeia e de consecutivas derrotas – alvo da Comissão de Ética do Senado e detentor do desprezo do PT e de Lula –, acabou como tantos outros: delator. Em três dias, contou tudo, mas pedia pausas: o arrependimento pesava. Oito dias depois, estava solto, pronto para reocupar sua cadeia no Senado, o que nunca ocorreu.
Sergio Machado, pesadelo do interino
Aos desatentos, este cearense pode aparentar ser uma ameça menor em relação aos demais personagens da Lava Jato. Ledo engano. Seu acordo de delação premiada abalou ainda mais a já fraca estrutura do governo interino. Suas citações e gravações derrubaram três ministros de Michel Temer em pouco mais de um mês e ainda têm proporcionado muita dor de cabeça a pelo menos outros 20 políticos. Filho de um ministro da gestão João Goulart, Machado entrou no mundo político só aos 40 anos, como secretário do governador do Ceará, Tasso Jereissati. Filiado no PMDB, migrou para o PSDB, mas manteve trânsito aberto entre as duas legendas. Foi deputado federal e depois senador. Curiosamente, no Congresso, subscreveu diversos projetos de reforma política: queria o fim do voto obrigatório, restrições a divulgação de pesquisas eleitorais, veto a coligações partidárias nas eleições proporcionais, maior rigidez na fidelidade partidária, exclusividade ao financiamento público de campanhas, entre outras mudanças. Em 2002, tentou se eleger governador do Ceará com o apoio do ex-presidente Lula. Não obteve êxito. O petista, então, o indicou à presidência da Transpetro, com o apadrinhamento do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Ficou no cargo por 11 anos e 4 meses, quando, em novembro de 2014, seu nome foi citado por Paulo Roberto Costa como envolvido no esquema de distribuição de propina da estatal. Primeiro, se afastou do cargo. Depois de três meses, renunciou. Apenas um ano e meio depois, porém, voltaria a estampar as manchetes, já como delator. As gravações que revelou ao público podem ser explicadas por uma paranoia do ex-presidente, que, de acordo com relato da coluna Expresso da revista Época, tinha o hábito de gravar as conversas que considerava como “delicadas”. Já segundo o jornal El País, ele não começava nenhum diálogo sem antes se certificar que não estava sendo gravado.
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