Com o fim do recesso parlamentar a partir da próxima segunda-feira (1.º), o processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff volta à discussão na Câmara dos Deputados. Para especialistas consultados pela reportagem, o saldo das férias legislativas de quase 40 dias, com as recentes sinalizações do PMDB contra o impeachment, é favorável ao Planalto. Mas ao menos cinco fatores que não podem ser totalmente controlados pelo governo ameaçam mudar o cenário para Dilma.
Veja os 5 fatores que vão pesar no processo de impeachment de Dilma
“Midiaticamente, o processo de impeachment esfriou. Houve uma falta de novidades sobre o tema e a mídia vive do calor da notícia”, diz o cientista político Murillo de Aragão, presidente da Arko Advice Pesquisas. “Mas, processualmente, o tema está lá, na Câmara, e será enfrentado. Nesse momento, o quadro é mais favorável ao governo, mas há uma série de indefinições pela frente, no ambiente econômico, nos desdobramentos da Lava Jato.” Aragão diz que Dilma terá de negociar muito para evitar o impeachment. “São pequenos elementos que, juntos, formam um conjunto complexo para a questão do impeachment. Mas o que vai decidir mesmo se a Dilma perderá ou não o mandato é a competência política do governo para articular a recuperação de uma maioria no Congresso.”
O economista Roberto Piscitelli, da Universidade de Brasília (UnB), concorda que há um leque de fatores que influenciam o processo de impeachment. Mas, para ele, o “fator Eduardo Cunha”, presidente da Câmara e principal articulador do impeachment, pode ter um peso determinante. Especialmente porque o Supremo Tribunal Federal (STF) vai julgar já em fevereiro o pedido da Procuradoria-Geral da República para afastá-lo da Câmara, sob a acusação de que está atrapalhando a Operação Lava Jato.
Fator judiciário (O destino de Cunha)
Fator partidário (O rumo do PMDB)
Fator econômico (Desemprego e inflação)
Fator povo (Manifestações de rua)
Fator policial (Operação Lava Jato)
Fator judiciário
Responsável pela deflagração do impeachment contra a presidente Dilma, o próprio presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, não sabe se conduzirá a retomada do tema na Casa. A definição está nas mãos do poder vizinho, o Supremo Tribunal Federal (STF), que também volta a funcionar em fevereiro. Na pauta do STF está uma petição do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, para afastar Cunha do seu mandato parlamentar, sob a acusação de atrapalhar as investigações da Operação Lava Jato. O relator do caso, ministro Teori Zavaski, decidiu levar a discussão para o plenário da Corte, que deve se debruçar sobre a petição ainda em fevereiro.
Até agora, Cunha tem liderado a estratégia da oposição em torno do impeachment. No papel de comandante da Casa, Cunha também consegue influenciar no ritmo das votações de matérias de interesse do governo federal.
Para o economista Roberto Piscitelli, a saída do peemedebista mudaria o clima político. “Já há um cansaço da sociedade em geral e do meio empresarial sobre essa indefinição, se haverá o impeachment ou não. E um dos motivos do cansaço são esses permanentes ataques, manobras, do Cunha. A oposição se aproveita, mas ela também não tem um plano alternativo de governo. Acredito que a saída do Cunha dá uma desanuviada geral no quadro político”, diz.
Mas nem todos os aliados do Planalto acreditam que sua saída seria de fato positiva para a presidente Dilma. No duelo direto, avaliam aliados, a petista teria uma imagem melhor do que a do polêmico adversário, o que poderia favorecê-la se a briga permanecesse polarizada.
Fator partidário
Maior partido da base de Dilma, o PMDB é considerado o fiel da balança para as votações do impeachment. Durante o recesso no Congresso, duas sinalizações do partido favoreceram a presidente: as negociações de bastidores que colocam o deputado Leonardo Picciani (RJ) como favorito a ser reconduzido à bancada do PMDB na Câmara; e a articulação de Michel Temer para permanecer no comando nacional do partido, o que o obrigou a adotar um discurso mais conciliador em relação a Dilma.
“Mas é preciso aguardar a confirmação de Picciani e, ainda assim, observar o comportamento dele na liderança da bancada. Pode ser que ele não tenha uma postura totalmente governista, como o Planalto deseja. Ele sabe que a vitória será bastante apertada”, diz o cientista político Murillo de Aragão.
A eleição da bancada do PMDB está marcada para o próximo dia 17. Durante o recesso, para garantir o apoio da ala que defende o impeachment da presidente Dilma, Picciani concordou em modificar a lista de indicados do partido para a comissão especial do impeachment. A ideia seria formar uma lista com “representantes” de cada tendência da sigla.
A ala dissidente, que no final do ano passado tentou formar uma chapa alternativa à lista oficial de nomes, passaria a ter voz na nova formação. “A situação de Dilma só não está pior porque os peemedebistas vivem brigando entre eles”, diz o cientista político. Especialmente no ano passado, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), serviu como “contrapeso” para o Planalto, que vê na Câmara dos Deputados um ambiente mais complicado.
Fator econômico
O cenário negativo na economia, em especial os números do desemprego e da inflação, influenciam no clima político do Congresso e, por consequência, no apoio ou não à presidente Dilma na questão do impeachment. “A influência é indiscutível. Os números econômicos alimentam a especulação em torno do impeachment e o quadro político também tem influência na economia. As pessoas aguardam uma definição política para fazer e retomar investimentos. Uma vez superado o obstáculo, há uma oportunidade de recuperação dos números”, afirma o economista Roberto Piscitelli.
Ele lembra que o tema do emprego é “algo sempre muito caro ao PT” e que certamente tem poder para influenciar votos até mesmo dentro da bancada aliada. “Houve uma queda da renda real média e isso tem um impacto nas classes mais baixas”, afirma. “A gente tem visto uma tentativa do governo federal para aumentar a oferta de crédito pessoal, com os bancos oficiais na linha de frente. Mas é preciso ter cautela para aumentar o consumo. Não vai adiantar as pessoas se endividarem ainda mais”, alerta o economista, que defende a retomada de obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e o investimento em pequenos e médios empreendimentos para reaquecer a economia.
Até março, novos números de emprego e inflação devem ser divulgados. Na Câmara Federal, até agora, os parlamentares tem trabalhado com a ideia de concluir a discussão sobre o impeachment até o fim desse mês.
Fator povo
No fim do ano passado, quando havia um debate sobre a suspensão ou não do recesso parlamentar, a oposição optou pela manutenção da folga. Mês de férias, janeiro não serviria para mobilizar a população. Com o retorno dos trabalhos legislativos, a expectativa da oposição é que haja algum engajamento das ruas a favor do impeachment. Em dezembro, a primeira manifestação de rua após a deflagração do impeachment atraiu um número menor de pessoas, na comparação com as demais mobilizações de 2015.
Para o administrador e estudante Raphael Kita, do movimento Vem pra Rua de Brasília, a manifestação de dezembro foi menor em função do curto tempo de organização. “A gente chamou as pessoas durante uma única semana. Foi organizada de forma relâmpago”, diz ele. Kita acredita, contudo, que a manifestação marcada para 13 de março deve atrair mais gente e influenciar a decisão dos parlamentares. “A temperatura das ruas faz diferença. Tanto que várias decisões do Executivo estão paradas aguardando a manifestação de março.”
Outro fator “externo” que pode influenciar a discussão do impeachment no Congresso é a eleição municipal. Embora o pleito para escolha de vereadores e prefeitos esteja marcado para outubro, as articulações nos partidos se intensificam antes mesmo das convenções do meio do ano. Aliados ao Planalto avaliam que os acordos locais envolvendo legendas variadas podem frear os ânimos da oposição em Brasília.
Fator policial
O surgimento de novos fatos no âmbito da Operação Lava Jato – e também da Zelotes – traz o imponderável para o jogo do impeachment. Na semana que passou, durante a 22ª fase da Operação Lava Jato, batizada de Triplo X, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva apareceu pela primeira vez como um provável alvo da investigação conduzida pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela Polícia Federal (PF) do Paraná.
Com isso, a Lava Jato se aproxima cada vez mais de políticos muito próximos a Dilma. No fim de novembro, o então líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PT-MS), foi preso. Aliados do PMDB e do PP também estão na mira das investigações, inclusive o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB).
O Planalto tenta se distanciar das investigações, mas a oposição bate forte na corrupção no governo. Dependendo dos desdobramentos das investigações, o Planalto teme que a situação respingue na presidente Dilma e no processo de impeachment.
Outro temor do Planalto é a influência da Lava Jato na ação de impugnação do mandato de Dilma que corre no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ela e o vice Michel Temer são acusados de suposto abuso de poder político e econômico nas eleições de 2014. O PSDB, autor da ação, argumenta, entre outras coisas, que a campanha eleitoral da petista recebeu “propina” de empreiteiras contratadas pela Petrobras através de “doações oficiais”.
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