De Santa Cruz do Sul (RS), cidade a 150 quilômetros de Porto Alegre, veio a primeira manifestação pública de um magistrado contrário ao auxílio-moradia de que se tem notícia. O juiz Celso Fernando Karsburg, do Tribunal Regional do Trabalho da 4.ª Região, abriu mão do benefício de R$ 4,4 mil mensais por considerar o pagamento "imoral" e "antiético". Depois dele, que publicou artigo em um jornal regional no início de outubro explicando seu ponto de vista, outros dois desembargadores gaúchos também negaram o auxílio.
No Paraná, não há notícia de que algum juiz, desembargador, procurador ou promotor já tenha renunciado ao pagamento. Segundo o Ministério Público, 53 dos 699 membros não recebem o benefício, mas não é possível quantificar quantos não o solicitaram ou apenas não se enquadram nos pré-requisitos para receber o pagamento. Já o Tribunal de Justiça não informa dados referentes ao auxílio-moradia.
O benefício foi instituído a toda a magistratura nacional, mesmo àqueles que não têm gastos com moradia, por uma liminar do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, em setembro. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) regulamentou a questão na semana passada. No mesmo dia, o Conselho Nacional do Ministério Público também regulamentou o pagamento a promotores e procuradores. A Gazeta do Povo conversou com Karsburg.
Por que o sr. renunciou ao auxílio?
O auxílio-moradia é uma resposta à falta de reposição salarial anual aos magistrados pelo Executivo. Os juízes então começaram a entrar com ações para compensar. E uma das maneiras foi o auxílio-moradia. O benefício é previsto na Loman [Lei Orgânica da Magistratura] desde 1979. Nesses 35 anos, ninguém requisitou. Eu já trabalhei em região de fronteira e tinha que pagar hospedagem do bolso. Nesse caso eu acho justificado. Mas não indistintamente, a qualquer um. A grande maioria [dos magistrados] já tem moradia. O Estado não tem dinheiro para pagar remédio para os doentes, mas vai ter que ter para pagar juízes. Como foi a repercussão da sua decisão?
Fui execrado pelos colegas, eles mal me olham. Sou a Geni da vez. Mas a reação da sociedade foi favorável. Estive recentemente em um encontro de juízes do Trabalho em Canela [RS] e muitos demonstraram inconformidade com o auxílio, mas não sei se abriram mão. Eu sei de poucos que abdicaram. A PEC 63/13, que prevê indenização por tempo de serviço aos magistrados e membros do MP, pode ir pelo mesmo caminho?
O princípio é o mesmo do auxílio-moradia. Daqui a pouco, se o governo não repor os salários, alguém vai querer ganhar por tempo de serviço. A PEC é para valorizar o tempo de serviço na carreira, um incentivo para continuar na carreira. Pelo que me consta, tem natureza salarial, desconta impostos e incorpora na gratificação. Eu tenho 56 anos. Se receber, vou ficar mais tempo na carreira. O sr. então receberia gratificação por tempo de serviço, mas não o auxílio.
Entendo que ganhar por valorização do serviço, pagando impostos, e não receber uma verba indenizatória [como é o auxílio-moradia], é diferente. Eu fiz greve em 1999 para que fosse regulamentado o subsídio, que era para acabar com os penduricalhos dos salários, o auxílio-isso, auxílio-aquilo. Agora eles [os penduricalhos] estão voltando como verba indenizatória. A magistratura jogou fora a nossa luta. Por que o sr. considera o pagamento imoral?
Acho constrangedor. Não é ilegal, mas que é imoral, é. Tem juízes que estão aí desde que a Loman foi promulgada. Por que não pediram o pagamento antes? Isso mostra que a razão pela qual a decisão foi deferida é outra. E só aconteceu porque a caneta do ministro é forte. Mas isso não tira a questão da imoralidade da decisão. Não vejo nem moral e ética nisso. Há alguma chance de o benefício ser alterado?
A Advocacia-Geral da União está questionando como o ministro defere liminar que impacta todo o país sem consultar o plenário. Mas é um jogo de cartas marcadas, dificilmente os outros ministros irão votar contra.
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