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Jolcinei Marchezan, produtor rural de Luís Eduardo Magalhães, na Bahia, durante visita da Expedição Safra da Gazeta do Povo, em 2018 BA
Jolcinei Marchezan, produtor rural de Luís Eduardo Magalhães, na Bahia, durante visita da Expedição Safra da Gazeta do Povo, em 2018 BA| Foto: Rogério Machado / Arquivo Gazeta do Povo

Em suas andanças por fazendas e encontros com agricultores de todo País, Paulo Herrmann, ex-presidente da fabricante de máquinas agrícolas John Deere por duas décadas, diz ter detectado uma mudança causada pela pandemia que irá impactar profundamente o setor rural nos próximos anos.

Em muitas famílias, os jovens de origem rural que estudavam nos grandes centros foram obrigados a voltar para casa e aguardar o fim da quarentena. Essa estadia por mais tempo do que se imaginava, diz Herrmann, fez com que os jovens se deparassem com uma realidade que colocou em xeque seus planos. “Eles encontraram uma atividade com nível de tecnologia que não tinham ideia. Isso chamou atenção para o potencial de aumento de receita da atividade dos pais. E com os preços das commodities em níveis recordes e boas safras, o agricultor brasileiro passou a ter um caixa forte. E aí fez investimento de toda ordem na atividade, mais máquinas, mais internet, mais silos, mais energia solar, mais irrigação”.

Cercado de tecnologia, e de startups com soluções inovadoras para os negócios dos pais, muitos desses jovens teriam decidido ficar no campo. Pesou também o fato de as universidades adotarem amplamente os EADs e os conteúdos digitais. O resultado, diz Herrmann, deverá ser percebido em breve. “Em dois a três anos vamos ver avanços significativos, em termos de aumento de competitividade e uso mais eficiente das tecnologias. Essa é a grande leitura da pandemia no agronegócio. Estamos vivendo um momento muito especial no agro”, assegura o CEO da AgConsulting.

Média de idade do produtor brasileiro é de 46,5 anos

Se a tese de Herrmann se confirmar, a agricultura brasileira deve se distanciar mais um pouco dos seus principais concorrentes quanto ao envelhecimento de quem toca os negócios. No Brasil, a idade média do agricultor está em torno de 46 anos, contra 58 do americano. Na Europa, para cada produtor com menos de 40 anos existem três acima de 65. Essa diferença dos brasileiros em relação aos seus principais competidores pode ser ainda maior, conforme a região e a cultura agrícola envolvida. É o que mostra uma pesquisa da Fruto Agrointeligência, feita em 2020, no início da pandemia.

Segundo o levantamento, alguns setores da agricultura nacional já estão sendo “dominados” pela nova geração. Na ponta, os produtores de algodão, em que 60% têm menos de 35 anos (52% com curso superior). Em seguida os agricultores do Cerrado, onde 44% estão abaixo dos 35 anos (42% com curso superior), e os horticultores, dos quais 40% têm menos de 35 anos (26% com curso superior).

São dados que contrastam com informações do Censo Agro 2017, que apontava uma espiral de envelhecimento no campo. Aqueles com mais de 65 anos representavam 21,4%, contra 17,52% indicados pelo censo anterior, de 2006. “Esses dados, em termos de demografia, não têm mais valor científico algum. Qualquer estatística pré-pandemia é hoje um número histórico”, argumenta Hermann, que aposta que o próximo censo mostrará uma situação bem diferente.

Filhos estudam e adotam novas tecnologias

Quem corrobora a visão de que a idade do produtor brasileiro pode estar diminuindo é Fabiane Astolpho, professora da ESPM e diretora da Fruto Agrointeligência, que fez a pesquisa com 464 produtores e trabalhadores rurais de 15 cultivos diferentes, que representam 85% da área plantada no País. “Antes, imaginava-se que o agricultor teria idade mais alta e fosse mais conservador, mas isso não se aplica a todas as regiões do Brasil. Nesses três segmentos – algodão, Cerrado e hortaliças - a gente pode deduzir que está havendo uma sucessão bem feita. Os filhos que responderam à pesquisa estão estudando para assumir a administração da propriedade e estão adotando mais tecnologia”, assegura Fabiane.

Quando o quesito é uso de recursos digitais, a pesquisa da Fruto Agrointeligência apontou que 71% acessam esses canais e aplicativos diariamente, um índice que chega a 97% dos agricultores nas regiões de novas fronteiras. A internet, na maioria dos casos, só funciona na sede das fazendas. Apenas 23% das propriedades têm wi-fi em toda área, um gargalo fundamental a ser vencido, diz Fabiane, para frear o êxodo rural, fazer crescer os negócios e aumentar a produtividade.

No uso de ferramentas comerciais pela internet, a adesão dos produtores, constatou a pesquisa, é maior no Brasil do que nos EUA. Por aqui, 36% dos produtores fazem compras online para a fazenda, contra uma média americana de 24%. “São dados de um pouco antes da pandemia, agora esse índice deve ser ainda maior. É um indicador importante, porque mostra que o agricultor confia na compra digital, o que é diferente de só usar o WhatsApp”, pontua Fabiane.

Produtor paranaense Robert Milla inspeciona produção de soja na propriedade da família no município de Baixa Grande do Ribeira (PI), durante Expedição Safra da Gazeta do Povo em 2017
Produtor paranaense Robert Milla inspeciona produção de soja na propriedade da família no município de Baixa Grande do Ribeira (PI), durante Expedição Safra da Gazeta do Povo em 2017

Problemas do dia a dia da fazenda resolvidos via redes sociais

Outro recorte mostra que 85% dos produtores usam o WhatsApp para resolver problemas diários das operações na fazenda. Como o caso de um trator quebrado, por exemplo, em que pelo aplicativo o operador pediu para alguém na sede da fazenda buscar uma solução. “A pessoa foi lá, encontrou um tutorial, enviou o link pelo WhatsApp e o problema, que antes durava dois dias, foi resolvido em duas horas. Isso é maravilhoso, porque a agricultura não pode despender desse tempo. Com frequência o trabalho de manejo ou colheita tem janela apertada e não pode esperar”, relata Fabiane.

O WhatsApp é o aplicativo mais usado, enquanto em segundo lugar aparecem apps de acompanhamento do clima, fundamentais para quem trabalha numa fábrica a céu aberto, como costumam dizer os produtores. Na faixa acima dos 55 anos o acesso à internet é de 60%, um indicativo que salta para 95% na faixa entre 25 e 44 anos. A pesquisa aponta a existência de perfis muito diferentes, conforme região, atividade desenvolvida e faixa etária, o que exige ferramentas de comunicação diversificadas. “Todo o modelo comercial e de relacionamento com o produtor tem que considerar essas diferenças. Da mesma forma, o modelo do relacionamento técnico e o treinamento no campo precisam ser ampliados”, conclui o levantamento.

Quanto mais para cima no mapa, mais jovem é o agro

No mapa da produção agrícola brasileira, é possível dizer que os avós estavam no Sul, os pais no Centro-Oeste e os filhos no Matopiba (acrônimo com as siglas dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia). Longe de ser uma metáfora aleatória, trata-se de uma constatação do movimento migratório de gaúchos, catarinenses, paranaenses e paulistas nas últimas décadas. O algodão, campeão de administradores jovens, está principalmente no Mato Grosso e na Bahia, que concentram a segunda e a terceira geração de pioneiros das commodities naquelas terras.

“As gerações anteriores já abriram a área, resolveram os problemas básicos, como melhorar a fertilidade do solo e entender o clima. Essas novas gerações têm perfil gerencial e precisam administrar três cultivos por ano. É mais complexo, e eles precisam ter um olhar mais gerencial do que executivo”, pondera Fabiane. “Essas novas gerações têm acesso à internet na fazenda. O escritório é na casa deles e isso os mantém no negócio”.

Interior de usina de beneficiamento de algodão em Luiz Eduardo Magalhães, na Bahia
Interior de usina de beneficiamento de algodão em Luiz Eduardo Magalhães, na Bahia| Paulo Schmidt / Divulgação

Paulo Schmidt, de 45 anos, toca a propriedade da família em Barreiras, no Oeste da Bahia, desde os 32, quando perdeu o pai. É um algodoeiro com mestrado em agronomia pela Universidade Federal de Lavras. " O algodão é uma das culturas que exige conhecimento alto de pragas, doenças, manejo. Numa usina de beneficiamento que estou cuidando aqui, tem galera nova porque tem sensor para tudo quanto é lado, tem que saber mexer em sistema, tem que saber mexer em elétrica. É um nível de especialização muito grande", relata Schmidt, explicando por que há tanta gente jovem na cultura. "Independente de ser novo ou velho, o algodoeiro tem que estar muito tecnificado. Então, o produtor pensa muito na sucessão, coloca os mais novos para trabalhar e esses contratam, automaticamente, pessoas mais novas. Realmente você tem no time de agrônomos e funcionários uma galera mais jovem".

A pesquisa da Fruto Agrointeligência teve foco em produtores e trabalhadores rurais de cultivos que cobrem 85% da área plantada no país. Dados da Embrapa apontam que das 5 milhões de propriedades rurais brasileiras, 500 mil respondem por 87% da produção; o restante ainda precisa ser inserido de forma mais competitiva no agronegócio.

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