Enquanto na maior parte do Espírito Santo a colheita do café já terminou, no entorno do Parque Nacional do Caparaó, na divisa com Minas Gerais e Rio de Janeiro, ainda há muito para colher. Nesta região, cercada de montanhas, clima frio e natureza exuberante, são produzidos alguns dos melhores cafés do país. É como se os agricultores da região – a maior parte produtores familiares – tivessem descoberto a alquimia perfeita dos processos que resultam no melhor grão de café. Os cuidados vão do plantio à torra, passando por técnicas adequadas de manejo, quase sempre manuais.
Os cafés do Caparaó costumam ficar acima dos 80 pontos na escala de classificação de cafés, que vai de zero a 100. Portanto, são considerados especiais, tipo premium, o que os fazem cobiçados por japoneses, alemães, mexicanos e australianos, só para citar algumas nacionalidades dos que visitam a propriedade de Afonso e Altilina Abreu de Lacerda, no distrito de Pedra Menina. O casal possui 27 hectares em terras capixabas cultivados com variedades da espécie arábica e outros 20 ha em Minas Gerais.
Para se ter uma ideia, os Lacerda acumulam mais de 50 prêmios de qualidade, entre eles o de campeão nacional de qualidade da Associação Brasileira da Indústria do Café (Abic) e o recorde mineiro de pontuação para um café – 94 pontos. E a produtividade média das lavouras também não decepciona. Fica acima de 35 sacas/ha, enquanto a média estadual gira em torno 25 a 27 sacas. Alguns talhões de Afonso chegam a produzir 66 sacas.
“Hoje nós já conseguimos destinar um talhão específico para um determinado cliente. Não existe café melhor, isso depende do gosto de cada um”, sentencia Afonso. Entre os compradores estão empresas brasileiras, japonesas e alemães. O cuidado com o produto, explica o agricultor, está em cada detalhe, desde a colheita manual até os processos de despolpa, secagem e torra do grão. Na propriedade, a colheita se inicia em maio e vai até dezembro. A espécie cultivada é o arábica, considerado de melhor qualidade, nas variedades cereja descascada (CD), catuaí vermelho e Caparaó amarelo.
O segredo da fartura
O segredo dessa fartura vem de uma série de fatores, a começar pela altitude. A região fica a 1,2 mil metros de altitude, o que resulta em um clima mais ameno. A temperatura faz com que os frutos do cafeeiro se desenvolvam mais demoradamente, conferindo um sabor adocicado e com nuances acentuadas que estimulam as papilas gustativas de quem experimenta. Além disso, o correto manejo da terra e das plantas completa o pacote. “A questão do sol influencia muito. Uma planta que pega sol pela manhã tem produtividade maior e sabor melhor do que a que fica no sol o dia todo”, explica Norberto das Neves Frutuoso, extensionista e coordenador do escritório do Instituto Capixaba de Pesquisa Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper) em Dores do Rio Preto.
“Esses produtores pioneiros querem agregar valor ao café, com mais qualidade, e juntando com o agroturismo também”, diz José Adilson de Oliveira, engenheiro agrônomo do Crea-ES e consultor técnico da Câmara Especializada de Agronomia do Sistema Confea/Crea (Ceagro-ES). Cultivando esses cafés especiais, diz ele, os produtores conseguem obter uma renda mais elevada, o que ajuda a manter as famílias no campo e continuar incrementando a produção.
Para Lúcia Vilarinho, presidente do Crea-ES, o agricultor precisa de tecnologia para crescer. "Mas essa tecnologia só chega ao produtor com a ajuda de profissionais. A presença de um engenheiro agrônomo ou tecnólogo devidamente habilitado ajuda o agricultor a melhorar a qualidade dos produtos, trazendo mais segurança à sociedade." Lúcia entende que a abordagem junto aos agricultores familiares, no entanto, precisa ser diferenciada. "Ele precisa também da orientação de um órgão público ou de uma associação de produtores, porque o trabalho dele é mais vulnerável”, completa.
No Espírito Santo, de acordo com o Incaper, 80% das 108 mil propriedades possuem menos de 50 hectares. A força da agricultura familiar no estado, portanto, é relevante. Das 13 milhões de toneladas de café que os capixabas produzem ao ano (o estado é o segundo maior produtor nacional, atrás apenas de MG), só 30% desse volume é da espécie arábica. Os outros 70% são conilon, que é um café mais encorpado e usado em misturas comerciais ou blendeds. É o tipo de café mais comum encontrado nos supermercados. E mesmo sendo o maior produtor nacional de conilon, as variedades do arábica cultivadas na região das montanhas capixabas têm se destacado por causa da qualidade no Brasil e no exterior.
Processo manual
O café da região do Caparaó é colhido manualmente, apenas com a ajuda de uma derriçadeira, e depois levado para um despolpador, comprado pelo governo estadual e de uso comunitário. Nele, retira-se a casca do fruto e as demais impurezas. O grão então é levado para a secagem em terreiros de cimento (cobertos ou não) ou em terreiros suspensos. O café pode ser secado com a polpa em um processo mais demorado. Todas essas etapas, que são seguidas pela torra e moagem dos grãos, influenciam no sabor do café.
Mas chegar a um produto de excelência não seria possível sem um empurrãozinho dos extensionistas. “Nós vimos que o café daqui tinha um potencial diferente, que podia produzir grãos especiais. Mas os produtores precisavam trabalhar mais o pós-colheita, porém não não tinham os equipamentos”, afirma Agno Tadeu da Silva, engenheiro agrônomo e extensionista rural do Incaper, que começou a trabalhar com os agricultores da região em 2005.
Com o despolpador instalado, há alguns anos, a qualidade dos cafés aumentou exponencialmente e os produtores começaram a conquistar prêmios. “Ganhar esses prêmios é um reconhecimento para a família, um orgulho ser reconhecida por ter o melhor café do Brasil”, diz Altilina, mãe de dois filhos. A mais velha, de 18, já é barista e se prepara para receber os turistas e explicar as nuances e notas nos sabores dos cafés da região.
Outro produtor que está rindo à toa é o tio de Afonso, Manoel Protázio de Abreu, de 64 anos, que possui 30 ha de cafezais divididos entre Minas e Espírito Santo. Com ele trabalham a esposa, Joana, e mais três filhos, além do genro. Manoel produz cafés arábica especiais das variedades catuaí vermelho e amarelo. Dos oito irmãos dele, metade trabalha com cafeicultura. Uma tradição que começou com o avô de Manoel no início do século passado e tem atravessado gerações.
“O melhor desse café está atrás da embalagem”, brinca Manoel, apontando para a foto dele no rótulo do produto, um café que só pelo cheiro percebe-se por que europeus, asiáticos e cafeterias gourmet de todo o país vêm de longe para comprar seus grãos, que entre suas características, além do sabor diferenciado, está o fato de serem polinizados por abelhas e estarem livres de agrotóxicos.
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