Sob o denso manto verde da Floresta Amazônica um duelo de gente grande está sendo travado. Os dois maiores estados da federação em extensão territorial – Pará e Amazonas – disputam hectare por hectare para saber quem tem o melhor açaí do Brasil. Atualmente, 95% da produção desse fruto nativo da Amazônia se concentra nos dois estados. Em números absolutos, o Pará sai na frente. O estado produz 70% do nosso açaí, enquanto que o Amazonas fica com uma fatia de 25%; Maranhão, Roraima e Rondônia, juntos, somam apenas 5%.
Mas para os amazonenses, o que vale não é o tamanho da produção, mas sim a qualidade do fruto. No Amazonas, a variedade predominante é o Euterpe precatoria (cujo sistema principal de produção é extrativista). Já no Pará, o predomínio é do tipo oleracea, que normalmente é plantada, mas pode ser coletado da floresta também. “Quando manda lá pro Sul é tudo açaí. O pessoal do Pará fala que o nosso açaí não presta, e a gente diz que o deles não presta”, brinca Luiz Herval, engenheiro agrônomo e extensionista rural do Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do Estado do Amazonas (Idam).
De acordo com o extensionista, o fruto amazonense tem muitas vantagens. O rendimento de polpa e a produtividade, por exemplo, são maiores que os do concorrente paraense. “Além disso, o teor médio de antocianina [substância que combate os radicais livres] é três vezes maior”, esclarece. No caso do açaí paraense, que já possui uma base de pesquisas maior, os técnicos dizem que vale a pena irrigá-lo. “Você aumenta de 25% a 30% o volume da polpa e consegue estender a produção”, afirma Herval.
Ele explica ainda que o açaí amazonense produz no período de dezembro a maio. Em 2018, o estado produziu 42 mil toneladas desse tipo de açaí. Já o fruto oriundo do Pará tem a sua produção entre julho e dezembro (foram 28 mil toneladas produzidas pelo AM em 2018). “Na verdade, um complementa o outro, quando um está no final de safra o outro ainda está dando frutos. Então é interessante para o produtor e a indústria que tenhamos os dois plantados”, sentencia Herval. De acordo com o IBGE, a economia em torno do açaí movimentou R$ 5,5 bilhões em 2017. Desse total, R$ 1,5 bilhão foram somente no Amazonas.
Adubar e irrigar aumenta a produtividade
Alguns produtores amazonenses estão investindo em culturas irrigadas do açaí, o que não é costume na região. Além de registrar produtividades melhores, eles apostam na agroindústria de polpas para fazer com que o fruto – que caiu no gosto da geração fitness – chegue mais longe. É o caso do produtor José Reinaldo da Silva Maia, da Comunidade Canaã, na área rural de Manaus. Ele e a esposa, Maria de Fátima, possuem 25 hectares, sendo 4,5 ha cultivados com açaí do Pará e do Amazonas. Ele cultiva ainda laranja, banana, cupuaçu, maracujá e coco.
“Nunca tive a preocupação de quantificar a produção, mas sei que a partir do momento em que coloquei a irrigação melhorou bastante. Primeiro que os pés de açaí pararam de morrer e aumentou a produtividade, sem cair as frutas e os cachos das árvores”, descreve Maia. Segundo a engenheira de pesca e gerente do Idam em Careiro da Várzea (AM), Alcelene Salerno, a irrigação no período seco faz com que o açaizeiro não perca a produtividade e nem prejudique o desenvolvimento do fruto. “No inverno aqui é água demais, e no verão é de menos. Na época chuvosa, de novembro a março, não há necessidade de irrigar, mas entre agosto e outubro chove muito pouco”, explica.
Apesar de não ter na ponta da língua quanto investe na cultura do açaí e quanto colhe por ano, Maia afirma que pelo fato de ter outras opções de fruticultura consegue obter renda o ano todo. Segundo ele, a produção sempre cobriu os custos da propriedade, mesmo investindo bastante em adubação e irrigação. “A necessidade que essa terra tem de ser adubada é fenomenal. Não tem como produzir aqui se você não tiver uma adubação muito bem planejada. Nas nem todo mundo tem coragem de investir nisso.”
No caso de Maia, os dois tipos de açaí são plantados. Cada qual tem seu manejo, espaçamento e adubação diferenciados. Segundo Anecilene Buzaglo, engenheira agrônoma e extensionista do Idam Central, a maioria dos agricultores que plantam o açaí precatoria não fazem adubação e muito menos a irrigação. “Infelizmente não temos dados de pesquisa ainda para mostrar o quanto a produtividade aumenta com isso”, diz. A extensionista aponta ainda a dificuldade de se levar assistência técnica a todos os produtores, tendo em vista a deficiência do quadro de pessoal do Idam e as grandes dimensões do estado do Amazonas.
Logística e falta de técnicos são os principais problemas
De acordo com o governo do Amazonas, o Idam deverá ter seus quadros renovados em breve. No entanto, para a diretora presidente do Idam, Eda Oliva, uma das principais dificuldades que a extensão rural enfrenta são as longas distâncias. “A logística do Amazonas é complicada. O estado quase não tem estradas e as estradas são os rios, o que leva tempo para percorrê-los”, explica. Ela afirma que o chamamento de 119 técnicos já foi homologado, o que deve ocorrer em fevereiro.
A dificuldade com a logística também é uma preocupação das entidades de classe, pois dificulta a fiscalização da atuação de técnicos e engenheiros agrônomos. Segundo a coordenadora da Câmara Especializada de Agronomia do Crea-AM, a engenheira agrônoma Eyde Cristianne Saraiva Bonatto, o número de técnicos agropecuários é maior do que o de engenheiros no interior do estado, o que gera problemas pois os técnicos não podem assinar o receituário agronômico.
O Crea-AM também luta para combater os chamados “canetinhas de ouro”, que são os agrônomos que assinam blocos de receituários que ficam disponíveis em locais de revenda de produtos agroquímicos. Com isso, quem compra o produto já sai com o receituário, porém o profissional que assinou não tem o menor conhecimento do uso que será feito do produto na lavoura.
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