Das 213.557 pessoas ocupadas com a agricultura familiar do estado do Espírito Santo, 147.353 são homens e 66.204 são mulheres, segundo os dados do Censo 2017 divulgados no final do mês passado pelo IBGE. Mas o fato de a maioria dos produtores ser do sexo masculino mascara a real participação das mulheres no campo. No caso da cafeicultura, por exemplo, as produtoras estão num papel de liderança, sobretudo na produção de cafés especiais, em que o cuidado com cada detalhe faz a diferença no sabor, aroma e pureza do grão.
Em Afonso Cláudio, Sul do ES, as cafeicultoras da região descobriram no associativismo o segredo para dar às mulheres condições de cultivar produtos de qualidade e se tornarem independentes do ponto de vista financeiro. “Começamos a capacitar as mulheres para empreender e não apenas para produzir para a família”, resume Josane Bissoli, tesoureira da Associação de Mulheres Empreendedoras da Agricultura Familiar de Vila Pontões (AMEP). O grupo, formado há quase duas décadas e que teve origem dentro de uma cooperativa, tem hoje 20 cafeicultoras associadas do principal distrito produtor de cafés especial do município.
Os cursos técnicos e de empreendedorismo realizados em parceria com o Senar e outras instituições acabam envolvendo não só as mulheres, mas toda a comunidade local. “A mulher é persistente, não desiste no primeiro ‘não’. Queremos morar aqui e viver da nossa terra. Mas para isso precisamos ter a nossa renda”, afirma Josane. "Se formos falar de qualidade, dependendo da cadeia produtiva, é preciso ter a mulher envolvida. No caso dos cafés especiais essa qualidade vem das mãos delas”, pontua Anderson Pagotto Moura, extensionista do Instituto Capixaba de Pesquisa Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper) em Afonso Cláudio.
Foi com esse espírito empreendedor que as cafeicultoras da associação conseguiram junto à prefeitura um espaço para abrigar a sede da instituição, pintada por elas próprias, inclusive. É ali que são vendidos alguns produtos agregados, como biscoitos e doces, além dos cafés especiais. O dinheiro arrecadado remunera as produtoras e ajuda a associação a se manter de pé. “Hoje vemos mulheres daqui que conseguem levar renda para casa sem precisar depender do marido, pois têm seu próprio dinheiro”, explica Jucelena Braga Santos, presidente da AMEP.
Com muita luta e persistência, o grupo conseguiu ainda um carro e agora está montando uma agroindústria de panificação. Os equipamentos elas já têm, agora só falta resolver os trâmites burocráticos. Nesse sentido, o apoio dos agrônomos e extensionistas do Incaper tem sido fundamental para dar suporte para o crescimento da associação, segundo elas. “A área técnica sempre foi muito importante em todas as nossas tomadas de decisões. Ela é quem dava a a palavra final”, diz Elsa Zambon, cafeicultora e fruticultora da AMEP.
Mercado milionário
Mesmo em se tratando de pequenas propriedades, a cafeicultura movimenta um mercado milionário no caso dos cafés especiais. No Espírito Santo, por exemplo, existem 20.836 propriedades familiares de café arábica, segundo o IBGE (dados de 2017). Essas famílias produziram naquele ano mais de 53 mil toneladas do produto e movimentaram R$ 346 milhões. Em Minas Gerais, existem 112.933 propriedades familiares, que produziram, em 2017, 504 mil toneladas de café arábica, com renda total de R$ 3,6 bilhões.
Na região das Matas de Minas Gerais, onde a altitude e o microclima garantem a produção de cafés de alta qualidade, as mulheres exercem um papel importante no controle de qualidade dos produtos, especialmente na classificação dos cafés que chegarão ao consumidor. Marilane Firmino Pires da Silva, de Manhuaçu, participa de todas as etapas da produção, da colheita ao preparo do grão. Ela e o esposo tocam juntos uma propriedade de 10 hectares de café de variedades especiais. O esposo, inclusive, estava participando de um concurso quando da visita da nossa reportagem. Os finalistas seriam classificados para um leilão internacional de café. “Um dos cafés dele foi selecionado entre os dez melhores”, comemora Marilane.
A cafeicultora mora no distrito de Córrego Boa Vista e integra um grupo de cinco famílias de produtores que montaram um laboratório de análise sensorial e física de café. No local, são separados os grãos com defeitos mecânicos e avaliados o aroma, o sabor e os pontos de torra ideal para cada café. Do laboratório os produtos partem já com suas notas de qualidade definidas, embalados e prontos para a venda.
Apesar de ainda terem de passar pelo crivo dos corretores de café, a nota dos grãos no laboratório costuma ultrapassar a casa dos 80 pontos, o que é garantia de ter um café especial nas mãos, além de influenciar os próprios corretores, que definirão a pontuação final do produto. “Hoje o grupo do laboratório é visto com bastante respeito”, afirma Francielle Ferreira, que é cafeicultora e degustadora de cafés. Segundo ela, um café comum é vendido a R$ 410 a saca na região. “Nós já conseguimos triplicar o valor dos nossos produtos”, complementa a produtora, que comercializou recentemente um lote por R$ 1,6 mil a saca.
De acordo com Vicente Gomes, produtor e classificador de cafés – ele participa da degustação em concursos da Emater-MG e do Ministério da Agricultura, inclusive –, um bom café precisa ser “uma bebida limpa [livre de impurezas], aromática e de acidez prazerosa”, ensina o degustador, que já conseguiu produzir cafés de 97,5 pontos. Grãos acima dos 90 pontos são considerados “extraordinários”, segundo os classificadores.
Francielle, que cultiva junto com o marido 48 ha de café, conta que atua mais na pós-colheita e seleção dos cafés produzidos pela família, que obtêm maior valor comercial. As duas filhas do casal, por sua vez, parecem já ter despertado o dom para seguir o caminho dos pais e avós. “A mais velha já sabe fazer a classificação física do café e a mais nova tem uma sensibilidade incrível para identificar os sabores”, conta com orgulho a mãe coruja.