Nenhuma análise sobre os fundamentos de oferta e demanda do agronegócio internacional considera a China como uma variável irrelevante. Com 10% de participação no valor das importações globais do setor, qualquer movimento da nação asiática assume um papel determinante na formação de preços e na definição das estratégias de produção e venda dos produtos agropecuários. Isso ajuda a explicar oscilações como a ocorrida há duas semanas, quando as cotações da soja despencaram ao pior patamar em mais de seis anos devido à instabilidade no mercado financeiro chinês.
O agronegócio pegou carona nesse processo, em um cenário que ajudou a dinamizar economias emergentes como a do Brasil. Hoje mais de 70% da renda brasileira obtida com a exportação de soja provêm daquela porção do globo. Com domínio menor, algodão (24,5%), açúcar (9,3%) e carne de frango (7,5%) também consolidaram faturamento vinculado ao país no ano passado.
Acostumado a lidar com um mercado de demanda crescente, o agro é forçado agora a se adaptar à nova realidade chinesa. O governo está conduzindo a economia nacional para um modelo de crescimento que prioriza o mercado interno em detrimento a exportação. A mudança custa caro: o Produto Interno Bruto (PIB) chinês crescerá menos e os investimentos tendem a esfriar, afetando a demanda por importações. A correção de rumo gera incerteza, em um movimento potencializado pela atual bolha acionária que assola o país, intensificando a pressão nos mercados internacionais.
Para os analistas, a redução do apetite chinês tem suas consequências, mas não representa o fim da linha para o agronegócio. “É óbvio que a economia chinesa vai crescer menos daqui para a frente, mas não é todo mundo que vai sair perdendo nesse processo”, resume Roberto Dumas Damas, autor do livro “Economia chinesa” e professor do Insper.
Com aumento na renda da população e no consumo doméstico, tende a crescer junto a demanda por alimentos, em um movimento que favorece o campo. “A realidade das commodities agrícolas é diferente em relação a produtos como petróleo e ferro, que estão mais ligados ao investimento”, pontua João Paulo Botelho, analista da consultoria FCStone. A recente habilitação de frigoríficos brasileiros para a exportação de carne bovina, suína e de aves ao país é apontada como um dos sinais de que a transição pode ser benéfica.
Nem mesmo a crise financeira do país é considerada um entrave. O diagnóstico é de que uma parcela pequena da população ficou exposta aos riscos do mercado acionário. No caso das empresas, a maioria ainda recorre a outras fontes de financiamento em detrimento ao mercado de capitais. Isso reduz o risco de endividamento e desemprego. “É uma transição difícil, mas enquanto ela for suave, com o PIB chinês crescendo acima de 5%, não haverá grandes problemas no longo prazo” aponta Botelho.
Assim, o desafio vai se concentrar na administração dos preços. Damas, do Insper, considera que a demanda para o agro tende a continuar crescendo, mas de forma mais controlada do que o setor estava acostumado, então a regulação terá que ser feita pelo lado da oferta. “Está nas mãos do produtor, só é preciso fazer as contas. Essa história de bater recorde atrás de recorde na produção pode acabar saindo pela culatra a partir de agora”, salienta.
US$ 16,6 bilhões
Esse foi o faturamento do Brasil só com a exportação de soja para a China em 2014, conforme dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). Isso representa 71,4% do total arrecadado pelo país com os embarques da oleaginosa.78,8 milhões de toneladas
devem ser importadas pela China na temporada 2015/16, conforme o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA). Uma década atrás as aquisições não chegavam a um terço desse volume. Demanda tende a continuar firme nos próximos anos.
4,2 milhões de toneladas
de milho foram importadas pela China em 2014, conforme o USDA. Até 2008/09 ,nação asiática era exportadora do cereal. Mesmo com estoques internos elevados, país pode comprar mais 3 milhões de toneladas do grão neste ano, dando sustentação à demanda.
US$ 518 milhões
foram faturados pelo Brasil somente com a exportação de carne de frango para a China em 2014. Maior taxa de urbanização e aumento da renda tendem a favorecer consumo de proteína, motivando avicultura a crescimento do mercado asiático nos próximos anos.Efeitos serão difusos entre os mercadosA nova realidade da economia chinesa tende a impactar de forma distinta os principais mercados do agronegócio. Se para produtos como a soja a perspectiva é de crescimento sequencial, mesmo que em menor ritmo, mercados como o de milho podem seguir trajetória mais sinuosa.
Rumores de que o país asiático estaria prestes a desregular o mercado do cereal, liquidando seus estoques e extinguindo as cotas de importação, causam preocupação no curto prazo. Analistas avaliam que, caso resolvesse desovar no mercado doméstico as mais de 80 milhões de toneladas que mantém em armazéns estatais, Pequim faria com que o país ficasse fora do mercado internacional – não só de milho, mas também de substitutos como o sorgo ou o DDG – no curto prazo.
Especulações de que a política de regulação seria derrubada em breve surgiram em julho, depois que o governo divulgou um documento sinalizando que somente “alimentos básicos como o arroz e o trigo” precisariam de uma política de preço mínimo para manter a produção estável. “Milho, soja, algodão e canola têm grandes elasticidade da procura, cadeias de processamento longas e maior correlação com o mercado internacional. O governo deve permitir que o mercado determine o preço e a relação de oferta e demanda irá se ajustar. Isto levará a um mercado saudável”, diz a nota oficial.
Caso resolva abrir o mercado de milho, Pequim seguiria o roteiro traçado 20 anos atrás para a soja e que fez as importações chinesas da oleaginosa saltarem de quase zero mais mais de 70 milhões de tonelaas. O efeito no milho viria no médio e longo prazo, depois que os estoques governamentais forem totalmente absorvidos .
Outros mercados
Com 5,9% de participação no mercado importador de açúcar, o pouso chinês também tende a ter efeitos limitados para o alimento. “Pode haver uma pressão baixista, mas tende a ser menor do que em outras commodities”, pontua o analista da consultoria FCStone, João Paulo Botelho.
Já o setor de proteína animal aposta que a habilitação de novos frigoríficos é um prenúncio de crescimento na demanda. Os chineses comem em média 46,2 quilos do alimento por ano – quase o dobro da média mundial apurada pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) –, sendo que a maior parte deste volume é de carne de porco (31,1 kg/habitante/ano).