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Apesar da briga nos tribunais, o mundo ainda precisa do glifosato

 | Marcelo Andrade/Gazeta do Povo
(Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo)

À primeira vista, parece que chegou o Dia do Juízo para o herbicida glifosato: no intervalo de uma semana, um júri da Califórnia condenou a Monsanto em R$ 1,1 bilhão num processo envolvendo alegações de que o produto é cancerígeno, enquanto, no Brasil, um juiz federal deu prazo de 30 dias para que a União suspenda o registro de defensivos químicos à base de glifosato.

As manchetes dramáticas sempre acompanharam a Monsanto, uma empresa que por décadas tem sido alvo de ambientalistas e que a multinacional alemã Bayer acabou de comprar, por US$ 66 bilhões. O valor das ações da Bayer despencou no início da semana diante da perspectiva de longas batalhas judiciais, mas a Monsanto já atravessou tormentas parecidas e está acostumada a ver seu herbicida e suas sementes transgênicas no centro de polêmicas da agricultura moderna.

Para o analista da Bloombert Intelligence, Chris Perrella, as decisões judiciais provavelmente serão derrubadas ou reformadas quando forem apreciadas em segundo grau.

O fato é que há motivos para o glifosato ser o herbicida mais utilizado e popular do mundo. Segundo Perrella, o glifosato tem sido benéfico para o meio ambiente e para os agricultores, e continuará sendo necessário na medida em que a população global expandir mais alguns bilhões nas próximas décadas. As únicas alternativas ao glifosato são agrotóxicos mais perniciosos ou, então, o uso intenso de tratores para revolver o solo, o que criaria outra gama de problemas ambientais.

A produção de milho tem crescido significativamente nos últimos anos graças ao avanço tecnológico na área de sementes, pesticidas, herbicidas e outros insumos. Por outro lado, a expansão das colheitas mundiais vem segurando a inflação dos alimentos mesmo no contexto do aquecimento climático, que aumenta os riscos de secas, calor e tempestades. Ao mesmo tempo, aumentam as preocupações dos consumidores em relação aos defensivos químicos e aos alimentos modificados geneticamente, impulsionando a demanda por produtos orgânicos.

Apesar de organismos regulatórios do mundo todo, inclusive a Agência de Proteção Ambiental dos EUA, declararem que o glifosato não causa câncer, a Agência Internacional de Pesquisas em Câncer, braço da Organização Mundial de Saúde, classificou o produto como “provavelmente cancerígeno” em 2015, abrindo o caminho para os processos judiciais.

O julgamento da Califórnia foi o primeiro de mais de dois mil casos pendentes, segundo Jonas Oxgaard, analista da Sanford C. Bernstein & Co.

No dia 3 de agosto, uma juíza federal de Brasília deu prazo de 30 dias para o governo suspender o uso do glifosato, até que a Agência de Vigilância Sanitária dê um parecer sobre sua toxidade. A Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja) prontamente entrou com recurso.

“É como se a juíza dissesse: ‘vocês não podem usar tratores, precisamos estudar o efeito dos tratores sobre a saúde humana’”, comentou Oxgaard em relação à decisão de Brasília. “No final das contas, os transgênicos-haters têm sido um fracasso completo; a tecnologia transgênica avança ano após ano, na mesma intensidade de ódio e paixão que eles manifestam”.

Novos julgamentos

Para Oxagaard, se prevalecer a tese de que a Monsanto falhou ao não advertir os consumidores dos riscos inerentes ao glifosato, a Bayer provavelmente deixará de recomendar o produto para jardinagem e passará a exigir uma licença para sua utilização agrícola. Tal medida apenas transferiria a responsabilidade para os usuários comuns, enquanto os agricultores teriam que acrescentar mais uma ficha nas exigências regulatórias a que já estão acostumados. Este cenário custaria à Bayer cerca de US$ 200 milhões por ano, uma pequena fração do lucro de US$ 3,5 bilhões da Monsanto em 2017.

A Monsanto separou US$ 277 milhões para eventuais indenizações, pouco menos do que a condenação do júri californiano. Oxgaard não vê perspectivas de acordo até que haja novos julgamentos e até que uma corte de apelo reduza os valores arbitrados em primeira instância. Se milhares de processos produzirem condenações semelhantes, de milhões de dólares, então a Bayer realmente estaria em apuros, diz o analista.

Foi essa possibilidade que derrubou as ações da empresa em 14% na segunda-feira. “Seria mais do que a Bayer pode suportar, mas isso num cenário em que todas as decisões coincidem e são mantidas em segunda instância, o que é altamente improvável”, aponta Oxgaard.

A companhia alemã também não acredita nesta hipótese. “A Bayer entende que o veredito vai contra todo o peso científico das evidências, contra décadas de uso a campo e contra as conclusões de órgãos regulatórios do mundo todo, que confirmam que o glifosato é seguro e que não causa o câncer não-Hodgkin”, disse a empresa num comunicado.

O próximo julgamento deverá acontecer em outubro, na cidade de Saint Louis, onde fica a sede da Monsanto. Outros dois casos subirão à mesma corte no início de 2019. Centenas de outros processos aguardam julgamento em São Francisco, Oakland e Delaware.

Apesar de decisões de um júri serem sempre imprevisíveis, os recursos são decididos por juízes – lembra Perrella. “É mais fácil impressionar jurados do que argumentar sobre medicina perante um magistrado, então, as chances de vitória da Monsanto são bem maiores”.

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