A Operação Carne Fraca, da Polícia Federal (PF), tem sacudido o mercado de carnes desde a última sexta-feira (17) e, como consequência, já começa a preocupar o principal pilar do agronegócio brasileiro: o setor de grãos. Soja e milho – utilizados na fabricação de rações para animais de corte –, devem chegar a 197 milhões de toneladas na safra 2016/17. Se o ambiente já era de precaução com os preços, por conta da “avalanche” vinda das lavouras, agora ainda mais, já que uma das apostas para manter o equilíbrio entre oferta e demanda era a recuperação do consumo e produção de proteína no país.
217 milhões de toneladas
Essa deve ser a produção brasileira de grãos na temporada 2016/17. Do total, mais de 90% correspondem à soja e ao milho. É a maior colheita da história no país. Agora em xeque, o mercado de carnes seria um dos principais destinos da safra.
Várias nações, entre eles China e membros da União Europeia, já se manifestaram, pontuando que, enquanto tudo não for esclarecido, não irão importar carnes de companhias envolvidas no escândalo, como JBS e BRF. No caso da carne bovina, esses países respondem por 34% das exportações nacionais.
Impacto tão grande quanto o da Aftosa em 2005
O impacto causado pela Operação Carne Fraca no mercado é tão profundo quanto aquele vivido pelo setor agropecuário paranaense há mais de uma década. Em 2005, os casos de febre aftosa minaram a confiança de diversos países em relação à qualidade da carne brasileira e algo semelhante deve acontecer após os novos escândalos.
“Os últimos embargos da aftosa caíram em agosto do ano passado”, revela Inácio Afonso Kroetz. Segundo ele, é muito duro recuperar um status sanitário, pois se trata de algo baseado em confiança. “Não deu para evitar a entrada da aftosa. É um vírus. Só que, agora, foi algo voluntário causado por pessoas. Foi um comportamento causado por quem deveria estar evitando isso”, critica o presidente da Adapar.
Para Kroetz, estamos no meio de uma semana crítica na qual o mundo observa o que o Brasil fará. “O mercado quer saber como você administra e sai de um problema. E ele quer saber o que o governo vai fazer em relação a tudo isso. Quando o órgão certificador é o problema, pega muito mal. Agora o governo tem de ser exemplar na recuperação dessa credibilidade”.
“Ainda é muito recente, mas estimo que a produção de carne deva diminuir em até 20% nos próximos seis meses, enquanto durarem esses embargos”, avalia o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto Castro. “Com isso, a produção de farelo usado nas rações deve cair na mesma medida. Essa soja e milho então ficam disponíveis para exportação, pressionando um mercado que já estava abastecido pela safra norte-americana”, salienta, sem, no entanto, estabelecer um percentual para esta possível queda.
Para o economista Gilmar Mendes Lourenço, a soja ainda conta com uma demanda aquecida, impulsionada pela China. O alerta maior é para o milho. “Com esse cenário internacional, a redução na produção de carne é inevitável”, analisa. “E aí virá a retração na demanda por milho.”
Os especialistas não descartam que a falha na questão sanitária – avaliada como pontual dentro de um sistema bem maior e eficiente – sirva de pretexto para bloqueios de caráter comercial. “Esse risco é grande”, opina o secretário geral da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), Fábio Trigueirinho. “A palavra agora é preocupação por causa da proporção que essa questão tomou. Se bloqueios comerciais forem feitos, o prejuízo [para o setor de grãos] pode ser grande, sem dúvida.”
Contraponto
O analista da agência Safras e Mercado, Paulo Molinari, porém, descarta qualquer interferência da “Carne Fraca” no mercado de soja e milho. Ele acredita que, mesmo que a BRF, por exemplo, deixe de exportar, outras companhias ocupariam o lugar dela. “A produção não vai cair”, enfatiza. “E caso venham bloqueios comerciais, o Brasil pode se defender na Organização Mundial do Comércio”, acrescenta Molinari.
Mais cauteloso, o analista Camilo Motter, da Granoeste, diz que é preciso corrigir erros, mas, sobretudo, não se precipitar. “A produção não é interrompida de uma hora para outra. Dentro de 20 a 30 dias, o mercado deve se normalizar, depois desse baque. E aí, saber se o consumo caiu é o primeiro passo para se avaliar o mercado”, completa.