Chave para sobrevivência está na capacidade das espécies para se adaptar rapidamente às mudanças climáticas| Foto: Lauren Kolesinskas/NYT

Todos os anos, enquanto as estações mudam, um balé complexo se desenrola ao redor do mundo. As folhas das árvores do hemisfério Norte reaparecem na primavera enquanto o frio diminui. As lagartas surgem para devorar essas folhas. Abelhas e borboletas vêm polinizar as flores. Os pássaros deixam o hemisfério Sul e voam milhares de quilômetros para botar seus ovos e se alimentar de insetos no norte.

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Todas as espécies permanecem em sincronia umas com as outras a partir das informações ambientais, assim como os bailarinos se movem seguindo a música da orquestra.

O aquecimento global, no entanto, está mudando essa música, com a primavera chegando agora várias semanas mais cedo em algumas partes do mundo do que poucas décadas atrás. Nem todas as espécies estão se ajustando a esse aquecimento com a mesma velocidade e, como resultado, algumas estão ficando fora da sintonia.

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Os cientistas que estudam as mudanças nas plantas e nos animais desencadeadas pelas estações têm um nome para isso: descompasso fenológico. E eles ainda estão tentando entender exatamente como essa discrepância – como o fato de uma flor surgir antes que seu polinizador apareça – pode afetar os ecossistemas.

Em alguns casos, as espécies podem simplesmente se adaptar mudando as regiões que frequentam ou se alimentando de maneira diferente. Se as espécies não conseguem se adaptar com rapidez suficiente, porém, esses desequilíbrios podem ter “impactos significativamente negativos”, explica Madeleine Rubenstein, bióloga da Pesquisa Nacional Geológica de Mudanças Climáticas dos Estados Unidos e do Centro de Ciências da Vida Selvagem.

“Se você olhar para a história passada do clima na Terra, nunca houve uma mudança tão dramática e tão rápida”, diz Andrea Santangeli, pesquisador de pós-doutorado do Museu Finlandês de História Natural. “As espécies precisam responder de maneira realmente rápida e isso não tem precedentes.”

Seguem cinco exemplos de desequilíbrio, apenas uma das várias ameaças que as espécies enfrentam por causa do aquecimento global, que os cientistas descobriram até agora:

A vida sexual de uma orquídea se torna deprimente

A primeira orquídea aranha precisa enganar para se reproduzir. A cada primavera, a orquídea, cujo corpo carmesim bulboso se parece com o de um inseto, solta um feromônio que faz com que zangões solitários pensem que a planta é uma parceira de acasalamento – um passo fundamental para sua polinização.

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Essa artimanha, que os cientistas chamam de pseudocópula, funciona porque a orquídea tende a florescer durante uma janela de tempo específica a cada primavera – logo depois que os zangões solitários emergem da hibernação, mas antes que as abelhas apareçam.

Orquídea aranha produz um feromônio que atrai zangões  

No entanto, com o verão chegando mais cedo, as abelhas agora estão aparecendo mais cedo e atraindo os zangões para longe das mal-amadas orquídeas, segundo um estudo britânico de 2014.

Ao examinar dados coletados em herbários e em campos ao longo de um século, os pesquisadores descobriram que a diferença entre os tempos em que os zangões e as abelhas emergem diminui 6,6 dias a cada grau Celsius de aquecimento, dando à orquídea menos oportunidades para se reproduzir.

“A principal descoberta é que as coisas estão cada vez piores para a polinização da orquídea”, afirma Anthony Davy, professor de Ciências Biológicas da Universidade East Anglia e principal autor do estudo. Para essa orquídea – que já é rara – o futuro parece sombrio.

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A primavera chega mais cedo, mas o papa-moscas não

O papa-mosca preto europeu tem um cronograma apertado a cada primavera.

De suas terras invernais na África, o pássaro voa milhares de quilômetros para o norte até a Europa para colocar seus ovos em tempo do surgimento das lagartas de mariposas de inverno, que aparecem por algumas semanas a cada primavera para mastigar as folhas jovens dos carvalhos.

Se cronometrarem da maneira certa, os papa-moscas pretos garantem que haverá comida suficiente por ali quando seus filhotes famintos nascerem. Em uma série de estudos feitos nos anos 2000, no entanto, cientistas holandeses mostraram que vários papa-moscas estão começando a perder essa estreita janela de tempo.

À medida que as temperaturas da primavera ficam mais quentes, as folhas de carvalho aparecem mais cedo, e o pico da estação das lagartas está acontecendo até duas semanas antes em alguns lugares. Muitos papa-moscas, porém, que parecem marcar sua saída da África com base na duração dos dias ali, não estão chegando à Europa cedo o suficiente para sua refeição de primavera.

Papa-moscas 
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Os cientistas descobriram também que em algumas regiões da Holanda onde o pico da estação das lagartas avançou mais rapidamente, as populações de papa-moscas diminuíram drasticamente. “Essa foi a grande descoberta que sugeriu que esse descompasso poderia ter consequências reais para as populações”, afirma Christiaan Both, ecologista da Universidade de Groningen.

Pássaros e tratores ficam demasiadamente próximos

A mudança climática não cria apenas descompassos. Em alguns casos, o avanço das temperaturas pode levar a encontros perigosos.

Na Finlândia, por exemplo, o abibe-comum do norte e o maçarico-real eurasiano normalmente constroem seus ninhos no chão dos campos de cevada depois que os agricultores fizeram suas colheitas de primavera. Mas, à medida que as temperaturas sobem, os pássaros agora estão cada vez mais colocando ovos antes que fazendeiros cheguem aos campos, o que significa que seus ninhos escondidos têm mais chances de serem destruídos por tratores e outras máquinas.

Ao analisar 38 anos de dados, os pesquisadores descobriram que os fazendeiros da Finlândia agora estão semeando seus campos uma semana antes por causa das temperaturas mais quentes, mas os pássaros estão colocando seus ovos de duas a três semanas antes. “Isso criou um descompasso fenológico. A resposta será o declínio no número desses pássaros”, afirma Santangeli.

O caribu chega atrasado para o almoço

Os caribus do oeste da Groenlândia seguem uma rigorosa dieta sazonal. No inverno, esses animais comem líquen ao longo da costa. Na primavera e no verão, eles se aventuram para o interior para dar a luz a seus filhotes e comer as plantas árticas que crescem ali.

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Caribus em paisagem do hemisfério Norte 

À medida que a Groenlândia fica mais quente e o gelo do mar diminui, no entanto, essas plantas do Ártico aparecem mais cedo – com algumas espécies agora brotando 26 dias antes do que uma década atrás. Mas o caribu não mudou sua migração tão rapidamente. E cientistas documentaram uma tendência preocupante na região: um número maior de filhotes de caribus parecem estar morrendo cedo nos anos em que o crescimento das plantas da primavera precede a época de nascimento desses animais.

Embora o estudo tenha encontrado apenas uma correlação entre as temperaturas mais quentes e a morte de filhotes de caribu, “é consistente com a ideia de que esse descompasso não é vantajoso”, explica Eric Port, professor de Ecologia na Universidade da Califórnia, em Davis. Quando as plantas do Ártico brotam mais cedo, elas já se tornaram mais duras e menos nutritivas na época em que o caribu chega ali e começa a comê-las.

E por que o caribu não acelera sua migração? Uma possibilidade é que seus ciclos reprodutivos respondem com mais firmeza aos sinais sazonais como o comprimento dos dias, enquanto as plantas respondem mais às temperaturas locais, que estão aumentando.

Em teoria, se tiverem tempo suficiente, os caribu vão acabar se ajudando à medida que a seleção natural segue seu curso e favorece os animais que tiverem filhotes mais cedo. No entanto, com o aquecimento acontecendo mais rapidamente no Ártico do que no resto do globo, segundo Post, “a questão é se as coisas não estão mudando rápido demais para que a evolução faça diferença”.

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A lebre americana tem um problema no guarda-roupa

As mudanças climáticas não causam descompassos apenas na primavera. Veja a lebre americana, cuja pelagem evoluiu para mudar de marrom para branca no inverno e servir de camuflagem. À medida que a Terra se aquece, no entanto, a cobertura de neve nos habitat dessa lebre derrete mais cedo, deixando o animal mais exposto aos predadores.

Lebre americana conta com a neve para se esconder dos predadores 

“A camuflagem é importante para manter vivos os animais que servem de presas”, diz L. Scott Mills, professor de Biologia da Vida Selvagem da Universidade de Montana que estuda os impactos do descompasso da camuflagem em espécies como a lebre americana.

Para cada semana que o descompasso acontece, segundo Mills e seus colegas, há uma chance sete por cento maior de essas lebres serem mortas por predadores como o lince.

Atualmente, a pelagem das lebres fica em descompasso por apenas uma semana ou duas. Mas no meio do século, de acordo com Mills, esse período pode se estender para até oito semanas. Se isso acontecer, diz ele, o número de lebres “pode começar a declinar em direção à extinção”.

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Há boas notícias para a lebre americana, no entanto. Antes se achava que a evolução demorava milhões de anos para acontecer, agora, os cientistas acreditam que um animal como a lebre pode se adaptar em cinco a dez gerações, especialmente se as partes mais adaptáveis da população forem protegidas.

“Isso nos dá um caminho para ter esperança. Não podemos concluir de modo precipitado que as espécies com descompasso fenológico serão extintas”, diz ele.

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