Em cinco anos, o Brasil se consolidou como segundo maior produtor de grãos transgênicos do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, e se transformou em um centro de negócios para as indústrias de sementes geneticamente modificadas (GMs). Destravou o sistema de avaliação dos organismos GMs e passou a ser citado pelo setor como exemplo para Europa, Ásia e África.
Quem elogia as mudanças que fizeram da produção transgênica uma bandeira nacional são os representantes das indústrias e os pesquisadores que mais criticavam a lentidão na aprovação das sementes. Eles comemoram o quadro atual como uma vitória de organizações como o Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB), que completou 10 anos e tem entre seus 29 associados as indústrias multinacionais Monsanto, Syngenta, Basf e Bayer, principais investidores do setor.
O país aprovou 33 sementes GMs desde 1998 23 delas nos últimos três anos. O sistema de avaliação deslanchou depois da criação da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), em 2005. Os 27 membros da organização estão levando menos de um ano para liberar a produção comercial de organismos geneticamente modificados.
"O Brasil vive um novo momento desde 2005. A CTNBio tem feito um trabalho exemplar na avaliação e liberação de sementes seguras para o consumidor e o meio ambiente", disse a diretora-executiva do CIB, Adriana Brondani. Ela defende que o país se tornou referência não apenas por tomar decisões mais rapidamente, mas também por ter adotado um marco regulatório estruturado.
Apesar de ter aprovado a importação de 36 tipos de transgênicos para consumo humano e produção de ração animal , a maior parte da União Europeia proíbe o cultivo de transgênicos, disse Sylvia Burssens, pesquisadora da Universidade de Gent (Bélgica). Milho e batata geneticamente modificados foram autorizados isoladamente por seis países que integram a UE, relata.
Ela traçou o panorama no seminário dos 10 anos do CIB, comemorados há uma semana. A plateia se manifestou criticando a postura europeia, que aceita consumir mas não libera a produção, pela pressão de organizações de defesa do ambiente e dos direitos do consumidor.
Os problemas que travam a adoção de transgênicos na Ásia vão além da resistência oficial. "Temos dois grupos diferentes de produtores, o que tem acesso a comunicação e o que não tem. Esses agricultores mais isolados estão com 58 anos de idade em média. Como chegar a eles e falar sobre biotecnologia?", indagou Siang Hee Tan, Ph.D em Biologia Molecular pela Universidade de Ikayama (Japão).
Embates mantêm a CTNBio sob cobrança constante
A atuação da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) vem sendo fortemente questionada por pesquisadores e representantes de organizações que defendem o ambiente e os direitos dos consumidores. Numa verdadeira guerra de argumentos, em que saem derrotados ou não chegam a ser ouvidos, eles alertam que as liberações incorrem em falta de rigor científico e descumprimento de exigências legais.
"A CTNBio nunca negou um pedido de liberação comercial de um transgênico", questiona Ana Carolina Brolo de Almeida, advogada da Terra de Direitos, organização que estuda entrar na Justiça Federal contra a liberação do feijão transgênico da Embrapa, que ocorreu em 15 de setembro. "Estamos aguardando prazo de 30 dias que as entidades de registro e fiscalização possuem para possível apresentação de recurso junto ao CNB (Conselho Nacional de Biossegurança)".
O próprio Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea) colocou em xeque a liberação do feijão. Para o presidente do Consea, Renato Maluf, faltam estudos para provar que a semente resistente ao mosaico dourado principal doença do feijoeiro é segura para a saúde e o ambiente.
Na votação da CTNBio, 15 membros foram favoráveis, dois se abstiveram e cinco disseram que faltavam estudos, pedindo diligências. Mesmo assim, a liberação foi considerada válida. Na interpretação da comissão, pedido de diligência não é voto contrário. E, para derrubar a liberação, seriam necessários 14 votos contrários (maioria entre os 27 membros).
A CTNBio já está acostumada a "preconceitos e equívocos relacionados à ciência por entidades da sociedade civil e por profissionais dos órgãos de imprensa", respondeu o presidente da comissão, Edilson Paiva. Ele afirma estar do lado do avanço da biotecnologia.
As 33 liberações de sementes permitiram que os transgênicos passassem a cobrir mais da metade dos 50 milhões de hectares destinados pelo país à produção de grãos (dois terços da área da soja e dois terços do plantio de milho de inverno, além de metade da área do milho de verão). A tecnologia facilita o controle de ervas daninhas e insetos, mas não implica necessariamente em redução de custos ou no uso de agrotóxicos.
O embate ideológico parece ocorrer num plano diferente daquele em que trabalha o pesquisador Francisco Aragão, um dos líderes do projeto do feijão transgênico da Embrapa. Ele relata que foram realizados testes inclusive além do necessário para se comprovar que a alternativa é segura. "O feijão transgênico não interfere na vida de insetos nem na de micro-organismos do solo, e tem as mesmas propriedades do alimento tradicional." "As proteínas produzidas pelo feijão Embrapa 5.1 são as mesmas", acrescenta Josias Faria, que desenvolveu a pesquisa com Aragão.
A Embrapa planeja exportar a tecnologia para países como Argentina e Estados Unidos. Se isso ocorrer, o Brasil poderá cobrar pelo uso das sementes. Por enquanto, os pesquisadores se dedicam à produção da semente transgênica em duas variedades: pontal e pérola, ambas cariocas. Depois dessa fase é que ocorrerá a multiplicação em larga escala.
O jornalista viajou a São Paulo a convite do CIB.
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