Apontada por especialistas como uma ameaça à competitividade do Brasil no mercado internacional, a “comoditização” da pauta de exportação não coloca o país em desvantagem no comércio exterior. A avaliação não parte de nenhuma grande trading exportadora de grãos, mas do próprio governo federal. Em entrevista à Gazeta do Povo, o secretário interino de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), Daniel Godinho, afirma que o agronegócio é e deve continuar sendo o maior motor da economia nacional porque sabe aproveitar oportunidades. Ele cita como exemplo o ano de 2011, quando os preços das commodities explodiram no mercado internacional. Naquele ano, o peso dos produtos básicos nos embarques brasileiros aumentou porque os exportadores valeram-se do bom momento para conquistar novos mercados, afirma o executivo.
Faz 12 anos consecutivos, completados em 2012, que o agronegócio sustenta o superávit da balança comercial brasileira. Como o senhor avalia a crescente participação do setor na pauta de exportação do país?
O agronegócio brasileiro é muito competitivo e isso não ocorre ao acaso. Foi uma conquista de empresários empreendedores que se alinharam a uma estratégia de pesquisa e tecnologia, com grande ajuda da Embrapa, que deu condições ao Brasil de ser o maior exportador mundial de etanol, carne de frango, suco de laranja, açúcar, café e soja em grão.
Os números parecem positivos. Contudo estamos exportando commodity, não tecnologia ou conhecimento. Na sua visão, essa é uma característica desfavorável, que tira a competitividade do país?
Pode não parecer óbvio, mas cada safra produtiva brasileira é resultado de tecnologia e conhecimento. Dito isso, no entanto, é claro que devemos sempre buscar agregar valor aos produtos exportados. Porém, uma coisa não ocorre em detrimento da outra e devemos ir agregando valor a cada elo da cadeia produtiva em nossas vendas ao exterior. A carne de frango serve de exemplo para o que estou falando. Em 2002, o Brasil exportou US$ 1,3 bilhão de carne de frango in natura e US$ 57 milhões de industrializada. No ano passado, foi exportado US$ 6,7 bilhões de carne de frango in natura, ou seja, cinco vezes mais do que em 2002, e US$ 478 milhões de industrializada, o que representa oito vezes mais. É importante notar ainda que a participação da carne de frango industrializada no total exportado pelo país dobrou nesse período.
Como reverter essa tendência e passar a exportar maior valor agregado no agronegócio? O senhor acredita que isso também passa por uma possível revisão da Lei Kandir?
A questão da participação em si dos produtos básicos ou industrializados na pauta de exportações não deve nos fazer perder a perspectiva correta para avaliar a realidade. Em 2011, houve um aumento da participação dos produtos básicos nas exportações brasileiras e muitos avaliaram isso como ruim. No entanto, o que acontecia era um aumento significativo nos preços de commodities agrícolas e minerais, e os exportadores, evidentemente, souberam aproveitar o momento para vender os seus produtos. No ano passado, a participação dos industrializados voltou a crescer por conta de uma estabilização dos preços das commodities, fato esse que passou despercebido para muita gente. Tenho certeza também que será possível aumentar a agregação de valor com a desoneração de diversos setores produtivos da indústria e a renovação do Reintegra, regime especial de reintegração de valores tributários para as empresas exportadoras que prevê a desoneração de resíduos de tributos indiretos (Cide, IOF, PIS, Cofins, etc.) sobre os produtos industrializados brasileiros exportados. As empresas beneficiadas fazem jus à reintegração equivalente ao percentual de 3% da receita de exportação.
O Brasil tem alguma estratégia para ampliar e sustentar o espaço conquistado no mercado externo ou isso ocorre de uma maneira natural?
Sim, existe estratégia para obter ganhos no mercado internacional. Um caso emblemático foi o que ocorreu com as vendas de milho no ano passado. Com a quebra da safra norte-americana, o setor produtivo brasileiro se mobilizou e as vendas deste produto registraram um impressionante aumento de mais de 100%, ou seja, de um ano para o outro, elas dobraram, alcançando recorde histórico. Nesse ano, a expectativa da safra de milho é igualmente animadora e acredito que nossas vendas irão novamente alcançar patamares elevados como resultado de conquista de mercado para o produtor brasileiro.
Qual a sua opinião sobre salvaguardas que podem ser adotadas na relação de comércio com outros países? O senhor acredita que como um player cada vez mais competitivo o Brasil terá de recorrer mais a esses mecanismos de e outras medidas de proteção de mercado?
O Brasil representa atualmente um mercado muito atrativo e não hesitaremos em adotar medidas de defesa comercial para combater tentativas ilegais ou desleais que visem prejudicar o produtor nacional. Ocorre que a adoção de salvaguardas ou de outras medidas de defesa comercial não é feita por iniciativa do governo, mas a partir de pleitos do setor empresarial brasileiro. Deste modo, é difícil avaliar qual será a utilização dessas medidas, já que não é possível prever quantas solicitações chegarão ao governo. O compromisso do MDIC, no entanto, é examinar todas as petições com a máxima diligência e precisão técnica, cumprindo os requisitos da legislação brasileira e das regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), para que o país continue sendo reconhecido internamente e internacionalmente como usuário eficaz dessas medidas. Se houver consistência técnica nos pedidos, portanto, o MDIC irá aplicar essas medidas.
O contencioso do algodão, no qual o Brasil saiu vitorioso, pode ser considerado um case em que o Brasil se posicionou e, de certa forma, passou a ser mais respeitado nas relações e comércio com a comunidade internacional?
Sim. O Brasil é um país muito ativo e tem um histórico muito positivo no questionamento de medidas de outros países que não respeitam às regras da OMC. Vale lembrar que o Brasil já teve vitórias em casos semelhantes relacionados ao comércio de açúcar, frango, suco de laranja e aeronaves. Especificamente sobre o algodão, ainda estamos lutando pelo fim dos subsídios que distorcem o mercado internacional e prejudicam o produtor brasileiro. Não estaremos plenamente satisfeitos até que isso ocorra.
Na atual temporada agrícola o Brasil se consolida como maior produtor e agora também como maior exportador mundial de soja em grão, à frente dos Estados Unidos. Isso tem algum significado econômico relevante ou simplesmente confirma o país como um mero exportador de produto primário?
Claro que tem um significado importante. Representa a consolidação do Brasil como um dos maiores produtores de um dos gêneros agrícolas mais consumidos no mundo, com um vasto e crescente mercado.
A considerar a demanda mundial aquecida e o potencial de oferta a partir do Brasil, como o senhor avalia a participação do agronegócio na balança comercial pelos próximos 10 anos?
Acredito que a vocação agrícola brasileira continuará rendendo bons frutos para a balança comercial do nosso país e para o enriquecimento e desenvolvimento de nossa economia nos próximos anos.
A considerar a demanda mundial aquecida e o potencial de oferta a partir do Brasil, como o senhor avalia a participação do agronegócio na balança comercial pelos próximos 10 anos?
Acredito que a vocação agrícola brasileira continuará rendendo bons frutos para a balança comercial do nosso país e para o enriquecimento e desenvolvimento de nossa economia nos próximos anos.