O cenário das lavouras de café do interior paulista está passando por uma transformação graças à migração de parte das fazendas do Estado para os cafés especiais, que se destacam em testes internacionais de sabor e aroma. Em todo o País, a produção de cafés para paladares mais refinados teve expansão média de 15% nos últimos anos, para um total de 8,5 milhões de sacas em 2017, segundo a Associação Brasileira de Cafés Especiais (que se identifica pela sigla em inglês, BSCA). Esse movimento, segundo fontes do setor cafeeiro, está sendo puxado por São Paulo, onde a estimativa é de um crescimento anual desse segmento da ordem de 20%.
Um dos fatores que levam os cafeicultores paulistas a investir em grãos especiais é o preço. Enquanto a saca do café “commodity” hoje vive um momento de baixa e sai por cerca de R$ 400, os grãos especiais chegam a valer o dobro. “Temos contratos fechados há três anos com clientes dos Estados Unidos”, diz o produtor Mariano Martins, da Fazenda Santa Margarida, em São Manoel (SP). “Em função da alta do dólar, eles nos garantem hoje R$ 800 por saca.” O cafeicultor diz que a diferença de 100% não é regra. O “ágio” fica, em média, ao redor de 30%.
Trocar de variedade por causa da variação de curto prazo da cotação, segundo Martins, é um risco. Ele alerta que a mudança exige investimentos na lavoura e que, para ser considerado especial, o café precisa receber 80 pontos ou mais em análises sensoriais independentes. Alguns dados, porém, evidenciam que a busca pela qualidade é tendência: a receita com exportações do produto de primeira linha atingiu US$ 2 bilhões em 2017, uma alta de 600% em cinco anos, segundo a BSCA. O que fica no Brasil também tem boa demanda: o consumo interno de cafés especiais movimenta R$ 1,7 bilhão.
Do banco para o cafezal
Formado em administração, Martins trabalhava em um banco, em São Paulo, quando decidiu largar tudo e assumir a fazenda centenária que seu pai pensava em vender. Desde 1975, quando uma forte geada dizimou os cafezais paulistas, parte da fazenda era arrendada para cana-de-açúcar. “Quando assumi, em 2008, comecei a formar cafezal na área da cana. No primeiro ano de produção, não consegui encaixar nenhuma saca de café como especial.”
Em dez anos, a situação mudou drasticamente. Hoje, a propriedade tem 1 milhão de pés de café e metade dos grãos produzidos são classificados como especiais. Dois terços da produção vão para a Califórnia, para atender clientes conquistados após um lote da fazenda receber 93 pontos de um crítico americano. O restante vai para a torrefação própria, que abastece uma rede de varejo paulistana.
O cafeicultor Luiz Eduardo de Bovi, da Fazenda 7 Senhoras, em Socorro, na região de Bragança Paulista, optou por transformar a fazenda cafeeira que pertenceu ao avô em um moderno sistema de produção de cafés especiais. De 2011 para cá, ele saiu de 13 mil pés para 250 mil cafeeiros.
Apesar de exportar e de fornecer para torrefações e cafeterias, Bovi está explorando a comercialização própria do produto como forma de se proteger das variações de preço. “Processo e vendo pequenas parcelas de um café selecionado - em grão, moído e em cápsulas. Como o mercado de café oscila muito, essa verticalização agrega valor”, ressalta.
Segundo o pesquisador Celso Luiz Rodrigues Vegro, do Instituto de Economia Agrícola (IEA), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento, a busca pelo café de qualidade ajudou a transformar a agricultura paulista na mais produtiva do País. Segundo ele, cafeicultores da região de Franca, norte do Estado, fecharam a safra de 2018 com produtividade média de 40 sacas por hectare, quase 30% acima da média nacional.
O uso das técnicas para produção com qualidade, segundo o especialista, fez a produção crescer sem ampliação de área plantada. “Estamos com os mesmos 200 mil hectares cultivados há quase duas décadas, mas a produção cresceu e agregou valor”, disse Vegro.
Dúvida
Apesar da euforia de parte dos fazendeiros, o café especial não é opção para todo mundo. O engenheiro agrônomo Luiz Antonio Basile Sobrinho considera a migração, mas resiste em razão do custo. “Nesta região, para obter o gourmet, é obrigatório colher o café maduro e descascar para evitar a fermentação. Além de equipamentos, você precisa de mais mão de obra, que é cara.” Fazendo as contas do investimento e da vantagem de preço, ele disse ainda não estar convencido de que a mudança vale a pena.
No entanto, Basile Sobrinho investiu em tecnologia nos 80 hectares de café arábica que cultiva em Piraju e Sarutaiá, no sudoeste paulista. Uma das mudanças que ele levou a cabo foi a adoção da poda drástica em parte do cafezal - uma das técnicas usadas por quem já vive no mundo dos cafés “gourmet”. A opção se reverteu em melhora da produtividade, que chegou a 38 sacas por hectare.
Apesar de ainda vender café comum, ele diz que o ganho em quantidade está “salvando a lavoura” em tempo de preço baixo. “Há dez anos, eu vendia o café cereja (na casca) a R$ 500. Nesta safra, minha produção saiu à média de R$ 400 a saca.” Embora ainda não tenha embarcado na tendência dos grãos especiais, Basile Sobrinho considera que a transformação está sendo positiva para a cafeicultura paulista. “Tem muito cafeicultor tradicional investindo em qualidade para não ficar para trás.”
Cafés finos
Levantamento da Conab indica que a produção paulista de café alcança 6,2 milhões de sacas de arábica este ano. O Estado de São Paulo é o 3.º maior produtor de café no País, atrás de Minas Gerais e do Espírito Santo, onde dois terços da produção de 13 milhões de sacas são do café conilon, mais rústico e menos valorizado. O café arábica se diferencia do robusta, que inclui o conilon, pelo aroma mais intenso e pela doçura, com menos acidez e cafeína. O café gourmet é feito exclusivamente com o arábica.
Três regiões paulistas se destacam na produção do café gourmet. Na região de Caconde e Espírito Santo do Pinhal, 10% dos cafezais são de bourbon amarelo, variedade arábica. A região de Franca, na Alta Mogiana, produz cafés de aroma marcante, acidez média e corpo cremoso e aveludado. Ao menos 15 municípios cultivam o arábica.
Na região de São João da Boa Vista, na Média Mogiana, são 16 municípios produtores, entre eles Espírito Santo do Pinhal. A área é de clima apto ao grão e montanhosa. Como a mecanização é limitada, muitos cafeicultores optaram por colher os grãos especiais à mão. Já a região de Ourinhos, onde fica Piraju, tem o problema da maior umidade relativa do ar, que acelera a fermentação do café. Por isso, adotou a técnica do descascamento do café cereja.
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