Sua fama não tem precedentes na agricultura. Ela tenta comer até plástico e resiste a repetidas aplicações de inseticidas. Sobrevive presa em vidros na geladeira e suporta temperaturas acima de 50 graus no solo. A Helicoverpa armigera, lagarta que se alastrou um ano atrás nas lavouras de soja de todo o Brasil, vem sendo controlada de forma eficiente nesta temporada. Para surpresa dos agricultores que montaram arsenal de inseticidas, os melhores resultados estão em áreas que adotam boas práticas. O uso de produtos menos agressivos ao ambiente (e a inimigos naturais do inseto) e o monitoramento constante da lavoura preservam o potencial das plantas e reduzem custos.
Duas estratégias bem distintas vêm sendo adotadas no combate à nova praga, relataram 65 produtores e técnicos consultados pela reportagem nas últimas duas semanas. Na primeira e mais difundida, a aplicação de inseticida é feita logo que se confirma a presença da praga numa região. A partir dessa primeira pulverização, são programadas outras duas. Quando a lagarta sobrevive, o número de intervenções chega a cinco (e em casos extremos a oito), prática que só se via no algodão. Essa estratégia custa de duas a três sacas de soja por hectare, ou seja, consome perto de 5% da produção.
A segunda estratégia exige convivência com a Helicoverpa armigera. Agricultores, agrônomos, técnicos agrícolas e pragueiros (funcionários que coletam insetos no campo para mapeamento dos ataques) fazem monitoramento permanente, seguindo critérios de manejo consolidados pela pesquisa antes de a nova lagarta se tornar uma ameaça. Os inseticidas passam a ser aplicados quando há quatro ou mais H. armigeras por metro quadrado, na fase vegetativa, ou duas, na fase reprodutiva das plantas. Há casos de áreas atacadas em que é feita uma única pulverização. O número de aplicações normalmente se limita a três.
Economia
Um argumento de peso favorece a segunda estratégia. Com uma aplicação a menos de inseticida, os produtores brasileiros de soja economizariam R$ 2,5 bilhões nesta safra. A própria dimensão que a produção de soja alcançou, com 29,5 milhões de hectares, a maior área do mundo, torna esse número astronômico e faz de lavouras como a Fazenda Bouganville, em Maringá, centro de referência. Técnicos da Emater e da propriedade controlam diariamente os insetos e doenças em 300 hectares de soja e prometem economia de 30% nos gastos com inseticidas.
Apesar de a Helicoverpa armigera rondar a região, a primeira aplicação de inseticida em área monitorada aconteceu no 87º dia após o plantio – ou seja, quando a soja tinha transcorrido dois terços de seu ciclo. A média na vizinhança já era de duas aplicações. “É possível esperar mais, e a natureza vai colaborar. Há inimigos naturais, muitos ainda desconhecidos”, avalia Celso Ceratto, técnico da Emater de Maringá. Com intervalo de duas semanas, foi feita a segunda aplicação de inseticida. A terceira tem como alvo o percevejo.
A economia é clara e os benefícios do manejo serão avaliados ao final da safra. O técnico da fazenda afirma estar satisfeito com os resultados do manejo. “Tem produtor fazendo três aplicações ‘preventivas”, compara. A expectativa é que a produtividade seja de 4,2 mil quilos de soja por hectare.
Táticas diferentes buscam os mesmos resultados
De Norte a Sul, o Brasil testa nesta temporada táticas personalizadas de combate à Helicoverpa armigera. O clima é de alerta e deve prevalecer na próxima temporada, num indício de que a nova praga veio para ficar e tornar mais complexo o manejo das lavouras.
Na nova fronteira do Centro-Norte, que abrange Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, grandes fazendas criaram equipes de monitoramento e usam até um vírus, o HZNTV, importado da Austrália e dos Estados Unidos, em lavouras de soja e algodão. Os produtores da Bahia conseguiram autorização para importar Benzoato de Emamectina, mas as aplicações – que precisam ser liberadas fazenda por fazenda – estão suspensas por decisão da Justiça. Há temor em relação aos efeitos tóxicos do produto.
No Rio Grande do Sul, em propriedades familiares, os produtores disputam inseticidas fisiológicos, que prometem controle sem dizimar inimigos naturais do inseto. “Coletei quatro lagartas e coloquei na geladeira para levar a um laboratório. Depois de quatro dias de refrigeração num vidro fechado, três ainda estavam vivas”, relata pasmo o produtor Tiago Sartori, de Pejuçara (Noroeste gaúcho). Depois disso, ele não teve dúvidas. Iniciou aplicações preventivas e passou a adotar monitoramento constante em 180 hectares de soja, incluindo 61 hectares irrigados. Num ano de alto consumo de defensivos, o agronegócio ainda não conhece um produto 100% eficaz contra a nova praga. Ainda não há também uma avaliação sobre o tamanho da área atacada, apesar da confirmação de que a armigera ameaça todos os estados produtores de soja.
Aplicação “preventiva” busca produtividade
Os produtores que não adotam monitoramento intensivo defendem que, quando a Helicoverpa armigera se alastra, o controle se torna mais difícil e os danos à produtividade já estão em curso. Além de inseticidas, adotam sementes com a tecnologia Intacta RR2 PRO, da Monsanto, que custa até R$ 115 por hectare, mas evita as aplicações de inseticidas. Eles negam uso exagerado de agrotóxicos e levantam questões que podem alterar o Manejo Integrado de Pragas (MIP), formulado a partir de pesquisas científicas.
O produtor João Dapont, que cultiva 360 hectares de soja e 80 de milho em Flor da Serra do Sul (Sudoeste do Paraná), rebate as críticas às aplicações “preventivas”. Ele defende que, quando a pulverização é feita antes do aparecimento da lagarta, as doses de veneno são menos intensas. Além disso, considera esse manejo mais eficiente, uma vez que, se a lagarta chega à contagem de gatilho (quatro por metro linear na fase vegetativa e duas na fase reprodutiva da soja) às vésperas de uma semana de chuva, não há como fazer as aplicações na hora certa, principalmente em áreas extensas. Quando o sol reaparece, a produtividade já está comprometida e há muito trabalho pela frente, aponta. Sua meta é passar de 45 sacas para 60 sacas de soja por hectare.
O pesquisador da Embrapa André Mateus Prando, por outro lado, afirma que a chuva também ajuda no combate à Helicoverpa armigera. “Mesmo em áreas extensas, o monitoramento tem mostrado que é possível acompanhar o avanço das lagartas e fazer as intervenções na hora certa”, argumenta. Encarregado de palestras a produtores no Show Rural Coopavel, na semana passada, em Cascavel (Oeste), ele apontou em sessões superlotadas, com até 100 produtores, que seguir o gatilho ainda é a melhor saída. “Nada em pesquisa é fixo, mas essa contagem vai continuar valendo até que novas pesquisas mostrem uma indicação diferente.”
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