Lagarta Helicoverpa armigera, a mais recente ameaça à agricultura no país, desafia produtores e pesquisa| Foto: Jonathan Campos/gazeta Do Povo
Previnir é melhor que remediar, garante João Dapont, do PR. Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo
Tiago Sartori monitora diariamente 180 ha

Sua fama não tem precedentes na agricultura. Ela tenta comer até plástico e resiste a repetidas aplicações de inseticidas. Sobrevive presa em vidros na geladeira e suporta temperaturas acima de 50 graus no solo. A Helicoverpa armigera, lagarta que se alastrou um ano atrás nas lavouras de soja de todo o Brasil, vem sendo controlada de forma eficiente nesta temporada. Para surpresa dos agricultores que montaram arsenal de inseticidas, os melhores resultados estão em áreas que adotam boas práticas. O uso de produtos menos agressivos ao ambiente (e a inimigos naturais do inseto) e o monitoramento constante da lavoura preservam o potencial das plantas e reduzem custos.

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Duas estratégias bem distintas vêm sendo adotadas no combate à nova praga, relataram 65 produtores e técnicos consultados pela reportagem nas últimas duas semanas. Na primeira e mais difundida, a aplicação de inseticida é feita logo que se confirma a presença da praga numa região. A partir dessa primeira pulverização, são programadas outras duas. Quando a lagarta sobrevive, o número de intervenções chega a cinco (e em casos extremos a oito), prática que só se via no algodão. Essa estratégia custa de duas a três sacas de soja por hectare, ou seja, consome perto de 5% da produção.

A segunda estratégia exige convivência com a Helicoverpa armigera. Agricultores, agrônomos, técnicos agrícolas e pragueiros (funcionários que coletam insetos no campo para mapeamento dos ataques) fazem monitoramento permanente, seguindo critérios de manejo consolidados pela pesquisa antes de a nova lagarta se tornar uma ameaça. Os inseticidas passam a ser aplicados quando há quatro ou mais H. armigeras por metro quadrado, na fase vegetativa, ou duas, na fase reprodutiva das plantas. Há casos de áreas atacadas em que é feita uma única pulverização. O número de aplicações normalmente se limita a três.

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Economia

Um argumento de peso favorece a segunda estratégia. Com uma aplicação a menos de inseticida, os produtores brasileiros de soja economizariam R$ 2,5 bilhões nesta safra. A própria dimensão que a produção de soja alcançou, com 29,5 milhões de hectares, a maior área do mundo, torna esse número astronômico e faz de lavouras como a Fazenda Bouganville, em Maringá, centro de referência. Técnicos da Emater e da propriedade controlam diariamente os insetos e doenças em 300 hectares de soja e prometem economia de 30% nos gastos com inseticidas.

Apesar de a Helicoverpa armigera rondar a região, a primeira aplicação de inseticida em área monitorada aconteceu no 87º dia após o plantio – ou seja, quando a soja tinha transcorrido dois terços de seu ciclo. A média na vizinhança já era de duas aplicações. “É possível esperar mais, e a natureza vai colaborar. Há inimigos naturais, muitos ainda desconhecidos”, avalia Celso Ceratto, técnico da Emater de Maringá. Com intervalo de duas semanas, foi feita a segunda aplicação de inseticida. A terceira tem como alvo o percevejo.

A economia é clara e os benefícios do manejo serão avaliados ao final da safra. O técnico da fazenda afirma estar satisfeito com os resultados do manejo. “Tem produtor fazendo três aplicações ‘preventivas”, compara. A expectativa é que a produtividade seja de 4,2 mil quilos de soja por hectare.

Táticas diferentes buscam os mesmos resultados

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De Norte a Sul, o Brasil testa nesta temporada táticas personalizadas de combate à Helicoverpa armigera. O clima é de alerta e deve prevalecer na próxima temporada, num indício de que a nova praga veio para ficar e tornar mais complexo o manejo das lavouras.

Na nova fronteira do Centro-Norte, que abrange Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, grandes fazendas criaram equipes de monitoramento e usam até um vírus, o HZNTV, importado da Austrália e dos Estados Unidos, em lavouras de soja e algodão. Os produtores da Bahia conseguiram autorização para importar Benzoato de Emamectina, mas as aplicações – que precisam ser liberadas fazenda por fazenda – estão suspensas por decisão da Justiça. Há temor em relação aos efeitos tóxicos do produto.

Tiago Sartori monitora diariamente 180 ha.  Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo 

No Rio Grande do Sul, em propriedades familiares, os produtores disputam inseticidas fisiológicos, que prometem controle sem dizimar inimigos naturais do inseto. “Coletei quatro lagartas e coloquei na geladeira para levar a um laboratório. Depois de quatro dias de refrigeração num vidro fechado, três ainda estavam vivas”, relata pasmo o produtor Tiago Sartori, de Pejuçara (Noroeste gaúcho). Depois disso, ele não teve dúvidas. Iniciou aplicações preventivas e passou a adotar monitoramento constante em 180 hectares de soja, incluindo 61 hectares irrigados. Num ano de alto consumo de defensivos, o agronegócio ainda não conhece um produto 100% eficaz contra a nova praga. Ainda não há também uma avaliação sobre o tamanho da área atacada, apesar da confirmação de que a armigera ameaça todos os estados produtores de soja.

Aplicação “preventiva” busca produtividade

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Os produtores que não adotam monitoramento intensivo defendem que, quando a Helicoverpa armigera se alastra, o controle se torna mais difícil e os danos à produtividade já estão em curso. Além de inseticidas, adotam sementes com a tecnologia Intacta RR2 PRO, da Monsanto, que custa até R$ 115 por hectare, mas evita as aplicações de inseticidas. Eles negam uso exagerado de agrotóxicos e levantam questões que podem alterar o Manejo Integrado de Pragas (MIP), formulado a partir de pesquisas científicas.

O produtor João Dapont, que cultiva 360 hectares de soja e 80 de milho em Flor da Serra do Sul (Sudoeste do Paraná), rebate as críticas às aplicações “preventivas”. Ele defende que, quando a pulverização é feita antes do aparecimento da lagarta, as doses de veneno são menos intensas. Além disso, considera esse manejo mais eficiente, uma vez que, se a lagarta chega à contagem de gatilho (quatro por metro linear na fase vegetativa e duas na fase reprodutiva da soja) às vésperas de uma semana de chuva, não há como fazer as aplicações na hora certa, principalmente em áreas extensas. Quando o sol reaparece, a produtividade já está comprometida e há muito trabalho pela frente, aponta. Sua meta é passar de 45 sacas para 60 sacas de soja por hectare.

Previnir é melhor que remediar, garante João Dapont, do PR. Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo 

O pesquisador da Embrapa André Mateus Prando, por outro lado, afirma que a chuva também ajuda no combate à Helicoverpa armigera. “Mesmo em áreas extensas, o monitoramento tem mostrado que é possível acompanhar o avanço das lagartas e fazer as intervenções na hora certa”, argumenta. Encarregado de palestras a produtores no Show Rural Coopavel, na semana passada, em Cascavel (Oeste), ele apontou em sessões superlotadas, com até 100 produtores, que seguir o gatilho ainda é a melhor saída. “Nada em pesquisa é fixo, mas essa contagem vai continuar valendo até que novas pesquisas mostrem uma indicação diferente.”