Palestrante da abertura do 1.º Congresso Jurídico Internacional do Agronegócio, a diretora-executiva do Comitê Europeu de Direito Rural, Letícia Bourges, analisa que as mudanças na Política Agrícola Comum (PAC) seguem em duas frentes. De um lado, reforçam a proteção a setores considerados essenciais na Uniao Europeia (UE). Por outro, buscam reduzir entraves na relação do bloco com o mercado global. Ela estará em Curitiba quinta-feira, às 20 horas, no Museu Oscar Niemeyer. A entrevista a seguir antecipa a tônica de sua conferência. Na prática, como a legislação europeia protege o agronegócio e influencia o mercado de commodities?
Em primeiro lugar, é importante observar que o agronegócio se define nas relações entre o setor agrícola e o industrial ou de distribuição. Em relação às commodities, existe um problema relacionado à segurança alimentar a ser considerado. De forma geral, a Política Agrícola Comum (PAC) destina-se à liberalização. A política de subsídios, formulada para ampliar a rentabilidade e a autosuficiência, foi modificada para facilitar as negociações na Organização Mundial do Comércio (OMC). Os subsídios em relação à produção têm sido reduzidos, bem como as cotas que limitam a produção. Os novos subsídios (ajudas diretas) são dissociados ou não relacionados com a produção e visam a medidas estruturais. Desta forma, a renda do agricultor está protegida em relação às variações de preços. Em troca, ele tem de cumprir obrigações ambientais, sanitárias e de qualidade. Além dos subsídios anuais, a PAC se aplica ao desenvolvimento rural, à consolidação do setor, à defesa dos valores éticos para coesão econômica e social, à promoção da concorrência equilibrada.
A política agrícola comum mantida desde a Segunda Guerra passa por mudanças. Essas alterações reduzem a proteção legal ao agronegócio?
Em termos de troca de mercadorias, as grandes distorções ligadas à importação e aos subsídios à exportação foram modificadas. A realidade na União Europeia está mais próxima das exigências internacionais. No contexto da OMC, a UE reforça as ajudas dissociadas da produção e as ajudas ligadas à preservação. As preocupações não-comerciais podem se tornar muito importantes no futuro. Mesmo que pareçam partir de conceitos diferentes, não diferem muito em seus objetivos, e isso é essencial. Outro assunto importante para a UE é a questão das denominações de origem. Deve-se reconhecer que os agricultores na Europa têm uma longa tradição em alguns produtos. Mas as vantagens deste instrumento estão começando a ser reconhecidas por outros países (como China e Índia). Produtos de boa qualidade podem ser distribuídos em todos os lugares.
A proteção jurídica do agronegócio ajudou a garantir alimentos à população europeia no século passado. Atualmente, como ela se justifica?
A globalização e a modernização da comunicação e meios de transporte aumentaram o comércio de produtos alimentares. A segurança alimentar é um assunto que não deve ser subestimado. É por isso que a proteção jurídica é importante para manter a agricultura funcionando em produções tradicionais. O setor agrícola é de grande importância. Devemos esclarecer o que significa proteção e o que representam os setores protegidos, reconhecer a necessidade de dar consideração especial a determinado setor. Existem características intrínsecas, como as da oferta, da disposição em relação ao mercado consumidor, dos riscos ambientais. E também a influência de um setor no equilíbrio econômico, no equilíbrio demográfico, nos índices do emprego. Os fatores externos ligados à produção rural estão sendo melhor observados atualmente.
Como a senhora avalia os contrastes entre a proteção legal oferecida ao agronegócio pela União Europeia e por países como o Brasil?
Não me sinto capaz de falar sobre a legislação brasileira e o congresso em Curitiba será uma grande oportunidade de me aprofundar no assunto. Teremos também um congresso na Romênia em setembro, com participação do dr. Lutero de Paiva Pereira (especialista que falará sobre agricultura e estado em Curitiba), membro brasileiro do Comitê Europeu de Direito Rural.
Porque a redução dos subsídios ocorre tão lentamente, diante da pressão por redução de custo e liberalização do comércio na UE?
Certas formas de subsídios foram fortemente reduzidas, em especial os subsídios à exportação, e o foco agora é o apoio ao rendimento, que é entendido como menos distorcivos ao comércio, uma vez que não influencia o preço da commodity. O setor rural tem uma estrutura determinada, até mesmo em função da legislação. Assim, as mudanças não podem se dar repentinamente. Não devemos esquecer que o calendário da agricultura não é o de uma indústria ou uma cidade. Por exemplo, na produção de vinho, se há uma tendência de mercado para uma variedade especial, o produtor precisa de pelo menos três anos para adaptar a produção. A indústria pode, em alguns casos, mudar a produção em apenas um dia. Na agricultura isso é impossível.
Quais são as principais vantagens da proteção legal ao agronegócio?
Antes de mais nada, devemos considerar de que tipo de proteção estamos falando. Em referência aos produtos essenciais, a proteção é defendida pela sociedade. A regulação da importação de commodities faz sentido para proteger uma determinada estrutura rural e a estabilidade do mercado interno. Não é fácil fazer a estrutura rural absorver mudanças a curto prazo. Ao contrário, mudanças repentinas podem causar mais danos do que benefícios internos. Cada país toma medidas para proteger a sua agricultura ou para permitir que ela sobreviva, especialmente ante choques econômicos e desastres naturais. A proteção jurídica ajuda a garantir a produção de alimentos e a evitar o abandono das terras, com maior equilíbrio demográfico.
Em relação à propriedade da terra, existem barreiras para a compra de terras por estrangeiros na União Europeia?
Geralmente, não existem obstáculos. Mas a questão é nacional, não regulamentada no bloco. No entanto, uma questão é a propriedade e outra a produção. Geralmente, é solicitada alguma formação para que um estrangeiro seja um agricultor. A situação é diferente em relação aos novos estados-membros. Eles estavam sob o comunismo, e precisam primeiro regulamentar o direito de propriedade para depois aceitar estrangeiros dispostos a comprar terras.
Os requisitos ambientais e sanitários para os produtores europeus são mais rigorosos do que em outros continentes?
Não exatamente. Podemos dizer que já existem legislações equivalentes. Depois de algumas circunstâncias especiais ou crises, elas foram amplamente desenvolvidas. As disposições da PAC seguem critérios de qualidade e segurança. Deve-se dizer que o pagamento está condicionado a um padrão elevado de proteção ambiental e bem-estar animal. De alguma forma, a ideia é conceder aos agricultores uma ajuda financeira em troca da realização de atividades como a gestão ecológica da agricultura, em vez de subsidiar a produção de mercadorias.
No Brasil, a preservação deve ser de pelo menos 20% das propriedades como reserva legal e há sistemas de inspeção em âmbito local, regional e nacional. Existem mais regras do que na Uniao Europeia?
Os requisitos de segurança regionais e nacionais podem ser ampliados na UE. Os controles são geralmente de competência local, especialmente nas questões sanitárias. Mas a Autoridade Europeia de Segurança Alimentar monitora questões de segurança e autorizações. Em referência ao ambiente, a rede Natura 2000 favorece a proteção dos espaços naturais e as contribuições para proteger alguns espaços ou zonas vulneráveis. A legislação brasileira é especialmente boa em relação à proteção das florestas.