Do lado de fora do mercado de frutas de Cabul, com suas quase 800 lojas e bancas, uma multidão de clientes e vendedores vem chegando para mais um dia de trabalho. Nesta época, acontece o pico da temporada de frutas do país, e a colheita deste ano tem sido impressionante.
Dentro, produtos em abundância: pêssegos em caixas, damascos e uvas em sacos de plástico, maçãs recém amadurecidas vendidas em um pequeno caminhão. Melões à vontade, aqui e no mercado ao lado, apropriadamente chamado de Mercado do Melão. Em um dia normal, o mercado de frutas chega a receber quatro mil visitantes.
Tão abundante quanto as frutas desta temporada, no entanto, é a violência crescente do Talibã em todo o país, e a extorsão feita por milícias leais ao governo, que impuseram um pedágio para os agricultores e os comerciantes.
“Se você transportar melões de Kunduz para Cabul, o carregamento pode ser parado e extorquido umas 41 vezes”, garantiu Siamuden Pasarly, porta-voz da câmara de comércio do Afeganistão. Em cada ponto de verificação extorquem dois ou três melões, afirmou e depois acrescentou: “A extorsão não é apenas pela fruta, eles pedem dinheiro também”.
Abdul Wahab, que planta melões na província inquieta de Baghlan e vende em Cabul, diz que gastou 86 mil afeganes (cerca de R$ 4 mil) nas despesas da fazenda, com sementes, fertilizantes e mão de obra, para vender a safra de melão por um total de apenas R$ 685.
“Em Baghlan, o imposto formal do governo sobre um caminhão é de 100 afeganes, mas os comandantes da milícia pedem dois mil. E quando você diz ‘pelo amor de Deus, seja um pouco justo’, eles respondem ‘não mova seus lábios, vou quebrar sua boca’“, desabafa Wahab. Ele suspira: “É uma partida de futebol, e nós somos chutados para frente e para trás”.
Violência sazonal
Nos últimos anos, a violência no Afeganistão tem diminuído ou aumentado de acordo com as colheitas da primavera e do outono – a prosperidade de um e o desespero do outro, cada um perigoso à sua maneira.
Na primavera, quando chega a hora da lucrativa colheita de papoula, principalmente no sul do país, a violência diminui porque muitos soldados do Talibã largam suas armas e empunham lâminas para cortar a papoula. (A insurgência alimenta o negócio da droga, muitas vezes, os dois são a mesma coisa).
Mas, no outono, quando a temporada de frutas está em pleno andamento, e as melhorias agrícolas dos últimos anos começam a dar bons resultados para os agricultores pobres, a violência se agrava.
O ópio traz grandes lucros. Mas as frutas apodrecem. Então, enquanto uma cultura ganha mais e mais espaço para ser processada e traficada através de regiões inseguras da fronteira, a outra não encontra mercado, já que a fronteira com o Paquistão é fechada de tempos em tempos por causa das turbulentas relações políticas entre os dois países.
Na esperança de superar os problemas com a fronteira paquistanesa, o governo afegão e a Índia tentaram abrir um “corredor de ar” para facilitar as exportações das frutas afegãs para este país. Mas o projeto teve um começo difícil por causa de problemas logísticos com os aviões de carga, e toneladas de frutas acabaram aprodrecendo no aeroporto de Cabul. O mercado municipal de frutas continuou a ser, assim, a maior esperança para agricultores e comerciantes.
Por anos, Amrullah Jan vendeu maçãs de pomares da província de Maidan Wardak, mas, neste ano, foram poucos os comerciantes que enfrentaram a violência e os pontos de verificação do Talibã para ir comprar lá. Então, Jan encheu seu pequeno caminhão velho, que tem os lados cobertos de ferrugem, e carregou as frutas até o mercado.
Levando em consideração o custo do transporte, o ensacamento e a mão de obra, pouco resta de lucro para ele depois que os sacos de maçãs são vendidos no mercado por R$ 6,20 cada.
“Tak, tak, tak — o tiroteio começa e temos que nos abrigar. E, quando tudo se acalma, voltamos a embalar”, relatou Jan ao falar sobre o trabalho de ensacar as maçãs. Ele veio de Maidan às três horas da manhã em uma terça-feira recente para trazer 80 sacos de maçãs para o mercado.
Ahmad Bashir, de Kunduz, que vende melões no mercado há dez anos, conta uma história para ilustrar as dificuldades que agricultores e comerciantes têm enfrentado. Um agricultor em Kunduz alugou um caminhão de cinco eixos e o carregou de melões, diz Bashir. Quando finalmente conseguiu chegar a Cabul – cerca de 20 dias depois de colher sua plantação –, algumas frutas já tinham apodrecido, e o resto ficou sem compradores. Ele não conseguiu vender nem o suficiente para cobrir o custo da locação do caminhão.
“Quando acordamos de manhã, o agricultor tinha desaparecido, e o motorista do caminhão ficou apenas com a fruta encalhada. Demos o endereço dele em Kunduz para o motorista e dissemos ‘você pode tentar encontrá-lo lá. Talvez ele tenha algum trigo ou arroz em casa para vender e pagar o resto do seu dinheiro’”, conclui Bashir.
Mas a fruta barata é boa notícia para os moradores mais pobres de Cabul. “Eu comprei dois melões a 30 afeganes cada”, afirma Mohammed Hafiz, 52, que estava voltando para casa pela margem do Rio Cabul e parou em uma banca na beira da estrada. Seu salário diário como trabalhador da construção civil é cerca de 350 afeganes. “Ouvi dizer que eles estavam baratos este ano, então vim comprar para meus filhos”, conta.
Bolsonaro e aliados criticam indiciamento pela PF; esquerda pede punição por “ataques à democracia”
Quem são os indiciados pela Polícia Federal por tentativa de golpe de Estado
Bolsonaro indiciado, a Operação Contragolpe e o debate da anistia; ouça o podcast
Seis problemas jurídicos da operação “Contragolpe”